Ao longo dos últimos três anos, por volta desta altura do ano, todos os caminhos iam dar a Alpendorada, Várzea e Torrão para os Concertos Que Nunca Existiram. No dia 2 de outubro, este sábado, a Quinta da Senhora da Guia recebe a quarta e última edição do festival que se tornou um ritual de final de verão na zona norte.
A premissa era, desde o início, fazer exatamente o que o nome da festa indica: concertos que nunca existiram. Assim tem acontecido, com uma lotação reduzida que permite uma experiência diferente e inesquecível todos os anos. Este ano estão alinhadas as atuações de La Becaria, Ece Canli, Sereias, Gustavo Costa, Akazie, O Bom, O Mau e o Azevedo, DJ Sentimentol e Spurr, e a lotação é de 120 participantes.
Por ser uma última que fecha um ciclo, a organização quis que fosse ainda mais memorável. O ponto de partida será a Eira da Senhora da Guia, o palco das primeiras três edições. La Becaria é uma das pérolas da programação de 2021: a artista catalã partilha pela primeira vez o que andou a preparar durante os confinamentos de 2020, libertando-se e emancipando-se através do trap. Já Ece Canli, artista, música e investigadora turca, apresenta o resulta de uma residência artística na Quinta da Senhora da Guia, “Voz Flora Voz Fauna”.
A ideia dos concertos surgiu, segundo Luís Sobreiro, co-fundador, "há uns cinco ou seis anos". "Surgiu um pouco com uma vontade de agitar a programação e oferta cultural alternativa em Marco de Canaveses — achávamos e continuamos a achar um pouco que é inexistente —, por parte de um grupo de amigos da associação Rústico , que era o meu grupo de amigos aqui da aldeia de Várzea do Douro". Este grupo de amigos, conta, "sentia um pouco um aborrecimento por não acontecer nada" no seu concelho. "O Marco de Canaveses não tinha um cinema, não tinha teatro, agora tem um Centro Cultural, mas ainda é pouco para este território que é bastante rico. Na altura, começámos a pensar fazer concertos só que nunca conseguíamos fazer, então daí vem o nome Concertos Que Nunca Existiram. O pessoal começou a dizer que estes concertos de que tanto falávamos não iam existir, e o nome surgiu daí", recorda.
De Vigo chega AKAZIE, DJ e artista multimédia que expôs recentemente a sua música urbana na Feira de Arte Contemporânea de Madrid. Do Porto, O Bom, o Mau e o Azevedo levam o imaginário Tarantino/Western às margens do Douro, um pouco mais acima da sua cidade natal; e Sereias, “projeto de jazz-punk-pós-aquático” também do Porto, fará da Quinta da Senhora da Guia o seu campo de experimentação com recurso a fitas VHS, ruído analógico, vídeo-feedback, e a poesia subversiva de António Pedro Ribeiro.
Ao Gerador, Luís Sobreiro diz que este final de um ciclo é, na verdade, metafórico: "é um repensar do formato e o começar de um novo ciclo". "Estes quatro anos conseguimos cada vez mais apoios e chegámos ao fim destes quatro anos com o sentimento de querer expandir e fomentar a itinerância que estava na ideia inicial. Não estamos apenas na Eira, fazemos sempre uma imersão na Ilha [dos Amores], fazemos caminhadas, e este ano esse formato vai continuar a ser alargado". A despedida não se faz do festival propriamente dito, mas do festival como o têm vindo a conhecer.
Ao longo dos quase quatro anos, são muitas as histórias que marcam a vida dos Concertos Que Nunca Existiram. Luís recorda o primeiro concerto de todos, de um artista local, "que estava programado para as três da tarde e ele apareceu às quatro e meia, esqueceu-se dos cabos das guitarras" e achavam que não iam começar a festa. No segundo ano, "choveu imenso e foi uma luta para os CQNE aconteceram". Mas a memória que se repete, ano após ano, e que é a que gosta sempre de destacar é a relação com o público. "Nós ficamos bastante contentes quando as pessoas do Marco volta à terra e quando as pessoas de fora vêm, gostam muito disto, e voltam ano após ano. É o que representa melhor o evento e o conceito, este ambiente familiar". É um dia passado no campo, com concertos intimistas, o que torna "bastante especial a experiência".
Os bilhetes, que têm um custo 25€, podem ser adquiridos através do endereço de e-mail cqne2021@gmail.com . As primeiras pessoas a adquirir terão acesso a um passeio exclusivo até à Ilha dos Amores, uma experiência imersiva com uma atuação que só será revelada no momento, pensada pela dupla Wind Hunde. Ao longo de todo o evento não faltarão as já habituais Pataniscas de Bacalhau — que serviram de mote ao livro “Um bom dia é um dia de Pataniscas”, publicação desenhada por José Guilherme Marques e Lourenço Providência que conta a história e memória familiar de Carlos Monteiro, patriarca da família da Senhora da Guia. Nos espaços entre concertos, a Adega da Quinta pode ser um local de paragem, já que por lá se encontrará o trabalho de João Brojo e Feliciana Teixeira, que expõem juntos com curadoria da Galeria Ocupa. A criar uma ligação entre o território e a experimentação dos CQNE, A Menina do Chapéu (Mc Sissi) apresenta momentos de performance em que se apresenta como "alquimista auto-didata", partindo de Carmen Miranda como referência visual.
O rasto que se espera destas quatro edições é que se prolongue no tempo "o sentimento de partilha". "Gostava que as pessoas de Várzea do Douro, e do Marco de Canaveses, cada vez mais se envolvessem connosco e acreditassem no projeto. Temos de lutar contra a resiliência que existe aqui da não preocupação cultural, e perceber o quão importante é a cultura para este território cultural e para o mundo. Este território, estando muito sedento e sem grande oferta, gostávamos que ficasse claro que fazemos acontecer pela fantástica sinergia que existe com estas pessoas do Rústico. Ninguém ganha 1 cêntimo com isto, trabalhamos meses a fio com isto", reflete. E mesmo que os Concertos Que Nunca Existiram não voltem como se conhecem até então, irão certamente deixar uma marca no panorama cultural local.
Podes saber mais sobre os Concertos Que Nunca Existiram, aqui.