fbpx
Apoia o Gerador na construção de uma sociedade mais criativa, crítica e participativa. Descobre aqui como.

A fantasia do mérito

A ideia de mérito está presente nas nossas vidas desde muito cedo. A angústia da…

Opinião de Tiago Sigorelho

©David Cachopo

Apoia o Gerador na construção de uma sociedade mais criativa, crítica e participativa. Descobre aqui como.

A ideia de mérito está presente nas nossas vidas desde muito cedo. A angústia da resposta à velha questão “Já sabes o que vais ser quando fores grande?” vem, essencialmente, do início da nossa consciencialização sobre o que representa o mérito.

Por um lado, para conseguirmos ter solução para essa pergunta, recorre-se a essa abstração que é a vocação “vê-se que tem muito jeito para isto, desde pequeno que se nota que nasceu para aquilo”. Por outro, acode-se a essa lógica que é a habilidade “tem boas notas a isto, é melhor que os outros naquilo”.

O mérito parece vir desta mescla entre talento e competência. A partir daqui o destino anuncia-se como traçado: se fores mau nestas duas variáveis, preocupa-te seriamente, se fores bom em pelo menos uma delas, talvez te safes, se fores um exemplo nas duas, o sucesso está ao virar da esquina.

E assim, em cima destas leis não escritas, estruturamos a nossa sociedade. Assumimos que todos partimos, no início, da mesma base, todos temos iguais condições, todos dependemos, apenas, de demonstrar se temos um talento nato e se nos esforçamos para sermos competentes.

Na escola, enquanto estudantes, temos a inocente e doce ilusão na qual dispomos das mesmas ferramentas para poder desenvolver as nossas capacidades. Nas universidades, aos poucos que as alcançam, contam-nos a história que basta chegar ao fim para iniciarmos a nossa vida independente. No trabalho, dizem-nos que há semelhantes oportunidades para toda a gente, que depende apenas da nossa aptidão para acedermos à desejada promoção.

Só que os conceitos de talento e competência são subjetivos e fantasiosos. Eles só funcionariam se tivéssemos a capacidade de nos compararmos literalmente entre todos, o que é impossível. Mesmo se tal comparação fosse concretizável, teríamos de alargar a avaliação a outros fatores que tendemos a pôr de parte. Fundamentalmente um, o contexto.

Nesta viagem que determina as nossas possibilidades de futuro esquecemo-nos, sempre, de dar valor ao contexto. Qual é a importância do local onde nascemos e somos criados? Qual a relevância da história educacional dos nossos familiares? Como é a nossa rede de amigos e contactos?

A desigualdade é o grande factor, praticamente o único, tal a sua magnitude, que verdadeiramente sentencia o nosso fado. Se eu nascer numa zona pobre e rural tenho menos probabilidade de sucesso do que quem nasça numa zona urbana e rica. Se a minha família só tiver o ensino básico, provavelmente não terei tanta sorte como quem tenha familiares com um histórico de ensino superior. Se a minha rede de contactos não ocupar lugares de decisão, então dificilmente terei acesso a um bom emprego.

O mérito não depende da vocação e habilidade. Depende, sobretudo, do acesso a dinheiro e poder.

Quer isto dizer que o percurso das nossas vidas está decretado no momento em que nascemos? Não, claro. É possível partir de um lugar sem privilégio e chegar ao topo, mas é extraordinariamente improvável. Essa lucidez da dificuldade devia mandatar-nos para mudarmos as regras. Prestar maior atenção ao contexto e desvalorizar a benevolência do mérito.

*Texto escrito ao abrigo do antigo Acordo Ortográfico

-Sobre Tiago Sigorelho-

Tiago Sigorelho é um inventor de ideias. Formado em comunicação empresarial, esteve muito ligado à gestão de marcas, tanto na Vodafone, onde começou a trabalhar aos 22 anos, como na PT, onde chegou a Diretor de Estratégia de Marca, com responsabilidades nas marcas nacionais e internacionais e nos estudos de mercado do grupo. Despediu-se em 2013 para criar o Gerador.
É fundador do Gerador e presidente da direção desde a sua criação. Nos últimos anos tem dedicado uma parte importante do seu tempo ao estreitamento das ligações entre cultura e educação, bem como ao desenvolvimento de sistemas de recolha de informação sistemática sobre cultura que permitam apoiar os artistas, agentes culturais e decisores políticos e empresariais.

Fotografia de David Cachopo
A opinião expressa pelos cronistas é apenas da sua própria responsabilidade.

Publicidade

Se este artigo te interessou vale a pena espreitares estes também

25 Abril 2024

Disco riscado: Todos procuramos um lugar a que possamos chamar casa

25 Abril 2024

Liberdade, com L maduro!

23 Abril 2024

O triângulo da pobreza informativa na União Europeia. Como derrubar este muro que nos separa?

23 Abril 2024

Levamos a vida demasiado a sério

18 Abril 2024

Bitaites da Resistência: A Palestina vai libertar-nos a nós

16 Abril 2024

Gira o disco e toca o mesmo?

16 Abril 2024

A comunidade contra o totalitarismo

11 Abril 2024

Objeção de Consciência

9 Abril 2024

Estado da (des)União

9 Abril 2024

Alucinações sobre flores meio ano depois

Academia: cursos originais com especialistas de referência

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Iniciação à Língua Gestual Portuguesa [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Jornalismo e Crítica Musical [online ou presencial]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Soluções Criativas para Gestão de Organizações e Projetos [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Viver, trabalhar e investir no interior [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Planeamento na Comunicação Digital: da estratégia à execução [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Introdução à Produção Musical para Audiovisuais [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Narrativas animadas – iniciação à animação de personagens [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Fundos Europeus para as Artes e Cultura I – da Ideia ao Projeto

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Iniciação ao vídeo – filma, corta e edita [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Comunicação Cultural [online e presencial]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Pensamento Crítico [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Planeamento na Produção de Eventos Culturais [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Práticas de Escrita [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

O Parlamento Europeu: funções, composição e desafios [online]

Duração: 15h

Formato: Online

Investigações: conhece as nossas principais reportagens, feitas de jornalismo lento

22 ABRIL 2024

A Madrinha: a correspondente que “marchou” na retaguarda da guerra

Ao longo de 15 anos, a troca de cartas integrava uma estratégia muito clara: legitimar a guerra. Mais conhecidas por madrinhas, alimentaram um programa oficioso, que partiu de um conceito apropriado pelo Estado Novo: mulheres a integrar o esforço nacional ao se corresponderem com militares na frente de combate.

1 ABRIL 2024

Abuso de poder no ensino superior em Portugal

As práticas de assédio moral e sexual são uma realidade conhecida dos estudantes, investigadores, docentes e quadros técnicos do ensino superior. Nos próximos meses lançamos a investigação Abuso de Poder no Ensino Superior, um trabalho jornalístico onde procuramos compreender as múltiplas dimensões de um problema estrutural.

A tua lista de compras0
O teu carrinho está vazio.
0