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A importância de pensar como um todo

Foram várias as críticas que se espalharam pela internet sobre declarações proferidas pelo Sr. Arquiteto…

Opinião de Ana Catarina Correia

Fotografia da cortesia de Ana Catarina Correia

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Foram várias as críticas que se espalharam pela internet sobre declarações proferidas pelo Sr. Arquiteto Souto Moura no passado dia 11 de outubro na RTP. Eis as suas declarações: “Uma coisa que é fundamental é mudar a legislação sobre a habitação. A legislação portuguesa é um luxo! É impossível fazer casas! Casas económicas. Tudo tem de ter 1,5m para os deficientes darem as voltas em cadeira de rodas. Mas quer dizer, nem todo o habitante português tá numa cadeira de rodas. Se ele partir as pernas, ou não sei quê, muda para o terceiro esquerdo ou para o segundo direito, por aí fora. Portanto, toda essa legislação, as áreas e tudo, devem ser as melhores casas que há.”

Mais do que criticar tais palavras e sem contestar a sua gravidade e profundo desrespeito para com os direitos humanos das pessoas com deficiência, pretendo refletir sobre uma boa parte daquilo que elas espelham. Na verdade, são o reflexo da forma como grande parte da sociedade portuguesa nos lê e da nossa consequente invisibilidade.

Reparem: no imaginário comum e alheio à nossa existência, é suposto as pessoas com deficiência continuarem “à margem” e não fazerem parte (e, por consequência, não serem também parte) de todas as esferas da vida coletiva e individual. Pensemos em alguns exemplos concretos.

Qualquer cidadão/ã sem deficiência significativa pode recorrer aos transportes públicos disponíveis na zona onde vive. A pessoa com deficiência terá de recorrer a “transportes próprios e especiais” para se deslocar (quando existem).

Qualquer pessoa poderá dirigir-se a Serviços de Notariado para reconhecer uma assinatura ou a uma entidade bancária para abrir uma conta. Se esta pessoa for cega ou tiver dificuldade em fazer-se compreender e não conseguir assinar de uma forma “normal” (ver e escrever pelas próprias mãos todas as letras), a sua assinatura não é reconhecida, os profissionais que as atendem alegam que têm que provar que conseguem compreender a informação em causa. Nunca, em momento algum, se questionam que a informação deveria estar acessível a todos/as (em formato braille e digital, por exemplo). Nunca, em momento algum, pensaram que assinar um documento pode não ser, obrigatoriamente, escrever as “letrinhas com a mão”. E que “não conseguir assinar as letrinhas com a mão” não significa que a pessoa “não sabe assinar”, como querem impor em tantas e tantas situações.

Sim, isto acontece com muita frequência. Porque se considera que devemos estar à parte, protegidos/as, acompanhados por pessoas que falem por nós e que tratem dos nossos assuntos pessoais. Eternas pessoas vulneráveis e que precisam de apoio e serviços especializados. Talvez por isso sejamos apenas “deficientes” que são poucos e não muito relevantes.

E é aqui que defendo a importância de pensar como um todo. Não ignoro nem subestimo o facto de que precisamos de algumas respostas que vão de encontro às nossas especificidades. No entanto, é bem mais urgente que pensemos que está na hora de considerar que as pessoas com deficiência devem poder ser e estar dentro de todas as esferas mainstream que já existem. Pensadas como sendo parte de toda a vida em sociedade: na educação, no espaço público, na política, na saúde, no trabalho, no desporto, no lazer e na cultura...

Acredito que só conseguiremos adotar esta perspetiva no dia em que a deficiência e os direitos humanos passarem a ser tema obrigatório e estrutural. Em formações de arquitetura, de medicina e saúde, de juristas, de professores, de jornalistas, de decisores políticos, de artistas, de banqueiros, de profissionais do desporto, de técnicos de atendimento ao público, empresários e dirigentes associativos... No fundo, todas as pessoas do tecido social com diversos papéis a quem consigamos chegar.

Mas atenção: não uma formação que se centre e se esgote em descrever diagnósticos e patologias e enumerar respostas sociais e apoios. Não. É algo bem diferente: uma formação que se centre em princípios de cidadania, de direitos. Uma formação rica e abrangente o suficiente que nos faça compreender que as pessoas com deficiência devem ver garantidos e protegidos os seus direitos; que devem ter a oportunidade de se autorrepresentar; que devem ver disseminada uma perspetiva positiva das suas identidades e existência.

No fundo, o que precisamos é de uma mudança estrutural na sociedade que seja ousada, corajosa o suficiente para incutir a simples ideia de que somos, de facto, parte do todo.

-Sobre a Ana Catarina Correia-

Licenciada e mestre em Sociologia pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto com interesse particular na problemática da deficiência. Foi doutoranda na mesma escola e área disciplinar, num projeto de investigação que versa sobre as políticas para a deficiência em Portugal e na Europa e que dá enfoque à filosofia da Vida Independente e que ainda não foi finalizado.
Atualmente, é técnica no Centro de Apoio à Vida Independente Norte da Associação Centro de Vida Independente. Na mesma organização é dirigente e coordena a delegação do Porto. Colabora, ainda, com outras organizações representativas de pessoas com deficiência. É ainda atleta federada de Boccia pelo Sporting Clube de Espinho e membro da seleção nacional da modalidade desde 2016.
Grande motivação na vida: a crença de que a construção de sociedades justas e inclusivas depende de cada um de nós e que esse será um dos grandes sinais de desenvolvimento humano. E qual é uma das grandes bases para este desenvolvimento? A educação e uma consciência global de Direitos Humanos.

Texto de Ana Catarina Correia
Fotografia da cortesia de Ana Catarina Correia
A opinião expressa pelos cronistas é apenas da sua própria responsabilidade.

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