Quando estamos a entrar na segunda vaga da pandemia que nos alterou por completo a noção que temos da própria vida, há cada vez mais pessoas a apontar o óbvio: urge mudar como temos pensado e vivido essa vida.
Não se trata apenas de alterar hábitos alimentares, como também sociais, políticos, económicos e, fundamentalmente, porque é o que podemos fazer hoje, pensar em alternativas eficazes para combater um isolamento que está já a mostrar os seus múltiplos e nocivos tentáculos no que respeita à nossa sanidade mental.
Em vésperas de uma quarta edição do Festival Mental, a produção ainda tem de adaptar todos os dias mais qualquer regra, pormenor, pormaior. Com a serenidade que decidimos adoptar este ano como regra crucial.
Vive-se numa angústia total porque sabemos que um sentimento de insegurança alicerçado em impotência é compartilhado por milhares de pessoas que trabalharam para um objectivo que pode não ser concretizado. E isto abala até o mais tenaz, o mais forte ou o mais optimista.
O regresso à escola é, talvez, o maior dos problemas actuais. O medo que o contágio impõe, não apenas aos estudantes, professores e restantes ofícios que fazem a escola funcionar, mas o receio que esse contágio chegue a casa, à família e, naturalmente, aos quase principais educadores que são, afinal, os avós.
O não regressar à escola é impensável por inúmeras razões. Mas será que a escola que conhecemos, que não muda desde os nossos pais, principal e obrigatoriamente presencial, cujos resultados têm sido idênticos décadas após décadas, com um cada vez mais frequente facilitismo para que tudo vá em frente mesmo se não merecido, será que é a esta escola que os nossos alunos têm de voltar?
A pandemia veio trazer à tona os gravíssimos problemas da escola. Mas outros ainda, como a verdadeira diferença social entre alunos, dividindo-os por classes sociais e posses que permitam ter um computador, um acesso à Internet, ambos imprescindíveis para o ensino à distância.
As escolas que foram abertas numa altura em que já muitas outras fecharam devido ao problema que todos enfrentamos, não é, de forma alguma, pacificadora. Há pais com medo, há alunos com medo, há professores com medo, há assistentes com medo.
E as cantinas? E a refeição que, infelizmente para muitos, é a única do dia? Mas esse não é o papel da escola, um local que deveria ser apelativo para todos os sentidos e que convidasse os alunos a lhe entrarem sorridentes com vontade de estar lá porque, simplesmente, sim.
Foram seis meses gastos em nada. Apenas em mudar o número de cadeiras e a comprar utensílios para desinfectar os espaços. Nada foi sequer apresentado para ser discutido socialmente.
É esta escola falida que queremos manter? É esta educação “the Wall” que desejamos que volte ao normal?
Temos medo de mudar o que é difícil ou mudar de medo apontando dificuldades antes mesmo de conhecê-las? Existem outros métodos, alguns com grande sucesso, porque são mais cúmplices, mais abertos ao que realmente interessa saber, ao futuro, com espaços diferentes de salas de aula tradicionais que parecem saídas de uma prisão, com todos a olhar para a frente onde está um professor, agora sem palanque, como se esse fosse o real drama de uma sociedade que se pensa moderna.
No meio de uma pandemia, nesta mais que avisada segunda vaga, as pessoas não querem ser novamente “confinadas”, numa existência solitária que faz “mal à cabeça”, num completo abandono do que sempre vivemos, o grupo social, as amizades e, acima de tudo, a família.
São os nossos velhos que morrem. Ou seja, seremos nós os velhos daqui a uns anos. E os nossos mais novos, a cada dia que passa, ficam menos jovens. O futuro de todos é igual porque todos seremos velhos se lá chegarmos.
Então, a mudança da escola passa também pela urgência em reensinar os mais novos a ter respeito pelos velhos, pelo seu ímpar conhecimento, tradição e experiência. Se a vida actual nos quase empurra a deixá-los morrer sozinhos, confinados em lares que são prisões, pode ser que a pandemia nos ensine que não podemos ter medo de envelhecer. Porque estamos a viver essa experiência, em ficar sozinhos e confinados, presos dentro de um lar que, vá lá, ainda é o nosso.
Pode ser que esta pandemia nos obrigue a repensar tudo, desde a escola que tem mesmo de ser mudada, até à forma como queremos ser tratados quando chegarmos ao final de uma viagem que todos desejamos que contenha boas histórias e gargalhadas para repassar numa mesa de aniversário junto de quem amamos e que, afinal, são a vida.
Mudemos e deixemos de ter medo de uma vez por todas.
*Texto escrito ao abrigo do antigo Acordo Ortográfico
-Sobre Ana Pinto Coelho-
É a directora e curadora do Festival Mental – Cinema, Artes e Informação, também conselheira e terapeuta em dependências químicas e comportamentais com diploma da Universidade de Oxford nessa área. Anteriormente, a sua vida foi dedicada à comunicação, assessoria de imprensa, e criação de vários projectos na área cultural e empresarial. Começou a trabalhar muito cedo enquanto estudava ao mesmo tempo, licenciou-se em Marketing e Publicidade no IADE após deixar o curso de Direito que frequentou durante dois anos. Foi autora e coordenadora de uma série infanto-juvenil para televisão. É editora de livros e pesquisadora. Aposta em ajudar os seus pacientes e famílias num consultório em Lisboa, local a que chama Safe Place.