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A parentalidade em tempos de redes sociais

Nas Gargantas Soltas de hoje, Catarina Maia fala-nos sobre a utilização mercadológica da imagem infantil e a responsabilidade dos pais.

Opinião de Catarina Maia

Fotografia de Pedro Lopes

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Há uns tempos revirava fotografias antigas e encontrei algumas de bebés. Tratavam-se de familiares meus, deitados em alcofas mais ou menos arrojadas, e o verso da fotografia tinha escrito à mão, o nome do bebé e a data de nascimento. Às vezes, o escrito vinha acompanhado de mais uma frase: “Já nasceu X!”, ou “Y completou três anos no passado dia tal”. Eram fotografias de primos e primas mais velhos do que eu, filhos de familiares diversos que continuaram no Brasil depois de o meu pai decidir vir viver para Portugal nos anos 70. A vida por lá continuou e, naturalmente, a família continuou a crescer. Na altura não existia internet. Os telefonemas eram escassos, caros e pouco acessíveis. Aqueles pais e mães não tinham outra forma de dar a conhecer os seus rebentos a quem estivesse longe.

Corta para o século XXI, em que as redes sociais vieram estreitar estas partilhas. Hoje, já mesmo antes de uma pessoa nascer, a sua chegada é anunciada através das redes sociais. E aí, antes mesmo de essa pessoa ter noção de si ou do mundo, e antes sequer de ser capaz de consentir, começa a sua pegada digital que, com o passar dos anos, vai crescendo. Coloca-se, então, a questão: até que ponto é que é benigna a utilização desenfreada das imagens de bebés e crianças nas redes sociais?

Ok, eu percebo. Ter bebés representa uma mudança significativa na nossa vida e não há ninguém mais babado do que os pais. E, convenhamos, bebés são adoráveis. São-no sempre: no banho, no parque, a rir ou a fazer birras. Cabe aos pais a decisão sobre se expõem ou não a imagem dos filhos online. Cabe também aos pais decidir os limites desta exposição. Mas acho que existe um problema mais preocupante e menos cinzento que urge abordar agora.

Há cada vez mais pessoas que utilizam a imagem dos filhos para promoverem produtos e negócios próprios. Preparam um guião que a criança deve seguir, seja para vídeo ou fotografia, e a sua imagem é capitalizada em prol do desejo dos pais. A criança torna-se uma performer, um instrumento para entreter as massas. É certo que o trabalho infantil legal, em determinados contextos, existe. Vejamos, por exemplo, o caso de actores e actrizes infantis, modelos de marcas de roupa ou de anúncios de fraldas; mas nestes casos esse trabalho é legislado. Já no caso das publicações de redes sociais, a criança que surge associada a um determinado produto tem muitas vezes, além da sua imagem, a sua história explorada: os seus medos, as suas conquistas, e por vezes até as suas doenças e fragilidades. Uma espécie de reality show não consentido. Quem se beneficia desta exposição não é a criança. São os pais. Torna-se necessária uma legislação que proteja os direitos destas crianças.

Além deste exemplo concreto que é a publicitação de produtos, as imagens das crianças são muitas vezes usadas ao desbarato para se alcançar mais público, mais empatia e mais likes, numa clara auto-promoção de quem as partilha. Usa-se a imagem das crianças até para se disseminarem determinadas mensagens sobre aquilo em que se acredita, sejam temas políticos ou, ironicamente, recomendações sobre modelos ideais de parentalidade. Usar uma criança como ferramenta para promover uma mensagem que defendemos, por muito válida que consideremos essa mensagem, significa não só colocar a criança ao serviço dos nossos ideais, mas também olhar para lá do que poderão vir a ser os ideais dessa criança.

Abundam mensagens sobre uma educação respeitadora, de uma parentalidade positiva, de uma mudança de paradigma na forma como nos relacionamos com as crianças. Mas para disseminar essa mensagem, será mesmo necessário recorrer à exploração da imagem de uma criança? De que nos serve lutar por um mundo mais inclusivo e mais consciente das dificuldades que enfrentam as crianças com determinadas doenças se, em vez de as protegermos, as expomos, às vezes em momentos de extrema vulnerabilidade, gravando vídeos, tirando fotografias e partilhando com o mundo?

Num tempo em que se fala tanto de formas respeitadoras de lidar com os filhos, a maioria das pessoas que o advogam esquece-se de que o respeito pelos filhos se estende até onde, como e a quem os expomos. Respeitar um filho é protegê-lo, colocá-lo acima da validação social ou da monetização através das redes sociais. Não acho que os pais que o fazem não pensem que colocam os interesses dos filhos acima de tudo, que não os amem, que não façam tudo por eles; acho que a forma como nos relacionamos através das redes e, sobretudo, consumimos e produzimos conteúdo, mudou drasticamente nos últimos dois ou três anos. E esta mudança foi tão rápida, que talvez não tenha havido ainda tempo para colocarmos a mão na consciência e reflectirmos sobre o que estamos a fazer aos nossos filhos e sobre as suas consequências.

-Sobre Catarina Maia-

Catarina Maia estudou Comunicação. Em 2017, descobriu que as dores menstruais que sempre tinha sentido se deviam a uma doença crónica chamada endometriose, que afecta 1 em cada 10 pessoas que nascem com vulva. Criou O Meu Útero e desenvolve desde então um trabalho de activismo e feminismo nas redes sociais para prestar apoio a quem, como ela, sofre de sintomas da doença. “Dores menstruais não são normais” é o seu mote e continua a consciencializar a população portuguesa para este problema de saúde pública.

Texto de Catarina Maia
A opinião expressa pelos cronistas é apenas da sua própria responsabilidade.

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