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Opinião de Mafalda Fernandes

A profundidade das relações inter-raciais

Nas Gargantas Soltas de hoje, Mafalda Fernandes, nos fala como uma relação inter-racial não é uma prisão, mas é a consciência de que as prisões existem.

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Amar uma pessoa negra é um ato revolucionário. São poucos os que o conseguem fazer, e são poucos os que compreendem a complexidade das relações inter-raciais. 

A dimensão racial está sempre presente para a pessoa racializada, de uma forma natural, é esse o contexto que a pessoa conhece. Pois nunca podemos ser apenas pessoas, somos pessoas negras. Já para a pessoa branca a dimensão racial tem de lhe ser incutida, explicada e dissecada. A branquitude não se reconhece como tal, apenas se vê como sendo a norma. 

É na relação inter-racial que estas duas realidades se encontram e se espelham levantando numerosas questões que nem sempre têm resposta. E é na ausência de respostas que o casal inter-racial se encontra. 

Devido à complexidade deste tipo de relações, discute-se muito as consequências negativas que podem surgir no seio destas vivências, mas eu gostaria de discutir as consequências positivas. 

O entendimento da pessoa branca do mundo racial, pode exponenciar o sentimento de amor presente na relação. A pessoa branca nem sempre se vai comportar como o "salvador branco". Por vezes, a pessoa branca, através de um autoconhecimento profundo e reflexão crítica sobre a sociedade, vai olhar a pessoa racializada de um ponto de vista poético-romântico, desconhecido até então. 

É que esta observação atenta do impacto do racismo na pessoa racializada, suscita pensamentos e por vezes até sentimentos pouco explorados. A opressão traz a tragédia, mas também traz o desconhecido. E para aqueles que não têm medo do desconhecido, talvez possam ter a oportunidade de conhecer algo de bonito, verdadeiro e autêntico. 

As profundezas da dor podem nos ensinar a guiarmo-nos para a luz e a pessoa branca pode aprender a caminhar no labirinto da opressão racial e encontrar uma saída. Não para ela, mas sim para a pessoa que ama. A pessoa branca pode ser aquilo que nunca sonhou, pensou ou idealizou ser. E existe um certo poder nesse entendimento. 

A pessoa negra pode ter aquilo que nunca sonhou, pensou ou idealizou ter. Pois o ódio à negritude ensinou-nos, inconscientemente que, não merecemos ser amados. Mas é também esse ódio que pode revelar à pessoa branca, o que de extraordinário existe em amar uma pessoa negra. E assim na contradição, encontram-se os semelhantes. Pois é de natureza intrínseca ao ser humano querer amar e ser amado. 

Não pressuponho que esta construção de pensamento é inerente a todas às pessoas brancas que se encontram numa relação inter-racial, assim como não o faço perante a retórica de que o branco se irá inscrever numa narrativa de salvação. Pressuponho apenas que as relações inter-raciais devem ser observadas através de uma lente sistémica com ênfase na relação interpessoal. Pois é a intencionalidade que determina a existência destas relações. E é a leitura autocrítica que determina o desenvolvimento da relação. 

As relações inter-raciais precisam de muito espaço para se desenvolverem de forma saudável. A sociedade tende a encurralar este tipo de relações numa sala minúscula, escura e de difícil acesso. Mas a premissa base para uma construção sólida destas relações é o que permite entrar e sair desta sala sem grandes dificuldades. É o que permite pintar nas paredes a paisagem que ambas as pessoas gostariam de ter. É o que permite abrir o nosso coração para o outro iluminando a nossa e a sua vida.  

Uma relação inter-racial não é uma prisão, mas é a consciência de que as prisões existem. A beleza do amor entre estas pessoas surge na aceitação da existência destas prisões. Surge na aceitação de liberdades condicionais e na coragem de seguir de mãos dadas num mundo aterrador. São poucos os casais monogâmicos que encontram isto. E deveriam ser mais os casais inter-raciais que apreciam isto. 

O problema das relações inter-raciais é que elas só sobrevivem através de um grande amor.  E nós vivemos numa sociedade capitalista que nos disse que o amor nem sempre é suficiente, e então passamos a amar aos bocadinhos em vez de amar por um todo. A relação inter-racial não pode ser alimentada através de migalhas, é necessário todo um Menu de Degustação. Não é para todos. É revolucionário.

-Sobre Mafalda Fernandes-

Nascida e criada no Porto, filha de pais brancos e irmã de mulheres negras. Formada em Psicologia Social, o estudo e pensamento sobre problemas sociais relacionados ao racismo, são a sua maior paixão. Criou o @quotidianodeumanegra, página de Instagram onde expressa as suas inquietudes. Usa o ecoturismo como forma de criar consciência anti-racista na sociedade. Fã de Legos, livros e amizades, vive pela honestidade e pelo conhecimento. 

Texto de Mafalda Fernandes
As posições expressas pelas pessoas que escrevem as colunas de opinião são apenas da sua própria responsabilidade.

As posições expressas pelas pessoas que escrevem as colunas de opinião são apenas da sua própria responsabilidade.

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