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Adições, Covid-19: isolamento e mecanismos de defesa activos

Em circunstâncias “habituais”, os adictos podem pedir ajuda e receber tratamento com internamento em centros,…

Opinião de Ana Pinto Coelho

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Em circunstâncias “habituais”, os adictos podem pedir ajuda e receber tratamento com internamento em centros, em terapia com Conselheiros especializados em dependências e/ou nas salas dos diversos anónimos (alcoólicos, narcóticos, jogadores, adictos ao sexo, à Internet, à comida, etc).

Os adictos têm várias características, como por exemplo, a tendência que a doença obriga para a compulsão por um lado, por outro a negação (não sou adicto, não tenho problema nenhum), a justificação (hoje usei mais/exagerei no comportamento, porque aconteceu isto... ou não aconteceu aquilo) a comparação (outra pessoa usa ou faz muito pior do que eu: consome mais, está mais horas no computador, conforme a adicção que tem) e a minimização (até posso ter algum problema mas não é nada de importante portanto não preciso de ajuda, estão todos a exagerar).

Chamam-se mecanismos de defesa e são activados por esta doença de uma forma muito violenta (há outros, mas estes são os básicos).

Sendo já assim uma doença muito difícil de tratar – sobretudo no início, porque só mesmo em estados muito graves é que geralmente um adicto pede ou aceita ajuda – vamos transpôr para uma fase como a que temos estado a atravessar. Confinamento, isolamento, distânciamento físico, máscaras (nesta altura não é apenas uma metáfora), etc. Todo um “enviroment” totalmente propício para ajudar o adicto no activo: o esconder, o ter desculpas que agora todos vão entender, um periodo para dar descanso à “canseira” que é a fazer manipulação diária das situações e pessoas para justificar o uso/comportamento.

Focando no que é legal, acessível e por isso mais mais grave -  consumos de  álcool e uso de comprimidos – viver em isolomento ou quarentena vai obviamente potenciar estas adicções, tornando-as mais severas. Afinal, agora há a desculpa, a razão, o motivo, e todos concordam e...minimizam. Perfeito, portanto, para continuar, ou recaír.

Quanto aos adictos que já vivem em recuperação, poderão ter vontades de uso novamente e mais difíceis de controlar. Não têm as salas de auto-ajuda onde recorrer (estão fechadas), e muitos não usam as reuniões on-line que rapidamente os grupos de Narcóticos e Alcoólicos Anónimos (por exemplo) se organizaram para fazer, de forma absolutamente notável, para tentar com que ninguém fique sem ajuda. É bom ver que muitas organizações, como Narcóticos Anónimos (NA), mudaram as reuniões de apoio à recuperação on-line, mas as pessoas que sofrem de adicção geralmente precisam de apoio pessoal e toque humano. Isso significa que algumas pessoas em recuperação precoce - aquelas que estão no estágio inicial de tentar abandonar a adicção activa - se vêem sozinhas, muitas vezes em detrimento da sua saúde.

Estes tempos, para os adictos, são a conjuntura ideal para deixar a sua doença manifestar-se a descoberto, sem que ninguém note ou deite um olhar mais atento e preocupado. A solidão, em particular, tem sido estudada nesta altura e está provado que aumenta consideravelmente o risco de alcoolismo e de recaídas em alcoólicos em recuperação. Se alguém com dependência activa não conseguir os suprimentos “adequados”, pode enfrentar sintomas de abstinência no momento em que não há efectivamente serviços disponíveis para o ajudar e apoiar. Pessoas com dependência de álcool são um grupo muito vulnerável quando se trata de uma potencial infecção por coronavirus devido a outras doenças que podem ser secundárias ao alcoolismo e por ele provocadas.

Ser desmamado de álcool e drogas pode levar semanas ou meses para aqueles com adicção severa - mesmo quando há apoio na comunidade. Os adictos precisam de cuidadosa supervisão de um profissional. Ficar sozinho em casa, ou com familiares ainda mais tolerantes devido à situação em que vivemos, pode ser perigoso.

Vejamos sumariamente o que se passa.

A gravidade dos sintomas de abstinência de álcool pode depender do período de tempo em que a pessoa está a beber e da quantidade de álcool consumida regularmente, e também da existência de episódios de abstinência graves anteriores. Quanto maior o número de cada uma delas, pior será.

A síndrome de abstinência alcoólica geralmente começa entre seis a 24 horas após a sua última bebida. O álcool actua nos receptores das células no corpo principal do sistema nervoso, perturbando o equilíbrio entre os transmissores químicos que enviam mensagens para os nervos. Em termos gerais, aumenta a actividade de um transmissor químico que diminui os impulsos nervosos, produzindo os sintomas típicos de intoxicação - falta de coordenação e sonolência.

Quando o álcool é retirado abruptamente, esse processo pára subitamente: fica-se com níveis mais baixos do transmissor químico "mais lento" e níveis mais altos de receptores para os quais o transmissor "estimulante" se liga. O resultado é um estado "hiper-excitável" que causa os sintomas de abstinência alcoólica.

Esses sintomas incluem ansiedade, dores de cabeça, náusea e pressão alta nos estágios iniciais. Após 12 a 24 horas, podem surgir sintomas mais graves, como agitação e confusão.

Uma das complicações mais graves da abstinência alcoólica é o Delirium Tremens (DTs), que apresenta uma taxa de mortalidade entre 1 e 4%. As DTs geralmente ocorrem no dia dois ou três da abstinência e podem durar até uma semana.

Agora, imaginem transpôr todo este quadro para quem fica isolado em casa, sabendo que, eventualmente, o adicto vai ter que sair a correr para a rua - com ou sem máscara, isso é secundário – “puxado” pela compulsão e pelo sofrimento.

Vou voltar atrás porque esta informação é mesmo importante: muitos grupos de suporte têm fóruns on-line e suporte telefónico para que aos adictos não precisem de se sentir sozinhos.

Organizações como NA ou AA estão disponíveis na maioria dos países do mundo. Procurá-los durante a pandemia pode ajudar a evitar alguns dos efeitos colaterais mais graves da abstinência e evitar recaídas. Os Centros de tratamento estão a fazer triagens obrigatórias, quarentenas, mas estão a abrir.

Sim, as ajudas voltarão devagar.

Em resumo: a pandemia pode ser uma boa hora para reflectir sobre a quantidade de álcool que realmente consome e reduzi-la, mas para alguns, não será a hora certa para pará-la completamente.

O melhor é aderir às reuniões on-line, começar a procurar um conselheiro em dependências para terapias on-line e internamento, se esse for o caso.

Pois que toda esta conjuntura contribuiu certamente para um aumento dos consumos, para uma paragem forçada descontrolada, ou recaídas. Estamos em tempo de procurar entrar em recuperação e há formas de o conseguir. Muito mais fica por dizer, é urgente entender que os adictos são um enorme grupo da população, se somarmos que já aceitaram que o são àqueles que ainda não fizeram. Pedir ajuda é fundamental.

Com ou sem Covid-19.

*Texto escrito ao abrigo do antigo Acordo Ortográfico

-Sobre Ana Pinto Coelho-

É a directora e curadora do Festival Mental – Cinema, Artes e Informação, também conselheira e terapeuta em dependências químicas e comportamentais com diploma da Universidade de Oxford nessa área. Anteriormente, a sua vida foi dedicada à comunicação, assessoria de imprensa, e criação de vários projectos na área cultural e empresarial. Começou a trabalhar muito cedo enquanto estudava ao mesmo tempo, licenciou-se em Marketing e Publicidade no IADE após deixar o curso de Direito que frequentou durante dois anos. Foi autora e coordenadora de uma série infanto-juvenil para televisão. É editora de livros e pesquisadora.  Aposta em ajudar os seus pacientes e famílias num consultório em Lisboa, local a que chama Safe Place.

Texto de Ana Pinto Coelho

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