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Adriana Molder: “É o rotineiro trabalho que faço na solidão do ateliê que me faz vibrar”

Adriana Molder, natural de Lisboa, começou a desenhar desde que se lembra, mas a oportunidade…

Texto de Gabriel Ribeiro

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Adriana Molder, natural de Lisboa, começou a desenhar desde que se lembra, mas a oportunidade de expor só aconteceu em 2002. Estudou, entre outras coisas, cenografia e jazz, mas é a arte plástica que a prende até ao dia de hoje. Tem um fascínio pelos retratos e já criou várias exposições individuais e coletivas, destacando-se a obra A Dama Pé-de-Cabra, em colaboração com Paula Rego, datada de 2012. No ano de 2003, a artista venceu o prémio CELPA/ Vieira da Silva – Artes Plásticas – Revelação e, em 2007, o prémio Herbert Zapp Prémio para jovens artistas.

Andou pelo país com exposições como Copycat, A Madrugada de Wilhelm e Leopoldine, Mad About the Boy, entre outras. Pelo caminho, viveu em Berlim por um período de 12 anos, entre 2006 e 2019. Para o futuro, a artista está a preparar um trabalho de cinco novos desenhos de mulheres para expor numa capela em Elvas.

Gerador (G.) – Antes de mais, quem é a Adriana?

Adriana Molder (A. M.) Há alguns anos, acho que nos anos 90, vi na Gulbenkian um documentário sobre o Richard Serra, que passou antes duma palestra deste extraordinário escultor que tanto admiro. Nesse documentário, Serra conta que, quando era pequeno, perguntou à mãe: “Quem somos?”, “Donde vimos?”, e a estas perguntas que ele fez como puramente existenciais, a mãe respondeu: “Somos judeus e vimos de Espanha”, assim diz a minha memória. Fiquei muito impressionada com esta resposta tão concreta. Gostava de conseguir responder assim a esta pergunta, mas receio muitas vezes não saber bem quem sou. Quem sou eu? Sou desenhadora e pintora. Há mais de vinte anos que vivo fascinada pelo retrato e por uma técnica de desenho toda ela “errada”, a tinta da china e água sobre papel esquisso. Desenho de joelhos no chão, o que já me fez ter uma hérnia com direito a operação. Nasci em Lisboa em novembro de 1975 e desde sempre que desenho, mas foi em 2002 que comecei a expor. Até agora já fiz muitas exposições e criei muitas séries de desenhos e pinturas, em Portugal e no estrangeiro – vivi em Berlim doze anos, entre 2006 e 2019 –, mas tenho sempre a sensação que estou a começar de novo e nunca fiz nada anteriormente. Tenho uma particular alegria por fazer parte da coleção de desenho da Kupferstichkabinett de Berlim. Antes disso, estudei cenografia, jazz (canto), desenho e artes plásticas, se é que se pode estudar isso. Adoro cinema e também literatura, mas nem sempre sou uma leitora assídua. Entre Godard e Truffaut, escolherei sempre Truffaut, sabendo que isso faz de mim uma artista que não pertence ao universo da chamada “arte contemporânea”. Não consigo trabalhar sem música e tenho uma certa obsessão por astrologia. Gosto das montagens das exposições, mas é o rotineiro trabalho que faço na solidão do ateliê que me faz vibrar.

G. – Sobre o seu trabalho, todas as suas telas têm uma história? Como é que chega até elas?

A. M. Chego quase sempre através do cinema e da literatura, mas também histórias que invento a partir de pessoas que existiram ou não, de coisas que vivi, etc. As histórias são importantes, principalmente para mim, não acho obrigatório que o público as conheça, quero que o trabalho tenha força por si só, mas também que se sinta que há algo mais ali.

G. – O trabalho da Adriana é focado essencialmente no retrato. Considera que essa parte do corpo transmite a história que quer passar com maior intensidade?

A. M. Não deve haver nada mais intenso do que o olhar. Uma das primeiras coisas que a criança reconhece é o rosto. Uma pintura ou um desenho consegue captar alguém, o rosto dentro do rosto, como vejo em muitos desenhos meus, e em tantas pinturas e desenhos de artistas que admiro. Embora adore fotografia, o que é apenas uma imagem fotográfica de alguém? É um nada. Eu vejo a nossa riqueza mais bem colhida pela pintura e pelo desenho. E a nossa riqueza está no nosso rosto.

G. – Os seus trabalhos caracterizam-se pelo preto e branco. No entanto, nos últimos tempos, tem usado cores, principalmente o vermelho. Que ideia partiu desta adição?

A. M. Parei de desenhar e comecei a pintar sobre tela durante cinco anos e nessa altura, mesmo um pouco antes, já nos desenhos, o vermelho escarlate fez parte das minhas telas. O vermelho tem quase a mesma qualidade profunda do preto. Quando pinto sobre tela, gosto de usar cores fortes. Ainda não sei muito bem o que são as minhas pinturas. Mas sei que foi muito importante parar de desenhar a tinta-da-china e papel esquisso, porque acho que voltei agora a um desenho mais livre que tinha perdido por estar demasiado envolvida no continuar. É importante pararmos.

G. – Dama-Pé-de-Cabra foi uma exposição em colaboração com Paula Rego. Como foi essa experiência?

A. M. Admiro muito o trabalho da Paula Rego. Quer dizer, a Paula Rego é um dos grandes artistas vivos, um dos últimos mestres. Foi maravilhoso que a Paula tenha aceitado o desafio que lhe lancei de fazermos uma exposição juntas. Talvez por sermos ambas artistas figurativas, mas o nosso trabalho ser tão diferente, fez todo o sentido. A Damas Pé-de-Cabra, duas séries de trabalhos distintas de duas artistas de gerações muito diferentes, baseados no conto “A Dama-pé-de-Cabra”, habitou a grande sala da Casa das Histórias, teve muito público e pouca crítica. E adorei fazer a exposição, mas foi um momento difícil para o país, e o Governo, naquela altura, quis dar cabo da Fundação Paula Rego e transformar a Casa das Histórias num museu camarário sem diretor. A exposição foi apanhada nesses processos. Pessoalmente, acho um milagre que tenha acontecido e que a Helena de Freitas, na altura a diretora da Casa das Histórias e curadora da exposição, tenha conseguido não só fazer a exposição, mas também o catálogo, de que tanto gosto. Agora a grande parte da coleção de pinturas da Paula Rego já voltou para Londres e foi substituída por gravuras, mas por aqui ainda ninguém deu conta. Ou se calhar acham que gravuras e pinturas é tudo a mesma coisa. Às vezes, penso que temos o que merecemos porque somos tão ignorantes e tão indiferentes a tudo.

G. – Já expôs em Portugal, mas também no estrangeiro. Quais as maiores diferenças dos públicos em relação ao consumo de arte?

A. M. Sempre achei o público de Berlim, onde vivi 12 anos, mais constante, mas de momento vejo bastante interesse pelas artes plásticas em Lisboa, embora infelizmente não haja praticamente nenhuma crítica especializada. Posso comparar Lisboa e Berlim assim superficialmente, mas por mais diferenças culturais que existam, a grande diferença é que a Alemanha é um país rico e com uma forte e constante tradição cultural e Portugal um país pobre onde a maioria ainda tem muita dificuldade a aceitar a existência de arte e artistas.

G. – Recebeu o prémio CELPA/ Vieira da Silva – Artes Plásticas – Revelação em 2003 e o Herbert Zapp Prémio para jovens artistas em 2007. Os prémios continuam a ser importantes para os artistas?

A. M. Os prémios são sempre um grande incentivo, e as ajudas monetárias são sempre muito bem- vindas! Os artistas precisam de dinheiro, e a primeira coisa que querem fazer é torrá-lo com a sua arte, não é comprar uma casinha. Foi isso que eu fiz: entre poder alugar um ateliê maior ou, por exemplo, conseguir viajar para ver certas exposições tão importantes ou mais do que todos os estudos que fiz para o desenvolvimento do meu trabalho. Os prémios são um importante reconhecimento pelos pares; o Vieira da Silva foi uma porta de entrada no meio artístico, o Herbert Zapp foi, se calhar, mais importante porque não concorri, apenas fui nomeada sem saber. Foi fantástico ter o Eugen Blume, na altura o diretor do Hamburger Bahnhof, a fazer um discurso sobre o meu trabalho, sendo eu quase recém-chegada a Berlim. Foi um bom momento.

G. – Também estudou Realização Plástica do Espetáculo, na Escola Superior de Teatro e Cinema. Acompanha as outras artes? Sente que também ajudam a inspirar para a sua própria arte?

A. M. O facto de preferir trabalhar em grande escala tem com certeza alguma coisa que ver com ter estudado cenografia e certamente com o meu amor ao cinema. Antes disso a experiência de ter visto muitas peças da Pina Bausch, no saudoso ACARTE, foi tão imensamente importante para eu ter querido lentamente focar-me no rosto, como o meu amor aos grandes planos no cinema. Foi com o livro sobre a dança de Pina Bausch que comecei a desenhar um pouco mais seriamente. Lembro-me da tentativa de conseguir distinguir todos os bailarinos da companhia de Pina Bausch, por exemplo na peça Sagração da Primavera... Ou o rosto de Pina a chorar no Café Müller. Adoro o cinema e é no cinema que encontro a maioria das personagens que desenho. É tão fascinante que uma arte tão incrivelmente completa não exista. O cinema na astrologia é regido por Neptuno, o planeta que rege as drogas, as miragens, os artistas, a inspiração e também as cortinas de fumo, entre outras coisas. “Engana-me que eu gosto”, e é tão maravilhoso sermos bem enganados. Há cinema tão bom em Portugal!

G. – E o que podemos esperar do novo trabalho de desenhos que está a preparar?

A. M. Acabo de fazer fotografar os cinco novos desenhos, tinta-da-china sobre papel esquisso, que vão habitar uma capela num sítio lindo chamado Travassos 11, em Elvas, que foi recuperado pelo meu amigo, e um dos mais antigos colecionadores do meu trabalho, Álvaro Roquette. Ele desafiou-me a mim, que não creio nem tenho fé, a pintar cinco mulheres, talvez santas, para a Capela, incluindo um altar com uma Pietà. Ainda estou a tentar perceber o que fiz e são os desenhos que mo vão dizer.

Entrevista por Gabriel Ribeiro
Fotografia cedida pela artista

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