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Ainda sobre a cultura da casa própria

Quase dois terços dos jovens adultos residem em casa dos pais e cerca de metade…

Opinião de Alda Azevedo

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Quase dois terços dos jovens adultos residem em casa dos pais e cerca de metade dos adultos com 65 e mais anos vive em casas com mais divisões do que necessário.


O cenário repete-se um pouco por todo o país. Adiando a emancipação residencial, os filhos adultos partilham casa com os seus pais. Quase dois terços (64%) dos jovens com idades entre os 18 e os 34 anos reside em casa dos pais, uma proporção bem mais elevada do que a registada na União Europeia (48%), de acordo com os dados do Inquérito às Condições de Vida e Rendimento de 2019.

Ao mesmo tempo, muitos adultos com idade mais avançada residem em casas com um número de quartos superior ao que as diretrizes do Eurostat consideram necessário, tendo em conta a composição do agregado doméstico. Cerca de metade da população residente em Portugal com 65 e mais anos reside em casas sub-ocupadas (53%), o que contrasta com 38% na União Europeia.

Sendo a saída tardia dos jovens da casa dos pais e a sub-ocupação dos alojamentos entre os mais velhos situações tão comuns, estas fazem parte das preocupações e das conversas das famílias. Por um lado, reconhecem-se as dificuldades dos jovens adultos em acederem à habitação, discutindo-se as possibilidades da compra que é condicionada por uma determinada estabilidade laboral e pelo acesso ao crédito. Refere-se o aumento dos preços da habitação e a escassez de habitação a preços acessíveis nas cidades onde estão os empregos. Por outro lado, reconhecem-se as dificuldades dos mais velhos em fazerem face às despesas de uma habitação que é maior do que o necessário e que contribuem para problemas de pobreza energética e saúde.

Nas conversas sobre a habitação, em diversas sub-regiões, a cultura da casa própria parece continuar a dominar as estratégias familiares e os padrões habitacionais da população. Nos últimos anos, uma importância crescente tem sido dada ao funcionamento dos mercados de habitação do ponto de vista da relação entre as dinâmicas populacionais, os stocks e usos da habitação (alojamentos sub-ocupados, sobrelotados, vagos, etc.). Numas sub-regiões, sendo a população bastante envelhecida, mesmo considerando saldos migratórios positivos de pessoas em idade activa, por força da mortalidade, as casas desocupadas chegariam para acomodar os jovens em início de vida adulta. Noutras sub-regiões, particularmente atractivas no mercado da habitação secundária e no imobiliário turístico, não será esse o caso. Porém, numas e noutras, o cenário complexifica-se quando pensamos que à questão demográfica se junta a questão da cultura da casa própria, que tem muitas vezes associada uma reduzida mobilidade residencial.

Hoje, cerca de 75% da população residente em Portugal ocupa o alojamento em regime de propriedade, proporção que não varia muito segundo os grandes grupos etários. Todavia, este padrão é relativamente recente. Até à década de 1970, o arrendamento era a principal via de provisão da habitação, principalmente nos grandes centros urbanos. Um contexto de políticas económicas e de habitação caracterizadas por grandes incentivos à casa própria em Portugal, entre 1976 e 2002, e o estrangulamento do mercado de arrendamento privado com o congelamento das rendas anteriores a 1990, contribuiram para uma elevada ocupação da habitação em propriedade, fortemente apoiada no acesso ao crédito.

Retomando as estatísticas sobre os jovens a residir em casa dos pais e dos mais velhos que residem em casas sub-ocupadas, o legado deste período parece, em certa medida, subsistir. Os jovens com alguns recursos económicos aspiram ter casa própria, ainda que para isso precisem de aceder ao banco da mãe e do pai (como se designa noutros países). Mantêm-se, por norma, em casa dos pais até acumularem os recursos suficientes que lhes permitam essa aquisição. As pessoas com idade mais avançada, na maioria proprietárias de uma casa já livre de compromissos bancários, não encontram incentivos para se mudarem para uma casa com uma área menor. A casa pode ser grande demais, precisar de manutenção ou não ser adequada à perda de mobilidade que está associada ao processo de envelhecimento, mas… É a sua casa, onde os filhos cresceram e a quem a querem deixar.

Esta dependência da casa própria e consequente reduzida mobilidade residencial poderá estar prestes a transformar-se, em virtude dos estilos de vida de um segmento da população jovem, tantas vezes os precursores das mudanças, quando as tendências que introduzem se prolongam suficientemente no tempo para se generalizarem às gerações seguintes. Os fardos da casa própria, nomeadamente o compromisso de longo-prazo, não se coadunam com a liberdade e autonomia que as gerações jovens valorizam cada vez mais. Assim, no futuro próximo esperemos poder assistir a novas transformações na configuração do regime de ocupação da habitação, com uma maior independência da propriedade, uma crescente exigência sobre a quantidade e qualidade da oferta no sector de arrendamento privado e uma maior adequação na ocupação das casas.

-Sobre Alda Azevedo-

Alda Botelho Azevedo, doutorada em Demografia pela Universitat Autònoma de Barcelona (2016), é investigadora auxiliar no Instituto de Ciências Sociais e professora auxiliar convidada no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, ambos da Universidade de Lisboa. As suas publicações e investigação centram-se no estudo da demografia da habitação e do envelhecimento.

Texto de Alda Azevedo
Fotografia de Alexandre Gaspar
A opinião expressa pelos cronistas é apenas da sua própria responsabilidade.

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