Encontrámo-nos às 9h30 de uma segunda-feira com o Teatro Nacional D. Maria II quase em silêncio. A Menor Língua do Mundo, a peça que criaram juntos a partir do festival Materiais Diversos, tinha estreado na quinta-feira anterior, dia 5 de março, com a Sala Estúdio cheia e num diálogo ausente de palavras trocadas entre público e plateia. A plateia estava lá para ouvir, não para conversar.
Alex Cassal e Paula Diogo partilham a língua, o português, e em alguns minutos a conversar com os dois rapidamente percebemos que também partilham muitas ideias. A sintonia entre encenadores passa para o elenco composto por Bibi Dória, Sílvia Filipe, Zia Soares e João Lopes Pereira e contagia quem se deixar contagiar do lado de cá. Com o minderico, o barranquenho e o mirandês como ponto de partida, convidam-nos a entrar numa viagem pós-apocalítica que relembra a importância de saber ouvir.
Alex é natural do Brasil e formado em História pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro e foi, nos anos 80, um dos fundadores do Movimento de Grupos de Teatro de Rua de Porto Alegre. Paula Diogo nasceu em Portugal, estudou na Escola Superior de Teatro e Cinema, frequentou durante um ano o curso de Línguas e Literaturas Modernas na Universidade Católica de Lisboa e foi cofundadora, em 1995, do Teatro Praga. O gosto pela pesquisa e pela leitura mescla-se com a vida de todos os dias tanto de um como do outro. A vontade de correr atrás do que não é normativo também.
Antes do começo de um dia de ensaios, sentámo-nos para conversar sobre o processo de criação da peça, a importância da descentralização do poder e tentámos perceber qual é, afinal, a menor língua do mundo.
Gerador (G.) – O Alex estudou história, e a Paula teve formação em línguas. Tendo em conta o vosso background, que papel é que as línguas minoritárias – não necessariamente as que abordam na peça – ocupavam na vossa vida antes de receberem o convite da Materiais Diversos?
Alex Cassal (A.C.) – Ocorreu-me agora uma memória que acho que nunca pensei sobre ela durante o nosso processo de criação. Eu fiz o curso de História e houve um semestre que eu fiz uma matéria opcional que era Grego Clássico e tinha uma aula por semana. Aquilo era fascinante e inútil ao mesmo tempo. Eu sabia que não me ia tornar historiador de Grécia Antiga, mas pela ligação com o teatro interessou-me fazer quase um trabalho de arqueologia de palavras e sons, de ideias até. E na época fiquei mesmo muito mexido com isso, apesar de agora já não me lembrar de mais nada. Ainda assim é difícil rastrear o que da nossa trajetória vai contribuindo para o que a gente está fazendo em cada processo. Ter feito história me fez fazer um teatro diferente do que eu fazia antes, até porque eu fiz o curso quase aos 30 anos de idade – na altura não tinha curso e pensei: “Tenho de fazer alguma coisa.” Acho que mudou muito a minha maneira de fazer teatro, mas não sei ao certo dizer em que aspetos. Penso que no mínimo me ensinou a fazer pesquisa um pouco mais de profundidade do que antes. Eu sou totalmente caótico na pesquisa, como a Paula bem sabe.
Paula Diogo (P.D.) – O contacto que eu tinha com línguas minoritárias era basicamente nenhum, mesmo com dialetos regionais. Acho que o meu background de literatura aparece neste espetáculo pelo gosto de contar histórias, e algum prazer também com as palavras, com esta coisa da língua e como nos exprimimos. Mas também não pensei nisso quando nós partimos para o trabalho – aliás, pensei que eu chumbei a linguística [risos] e que me ia dar imenso jeito para fazer este trabalho agora.
G. – Há pouco falavam, em off, sobre as salas de Alcanena e do Dona Maria II serem completamente diferentes. De facto, na Sala Estúdio sente-se uma proximidade muito grande entre as atrizes, o músico e o público. Como é que escolheram a equipa com quem queria trabalhar?
P.D. – Nós queríamos que fosse um grupo de mulheres, queríamos que fosse um músico…
A.C. – Uma primeira decisão foi que a gente não faria uma pesquisa baseada na literatura; que a nossa abordagem seria assumidamente artística e que a gente deixaria de entender ou de absorver uma série de questões pertinentes para falar de línguas minoritárias. Quando a gente falou disso, foi pensando numa rede que pegasse coisas que a gente ainda não sabia o que eram. Teve algo de apostar na diversidade. Pensámos num conjunto de atrizes mulheres, mas que fosse cada uma de lugares diferentes dentro do português: a Sílvia é saloia, a Zia é de família angolana e a Bibi é brasileira. Aí veio o João, que é um músico e para falar de língua e de sonoridade, de cultura, a música pode ser muito importante. Depois a Leonor, que fez os registos em Super 8, do mesmo jeito. E foi numa conversa em que a gente estava a falar sobre vídeo e um de nós os dois disse “e se fosse Super 8?”, porque é um formato já anacrónico, minoritário, em extinção, que vem carregado de tempo e de perda. É algo que não serve para este mundo de agora.
P.D. – A escolha do instrumento também passou por falarmos nesta coisa primária que é o tambor, que é um instrumento muito básico e limitado, e que nos levou à bateria.
A.C. – A gente foi chamando essas pessoas, indo para as residências e coletando materiais como entrevistas gravadas, outras que ficaram só na memórias, passeios, e chegámos com muito material. Só na fase final é que a gente começou a pensar em termos de composição, de que tipo de espetáculo ia ser: um espetáculo mais musical, com uma narrativa com três personagens, até chegar nesse que é um espetáculo feito de quadros e um fio de história que às vezes a pessoa pode nem perceber. A gente tem esta história de três viajantes pós-apocalípticas que fazem um espetáculo de variedades com vestígios que elas coletam, mas que para os espectadores nem sempre é evidente.
"A Menor Língua do Mundo" abre a reflexão ao tempo, sem que se sinta presa a ele /
©Filipe Ferreira
G. – E as atrizes e o músico foram convosco em residência artística, ou só se juntaram depois?
A.C. – A gente pensou isso num primeiro momento. Organizando as residências a gente percebeu que era superdifícil ter a equipa toda junta no mesmo período, e aí pensámos que poderiam ir grupos diferentes para cada residência, e aí esse grupo vai lá, tem a tarefa de coletar material e apresentar depois ao próximo grupo. A primeira residência que foi em Barrancos fui eu, a Zia e a Leonor; a segunda, em Miranda do Douro, foi a Paula, o João, a Bibi e a Leonor. A última, em Minde, estava a equipa toda reunida. Acho que a gente assumiu como condição da criação deste espetáculo que iam ficar coisas perdidas se a gente entrasse numa de entender o assunto em termos científicos, ou falar com todo o mundo, ou aprender essas línguas na perfeição.
P.D. – Não conseguíamos registar tudo também. A primeira coisa que fizemos quando chegámos a Miranda foi ficar super entusiasmados porque é um território super-rico, desde as músicas às máscaras, e acho que Miranda foi o sítio onde fizemos mais registos de áudio, vídeo, porque era muita coisa e queríamos trazer tudo, mas sabíamos que não era possível.
G. – Vocês passaram por Barrancos, Miranda do Douro e Minde. Sentiram que o tempo se vive de forma diferente nestes lugares, até em comparação com os sítios de onde vocês vêm?
P.D. – Acho que sim. São sítios que vivem muito isolados, sobretudo Miranda e Barrancos…
A.C. – Barrancos talvez, porque é o menor centro deste a que fomos.
P.D. – Geograficamente é lá num cantinho, quase em Espanha já. E nós demorámos cinco horas para chegar a Miranda, e as estradas já são boas.
A.C. – O que é curioso em relação a centro-periferia, das distâncias, é que eu sou do extremo sul do Brasil e quando era jovem fui algumas vezes para o Rio de Janeiro de autocarro e demorava 24 horas. Se fosse até à Baía seriam aí umas 48 horas, já não sei bem. E depois viajando muito com um espetáculo, tem-se muito essa sensação do centro e do que é alijado do centro, aqueles pequenos lugares que vivem quase que isolados, às vezes numa diferença do modo de viver tanto material ou cultural que é quase entre século XXI e Idade Média. Vamos do Rio de Janeiro ou São Paulo, que são estas capitais cosmopolitas, para Vilarejo, no interior do Nordeste, basicamente as pessoas trabalham no campo, ao fim do dia chegam em casa, jantam e depois pegam na cadeira, põem-na na calçada e vão conversar até à hora de dormir.
E Portugal é um país comparativamente muito menor, e eu sempre tive essa sensação de Portugal como um aglomerado em que tem Lisboa, o Porto, o Algarve, porque ainda não tinha muita experiência do Portugal profundo. E Barrancos deu isso muito forte, de uma viagem muito longa, mas relativamente curta. E a experiência de estar a dias de distância da capital é uma experiência que as pessoas de lá têm: as pessoas dizem “a gente está longe de tudo”.
Zia Soares faz parte da companhia Teatro Griot / ©Filipe Ferreira
G. – O poder centralizado também não ajuda.
P.D. – É um território que tem poucos habitantes e por isso o número de votos que se pode conseguir ali também são muito poucos. Então não há um interesse real porque não significa votos.
A.C. – E o que tem poucos está condenado a ter ainda menos. Ou seja, acelera a perda de habitantes. Ninguém decide ir viver para Barrancos e as pessoas que nascem lá, querem sair de lá. A gente falava muito com as gerações mais antigas e todos estavam dizendo que ninguém queria ficar, que iam para o Porto ou Lisboa. É uma cidade que já não tem liceu, não tem posto de saúde. É engraçado que ninguém nasce mais em Barrancos, tem de ir para outra cidade ou de nascer em casa.
G. – Numa entrevista que deram ao Público a propósito da estreia da peça disseram que sentiam que o mirandês era a língua que se mantinha mais viva, destas três. Acham que isso acontece por haver uma série de elementos culturais que a mantêm assim?
P.D. – Eu acho que também tem a ver com mirandês ser a língua oficial e, a partir do momento que ganhou esse estatuto, surgiu uma necessidade de fazer com que as coisas existam lá – ensino nas escolas, livros… o teu número de falantes será certamente muito superior, ainda. Deixará de ser muito em breve, porque eu acho que eles se queixam principalmente da desertificação. O que dizem é que Lisboa é muito longe, conseguem comunicar muito mais facilmente com Espanha porque estão a duas horas de distância, portanto os jovens vão até ao ciclo e a partir daí vão estudar para fora, e já não voltam para trabalhar em Miranda. E o que acontece é que mesmo que as crianças falem minardes enquanto são pequenas – e continuam a falar muito em casa com os avós -, a partir do momento em que saem, vão deixando de falar a língua, então acaba por não haver renovação dessa língua, não são inventadas novas palavras e vai desaparecendo.
G. – Uma sensação com que se fica depois de ver a vossa peça é que há um certo apelo ao saber ouvir. Não sei se pensaram nisto ao longo da vossa residência por sentirem um gap geracional e haver uma pessoa mais velha que quer contar uma história que ninguém quer ouvir, por muito que ela vá tentando?
P.D. – Isso é engraçado, porque uma coisa que aconteceu quando chegámos a Miranda, numa viagem em que íamos três portugueses e uma brasileira, que era a Bibi, foi ela estar maravilhada com aquele universo e dizer “eu nunca vi isto, mas eu conheço”. E para nós era muito mais familiar porque todos nós tivemos férias com os avós na terra, íamos no Verão de férias para lá, e isso é uma coisa que daqui a uns anos vai deixar de acontecer. Estes avós vão deixar de existir, já não vai haver esta relação com o campo… e agora há pessoas da nossa idade que vão viver para o campo e tentam recuperar essas tradições, essas casas, essas vinhas.
Eu acho que a coisa da escuta, de que falas, foi um bocadinho o processo em que nós nos colocámos quando fomos para esses sítios.
A.C. – Sim, íamos lá para escutar, não para falar.
P.D. – A única coisa que podíamos fazer era chegar e tentar perceber o que é que existe aqui ainda, o que é que continua a existir, o que é que faz com que ainda faça sentido isto existir.
A.C. – Eu acho que é um espetáculo que exige muito da escuta do espectador, consciente ou insconscientemente. É um espetáculo que às vezes fala baixo ou que deixa de falar, como nesses lugares às vezes a gente tem de estar inclinado para perceber sobre o que é que está se falando ali. Parte do trabalho tem que ser feito pelos espectadores, e parte do trabalho tem que ser feita pelos intérpretes nessa remontagem. A gente estreou em Alcanena, a semana seguinte fez no Porto e parou estes cinco meses, que é um grande período depois de ficar naquela maratona de ficar entre ensaios, ensaios e estreia. E na retomada a gente começou a falar muito com o elenco sobre escuta, dizendo “tem que recuperar a escuta entre vocês”. Tem uma sequência em que as atrizes estão a atravessar a sala enquanto o João toca e tem um improviso de pausas e de ritmo, que é alimentado pelo quão alto ou baixo, rápido ou lento ele toca. E principalmente em cenas que tem muita tarefa, é importante eles se escutarem uns aos outros. Então o tema da escuta ia-se repetindo quase que tecnicamente, como “vocês têm que se escutar nesta cena” ou “o espectador tem de ter ali uma escuta para além do que está sendo claramente dito do lado de cá”.
G. – E sente-se essa sintonia do lado do espectador.
P.D. – Eu, ontem, quando vi a peça, fiquei com a sensação de que era uma grande jam session porque aquilo funciona quando se estão a ouvir. Quando um par responde ao outro. É como se começassem a tocar no início e só parassem no fim.
A música de João Lopes Pereira, baterista de jazz, está numa constante sintonia com os diálogos /
©Filipe Ferreira
G. – Há uma coisa curiosa que vocês também já disseram noutra entrevista, que se prende com vocês não quererem que a peça seja um Museu. Querendo A Menor Língua do Mundo tão viva e alimentada por uma reflexão do agora, que tipo de circulação gostavam que a peça tivesse?
P.D. – Nós quando estávamos a fazer a peça falávamos muito de ir mostrar a peça a esses sítios, que era uma coisa que fecharia o ciclo, e ainda se chegou a falar com um circuito de teatros na zona de Miranda, mas acho que isso já não vai acontecer. Seria essa expectativa de levar a peça a esses sítios, porque acho que a relação que as pessoas de lá teriam seria muito diferente da relação que as pessoas de Lisboa, que não têm contacto com estas línguas, têm. Acho que também podia ser interessante, porque difícil, fazer esta peça num contexto internacional, porque é uma peça que levanta imensos problemas de tradução e podia ser fixe pensar como é que isto se fazia para um público que não fala português.
[risos de Paula e de Alex]
A.C. – E mesmo o português não entende tudo do espetáculo. Entende mais uma cena, outra não, só pega o que é português e talvez parte do que é mirandês. Mas se a gente tiver legenda ou tradução, como a gente faz isso? Chama um tradutor-pensador, que vai pensar em formas arcaicas de português, espanhol, catalão e basco? É interessante pensar na tradução de um espetáculo que já é sobre o problema da tradução.
G. – Essa problema de tradução, ao longo da peça, parece reforçar a extensão das línguas e a nossa falta de relação com elas. Ultimamente também se fala muito numa homogeneização da cultura e em como isso nos leva a saber o mesmo, a pensar o mesmo. Acham que de alguma forma também é por causa disso que essas línguas foram caminhando para a sua extinção?
A.C. – Sim e não. Eu acho que elas caminham para a extinção porque a extinção é a regra do que está vivo. A gente nasce e vai desaparecer. Outras línguas já desapareceram. Se a gente pensar na história da América e todas as línguas indígenas, existiam milhões de línguas diferentes de todos os povos que já não existem ou existem, mas foram incorporados por outros povos. Eu acho que talvez a diferença é que agente vive num tempo em que podemos escolher preservar ou exterminar. E a escolha vem sendo do extermínio. As escolhas governamentais, empresariais, de quem tem poder – que não somos nós – são de “isso não é importante porque não vai ser difundido viralmente”. Ao mesmo tempo eu não acho que é esse espetáculo que vai manter essas línguas vivas, mas eu acho que é o tipo de afirmação, de para onde a cultura ou o teatro olha, que é importante. Quais são os nossos assuntos? Estamos olhando para grandes ou pequenas questões? Para nós mesmos ou para fora de nós? Sempre tem algo que se relaciona com o lugar que ocupa o nosso olhar, quando a gente cria um espetáculo. Eu acho ótimo apresentar em Lisboa para pessoas que talvez não conheçam nenhuma dessas línguas e criar um estranhamento e uma curiosidade que era até a minha inicial, quando a Elisabete [Paiva] propôs este projeto. Ontem teve a conversa com o público e uma senhora que apareceu e que era de Minde, e ela disse que reconhecia pessoas de quem falávamos na peça…
P.D. – “A minha avó dizia ambrosear. Senti-me em casa”, dizia ela.
A.C. – Nós estamos a falar de algo pequeno, mas que tem interlocutores. E a passagem de Alcanena, de um grande teatro, para a Sala Estúdio do D. Maria II também foi importante, porque aqui temos 50 espectadores.
Zia, Bibi e Sílvia vão dando enquadramentos de diferentes realidades e linguagens /
©Filipe Ferreira
G. – Mas por muito que os agentes culturais, por muito que não sejam decisores, podem ter na preservação do património?
P.D. – Eu acho que podem e devem ser as pessoas que propõe que se olhe para determinado sítio. Acho que temos esse papel de falar sobre determinadas coisas, então nesse sentido também preservar a memória, não no sentido de criar espaços que sejam como Museus, onde essa memória permaneça estática. Mas pensar o que é que da memória faz com que sejamos o que somos hoje, e o que é que dessa memória é importante para o futuro – que esse futuro também não se constrói sem conhecimento do que existe, do que existiu. Eu acho que é um papel fundamental.
A.C. – Não falo em termos de manifesto de qual é o papel da arte ou qual é o papel dos artistas, mas quando penso no meu papel, no que me mantém nesse ofício, para além de ser o que eu sei fazer e ser o que paga minhas contas, tem essa questão de tentar direcionar o meu olhar e das pessoas que me acompanham para o que ainda não está sendo olhado. Não interessa só reforçar o discurso que já é dominante. Por mais que possa gostar de cinema Hollywoodiano ou de musica pop, não me interessa repeti-los no teatro; interessa, nem que seja, absorver isso e transformar noutra coisa. No Brasil teve um movimento literário no início do século XX que era o Movimento Antropofágico, que pegou essa figura histórica dos índios canibais brasileiros para dizer “a gente absorve a cultura dos outros países, come e transforma no que é nosso”. Acho que me interessa essa questão da antropofagia. Sou atravessado por tudo mas quero poder escolher para onde quero olhar. Se não fosse a Elisabete a fazer esse convite eu nem teria entrado dessa forma nas línguas minoritárias, provavelmente. É um outro que nos traz o diferente. E um diferente que alimenta e nos mantém vivos. No momento que esse outro está sendo altamente denominado e sendo considerado um risco para a pátria, para a saúde, para a segurança física, é importante pensarmos que é no outro que vamos buscar essa vida.
G. – E qual é a menor língua do mundo?
A.C. – Enquanto a gente pesquisava eu li uma matéria de jornal com muitos anos sobre um senhor da Índia, William Rozario, que era o ultimo falante do crioulo de Cochim, que tinha falecido e com ele tinha ido a língua, porque ninguém mais falava essa língua além dele. Na matéria dizia que na verdade ele já tinha parado de a falar ainda em vida, quando morreu o vizinho dele que, além dele, era a única pessoa que sabia o crioulo de Cochim. Então, a menor língua do mundo é aquela que é falada por uma ou duas pessoas. E uma só pessoa com uma língua, não tem para quem falar. Tem uma hora no espetáculo em que a Zia fala isso e diz “se todos fossem embora eu me calaria agora”. A gente precisa sempre de uma pessoa em escuta ou em diálogo para que uma língua exista. Nesse momento deve haver uma menor língua do mundo que vai desaparecer. Sempre tem uma menor língua do mundo.
"A Menor Língua do Mundo" está em cena na Sala Estúdio do Teatro Nacional D. Maria II até ao dia 15 de março, até informação dada em contrário. Podes saber mais sobre Alex Cassal aqui, e sobre Paula Diogo aqui.