Todos sentimos as mudanças que o estado de emergência trouxe às nossas vidas. Para quem via nos restaurantes não apenas um local para bem comer, mas igualmente um ponto de encontro de amigos verdadeiros, onde se prezava a boa camaradagem, esta situação torna-se pouco suportável.
Habituamo-nos a tudo. Mas a questão está em saber se daqui a uns meses largos – finado o confinamento e abertas as portas dos nossos lugares de culto gastronómico – tudo voltará a ser como dantes.
Ou não.
Mesmo que atingida a “imunidade de grupo” após a vacinação generalizada da população - supomos que ao nível dos países desenvolvidos dentro de um ano, no mundo não se sabe ainda quando - será que os anteriores hábitos de consumo regressam, ou pelo contrário, as práticas e usos ante pandémicos desaparecem das nossas vidas, substituídas por um novo “manual de procedimentos”, mais frugal, menos gastador de dinheiros, mais virado para dentro do que para fora de casa?
Num aspeto já não será possível regressar ao antigamente: receio que alguns (muitos?) dos nossos restaurantes tenham dificuldade em voltar a abrir.
O que se passará depois em relação à retoma da atividade gastronómica e de lazer?
Poderá existir um deslumbramento inicial que leve a malta em correria aos restaurantes, bares e discotecas. Sobretudo os mais novos. E desde que a crise financeira e a falta de emprego não os tenham levado a outros tipos de consumos impostos pela carência.
Ou pelo contrário, a classe média e média alta, antigamente mais gastadora, não se entusiasmaria tanto assim e mediria com mais parcimónia os seus consumos…
Não há registos históricos comparáveis em Portugal de semelhantes ruturas de comportamento que obrigassem a sociedade inteira. No tempo da grande guerra e da pneumónica a frequência de restaurantes nem de perto nem de longe seria o que é hoje. Estava muito mais reservada às elites.
Por isso estaremos agora mais ou menos em “terra incógnita” quanto a previsões futuras.
Uma coisa parece certa: comer em casa – cozinhando ou utilizando “take away” de qualidade - é sempre mais barato do que frequentar restaurante aberto ao público que seja de igual nível.
Falta o resto: o convívio com amigos e parentes, que nem sempre se podem ter em casa por vários motivos, mas com quem muito desejamos confraternizar à mesa.
E, obviamente, o caso dos que trabalhando fora de casa todos os dias – com o regresso à normalidade – têm necessidade de ter um local baratinho e bom onde almoçar.
Houve muitas revoluções na área da gastronomia e restauração, ao longo dos tempos.
Uma das mais importantes terá sido a invenção dos processos de refrigeração dos alimentos que permitiu uma certa independência das estações do ano. Outra ainda foi a democratização da frequência dos restaurantes, no último terço do século XX, impulsionada pela melhoria do nível médio de vida no nosso país.
Veremos o que o futuro nos reserva nesta área.
Existe uma avenida de oportunidade para quem ignorar os TEAMs e ZOOMs e voltar às reuniões presenciais, por esse país fora. Ao sair haverá que consumir, hotéis e restaurantes. E até aviões.
Mas até nesse aspeto da incentivação indireta do turismo interno o mundo dos negócios pode não colaborar, tendo ficado irremediavelmente ligado às reuniões em rede, muito mais económicas do que enviar emissários fisicamente.
O mundo será diferente. Essa acho que será a nossa única certeza.
Quanto ao resto? Todos temos de comer. E beber.
E se pudermos escolher algumas vezes, onde, o quê e com quem, já seria muito bom.
-Sobre Manuel Luar-
Manuel Luar é o pseudónimo de alguém que nasceu em Lisboa, a 31 de agosto de 1955, tendo concluído a Licenciatura em Organização e Gestão de Empresas, no ISCTE, em 1976. Foi Professor Auxiliar Convidado do ISCTE em Métodos Quantitativos de Gestão, entre 1977 e 2006. Colaborou em Mestrados, Pós-Graduações e Programas de Doutoramento no ISCTE e no IST. É diretor de Edições (livros) e de Emissões (selos) dos CTT, desde 1991, administrador executivo da Fundação Portuguesa das Comunicações em representação do Instituidor CTT e foi Chairman da Associação Mundial para o Desenvolvimento da Filatelia (ONU) desde 2006 e até 2012. A gastronomia e cozinha tradicional portuguesa são um dos seus interesses. Editou centenas de selos postais sobre a Gastronomia de Portugal e ainda 11 livros bilingues escritos pelos maiores especialistas nesses assuntos. São mais de 2000 páginas e de 57 000 volumes vendidos, onde se divulgou por todo o mundo a arte da Gastronomia Portuguesa. Publica crónicas de crítica gastronómica e comentários relativos a estes temas no Gerador. Fez parte do corpo de júri da AHRESP – Associação de Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal – para selecionar os Prémios do Ano e colabora ativamente com a Federação das Confrarias Gastronómicas de Portugal para a organização do Dia Nacional da Gastronomia Portuguesa, desde a sua criação. É Comendador da Ordem de Mérito da República Italiana.