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Ana Bacalhau: “É esta imaginação que nos salva e eu achei importante (…) dar esse conceito ao disco”

Transparente. Sincero. Uma viagem necessária para a redenção, depois da queda. É assim que Ana…

Texto de Isabel Marques

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Transparente. Sincero. Uma viagem necessária para a redenção, depois da queda. É assim que Ana Bacalhau nos começa por definir o seu novo projeto musical. O Além da Curta Imaginação.

Um grito de autolibertação feminino, pessoal e intimista, gravado entre janeiro e outubro de 2020, que pretende reunir num só disco duas realidades vivenciadas pela própria. Por um lado, a pré-pandémica, por outro, a pandémica. Curiosamente, o alinhamento também reflete esse caminho, elencando as canções do álbum por ordem cronológica de gravação.

O título do projeto vai ainda ao encontro de um verso da canção “Tudo de bom”, de Nuno Prata, sendo igualmente a frase que encerra o disco. Acima de tudo, o álbum parte da premissa de que a imaginação nos pode acabar por salvar.

Entre o mote de lançamento de um novo disco e o traçar do seu próprio caminho, o Gerador esteve à conversa com Ana Bacalhau sobre as mudanças e as perspetivas deste novo projeto. Ao longo da conversa, a artista procurou ainda refletir acerca das dificuldades de ser mulher, sobre a pertinência dos temas do álbum e sobre as mudanças e aprendizagens pelas quais foi passando.

Gerador (G.) – Defines o teu novo álbum, Além da Curta Imaginação, como uma viagem necessária para a redenção, depois da queda. Sentes que este álbum reflete de certa forma a maneira como vivenciaste a pandemia?

Ana Bacalhau (A. B.) – Sim! É um disco que me acompanhou no mundo antes desta pandemia. Começámos em janeiro de 2020, depois gravámos umas duas ou três músicas, parámos, e quando eu voltei ao disco, como tudo tinha mudado no mundo, a abordagem das músicas acabou por ser diferente. Acho que é um disco sincero, transparente, nesse sentido de não ter medo de mostrar as mudanças pelas quais fui passando. Por isso mesmo é que mantive um bocadinho o alinhamento de acordo com a ordem que gravamos as músicas para ainda enfatizar mais essa transferência/jornada.

G. – Um aspeto curioso é que o título do álbum está presente numa das letras, nomeadamente, na “Tudo de Bom”. Queres-nos explicar o motivo desta repetição e o seu conceito?

A. B. – O “Tudo de Bom” é uma canção do Nuno Prata. É uma canção baseada nesta expressão idiomática “tudo de bom” que acho tão bonita, tão positiva, e tão necessária, hoje em dia. Depois tinha esta última frase que é a frase que encerra o disco que é “fá-lo ir além da curta imaginação”, e eu senti isto na pele, na verdade. Nós no dia a dia temos tendência a achar, na nossa ignorância, que temos a vida sob controlo fazemos imensos planos, criamos imensas vidas para nós e depois vem a vida e prega-nos uma rasteira. E a única imaginação que me salva a mim, pelo menos, é aquela em que eu primeiro crio coisas aqui no éter e depois as materializo para este mundo, no meu caso é com a música, mas cada pessoa tem a sua forma de criar e inventar. Desde que depois traga isso para este mundo ajuda a melhorar e a tornar melhor o mundo em que cada um de nós vive. Se cada um de nós criar coisas a partir dos seus sonhos, das suas invenções. É esta imaginação que nos salva e eu achei importante dar esse nome ao disco e dar esse conceito ao disco.

"Tudo de bom" (Ana Bacalhau)

G. – Este é um trabalho pessoal gravado entre janeiro e outubro de 2020. Tendo em conta que o setor da cultura foi um dos mais afetados pela pandemia, foi fácil o processo criativo de composição?

A. B. – Eu sou autora de duas músicas, todas as outras são de outros autores. Eu já tinha as músicas todas antes de ir para estúdio menos as minhas, as que fiz. Essas eu escrevi em confinamento. Portanto, o confinamento foi péssimo, mas do péssimo saiu uma coisa boa para mim, pelo menos. Lá está aqui um exemplo de uma coisa boa que a imaginação e a criação fazem. Do mal consegue-se sublimá-lo e transformá-lo em algo positivo e bom. É o chamado efeito reciclagem. O que era lixo a pessoa vai transformando aquilo numa coisa importante, boa, com utilidade. Para mim, o confinamento foi importante como autora e intérprete porque aprofundei sentimentos, como ser humano cresci. Portanto, como intérprete também cresci, espero.

G. – “Memória” é o nome do primeiro single do disco e conta com a autoria de João Direitinho, Guilherme Alface e Mário Monginho. Porquê a escolha destes músicos para transportarem as tuas emoções? Já agora porquê esta música para inaugurar o teu projeto?

A. B. – A música pela qual me identifiquei. Foi a primeira que gravei, não havia pandemia, e é uma música que fala sobre aqueles períodos de sofrimento que servem para crescer. Uma pessoa entre o que era antes e aquilo que se torna há um período enorme  de algum sofrimento, que vamos descartando a pele que já não nos serve e vamos entrando numa pele nova. E essa música fala sobre esse período. Entre o que nós éramos e o que nós nos tornámos. É um período confuso, difícil de ultrapassar, às vezes achamos que não conseguimos ultrapassar e eu nunca tinha cantado nada sobre esse período, e eu gosto muito porque é um período importante para todos nós.

Até eu própria passei assim um período quando investi na carreira a solo, não sabia sequer como ser artista a solo, e, portanto, foi um período um bocado de não sei quem sou, estou aqui meia perdida, estou desconfortável e não sei ainda para onde isto vai. Portanto, assumi isso e senti que a música falava sobre isso.

"Memória" (Ana Bacalhau)

G. – Particularizando em outro tema, nomeadamente, no “Sou como sou” lê-se o seguinte: “E diz-me lá então quem te deu o direito, de decidir o que posso ou não fazer; sou maior e vacinada, e a ti não devo nada, eu sou forte, sou capaz, eu sou mulher”. Pretendes que de certa forma esta música se assuma como um grito de libertação feminino?

A. B. – Sim! A música é do Ben Monteiro e do Alex D´Alva Teixeira, e eles incorporaram em si esta coisa do feminino e do escrutínio público ao que é ser mulher. Uma mulher nunca está bem. Ou é nova demais, magra demais, velha demais, fala demais, fala de menos ou tem uma voz aguda ou grave, entre outros. Nunca estamos bem. E há um escrutínio imenso sobre o nosso físico e o nosso comportamento. Eles aperceberam-se disso como pessoas empáticas que são e escreveram esta letra para eu a cantar porque era algo importante. Eu sempre senti este escrutínio sobre o meu corpo, sobre o meu comportamento, portanto senti-me à vontade para contar isso na música. Por isso mesmo, a música é precisamente um grito de libertação feminino que embarca todas as pessoas que se sentem pressionadas a serem quem não são. De certa forma, este é o meu mote de vida. Lutar para que todos os seres humanos possam ter a liberdade de serem quem são.

"Sou como sou" (Ana Bacalhau)

G. – Se te desafiasse agora a escolher uma música deste teu novo projeto. Qual escolherias e porquê?

A. B. – Vou escolher o single mais recente “Que me interessa a mim”. Fui eu que escrevi e fala sobre isso mesmo. Sobre o facto de me deixarem seguir o meu caminho, não sejam empecilhos, não me queiram levar para onde eu não quero ir. Acho que é um bom mote para quem está a lançar um disco, em nome próprio, e a traçar o seu próprio caminho depois de ter pertencido a um coletivo que as pessoas gostam tanto, mas eu tenho o meu caminho também. Quero fazê-lo de acordo com o que eu acho que está bem.

"Que me interessa a mim" (Ana Bacalhau)

G. – Por curiosidade, nem sempre a carreira de música esteve nos teus planos. Aliás, numa fase inicial pensaste e estudaste para ser professora de inglês. Como é que este bichinho da música nasceu? O que te fez palpitar o coração para a música?

A. B. – Nasceu aos 15 anos quando peguei numa guitarra para aprender e depois comecei a cantar. Mas o bichinho da música já existia antes porque eu adorava ouvir música. Agora, quando eu aprendi a fazê-la aí é que percebi que queria ser cantora, na verdade. Ainda assim, segui os meus estudos porque gosto muito de linguística, de literatura e de comunicar. Na verdade, até é a mesma vertente dar aulas ou cantar. É comunicar.

G. – Já fomos falando um bocadinho sobre este tema, mas foi desde 2017 que decidiste prosseguir com uma carreira a solo, na altura, com o álbum Nome Próprio. Como é que tem sido esta transição? Sentiste esta maior pressão, como me falavas há pouco, por seres mulher?

A. B. – Eu acho que sim. Acho que há uma tendência para culpar a mulher no caso de haver algum problema, alguma coisa mal programada. Foi a mulher que conspirou. Somos umas conspiradoras. Já a literatura tem imensos exemplos de homens fortes que são destabilizados por causa do que uma mulher conspirou. Há uma tendência para se considerar que a mulher é o mal, é a cúmplice da serpente e os homens são coitadinhos e uns inocentes. Discordo em absoluto.

Hoje em dia, já não é tão grave, e temos alguns exemplos de mulheres que escrevem as suas músicas, geram a sua carreira, não há tanto esta noção de que atrás de uma intérprete, de uma artista feminina, estão homens que fazem tudo. Felizmente, já não há esta noção ou pelo menos uma boa parte das pessoas já não pensa assim. Mas se calhar ainda há um bocadinho a noção de que se há uma música que é cantada por uma mulher e um homem de que foi o homem a escrevê-la e ela só a canta. Atenção, isto não é uma coisa científica, é só uma sensação minha. A criatividade ainda está muito colocada no lado do masculino e o que é depois a imagem, o mais estético, é do lado feminino. E isso se calhar depois prejudica uma carreira a solo que uma mulher possa ter. O que eu senti foi que as pessoas que me seguiam nos Deolinda continuaram-me a seguir a solo, que pessoas que me seguiam nos Deolinda não me seguiam a solo e outras pessoas não me conheciam dos Deolinda, mas seguem-me a solo. Para mim está tudo bem. Eu também tenho esta relação com os músicos de quem gosto. Por exemplo, eu adoro os Pearl Jam, mas também não sigo com avidez todas as músicas. E, está tudo certo.

"Além da Curta Imaginação" (Ana Bacalhau)

G. – Por final, por onde é que as pessoas vão poder ouvir o teu disco, ao vivo?

A. B. – Agora é mais complicado conseguir dizer… Não consigo garantir nada de concertos até porque já tenho colegas meus com concertos cancelados. Eu tenho um concerto no Theatro Circo, em Braga, a 5 de fevereiro, que espero que se realize, mas é tudo muito incerto. Tenho também concertos marcados para o verão, mas vamos ver o que vai acontecer.

Texto de Isabel Marques
Ilustrações de Mariana a Miserável

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