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Ana Monteiro: “A pessoa, ao criar artisticamente, está também a criar na sua vida”

Ana Monteiro é arte-psicoterapeuta e formadora na Sociedade Portuguesa de Arte-Terapia (SPAT), fundada em 1997,…

Texto de Raquel Rodrigues

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Ana Monteiro é arte-psicoterapeuta e formadora na Sociedade Portuguesa de Arte-Terapia (SPAT), fundada em 1997, por João de Azevedo e Silva, psiquiatra, grupanalista e psicanalista, Ruy de Carvalho, médico, arte-psicoterapeuta e com formação grupanalítica, e Helena Correia, psiquiatra, arte-psicoterapeuta e com formação grupanalítica.

Nesta conversa, apresenta-nos a Arte-Terapia e a Arte-psicoterapia, reflectindo sobre a importância da criação artística na saúde da pessoa, a relação entre o sofrimento e o imaginário e os desafios destas abordagens na contemporaneidade, em que o online nos interroga sobre os novos lugares do corpo. É precisamente este o tema, ou a pergunta, do 21º Congresso de Arte-Terapia, “Do Virtual ao Real”, a realizar, online, entre 22 e 25 de Outubro, do qual, Ana Monteiro integra a comissão organizadora.

Gerador (G.) - O que é a arte-terapia?

Ana Monteiro (A.M.) - A arte-terapia é uma intervenção de carácter terapêutico. Pretende-se, de facto, estabelecer o bem-estar físico, emocional, psicológico, da pessoa que nos chega. No fundo, é uma abordagem psicoterapêutica, mas que se diferencia, aqui, por um terceiro elemento, muito importante, que é o da criação artística. Na psicologia, uma abordagem mais verbal, temos, essencialmente, o terapeuta e o paciente, uma comunicação mais dual, e, aqui, na arteterapia, temos um modelo triangular, piramidal: o paciente, o terapeuta e a criação artística. A criação artística vai mediar a relação terapêutica, que se estabelece entre paciente e terapeuta. No fundo, facilita a comunicação, a expressão, porque, muitas vezes, através da palavra, a pessoa, ou se defende, ou nem consegue aceder a conteúdos mais inconscientes, mais reprimidos, através da expressão artística, seja ela qual for. E, aqui, estamos a falar dos mediadores artísticos, uma pintura, um desenho, uma escultura, uma instalação, uma marioneta, um poema, tudo o que venha enriquecer o processo. Em linhas gerais, é isso.

G. - A poesia é outra abordagem da palavra…

A.M. - Sim. Na criação artística, estamos sempre a estabelecer metáforas para a vida. E, aqui, o que se pretende é estimular o aparelho criativo. Todos nascemos criativos. Somos, por natureza, seres criativos e, ao longo do nosso desenvolvimento, vamos perdendo, não só pelo nosso sistema educativo que, embora esteja um bocadinho diferente, é bastante castrador, mas porque, à medida que crescemos, vamos perdendo um pouco dessa criatividade e espontaneidade. Perante uma folha em branco, há sempre um problema que surge para a pessoa resolver. A criatividade é mesmo isso, é encontrarmos soluções para problemas que nos surgem. A folha em branco representa isso. Estou a falar da folha em branco, mas também pode não ser. Trabalhamos, por exemplo, com tabuleiros de areia. A pessoa, ao criar artisticamente, está também a criar na sua vida, está a implementar soluções para o sofrimento que traz. A criação artística permite-lhe este distanciamento. Uma coisa é falar da minha tristeza, do que posso não aceitar em mim, aspectos mais negativos, que não aceito tão bem, mas, de repente, através da criação artística, do desenho que fiz, que também não aceito, que acho feio, estou a falar de aspectos internos, do que me é difícil, pela palavra. A criação tem esse poder.

G. – Como surgiu a arte-terapia, em Portugal?

A.M. - Em Portugal, surgiu há pouco mais de vinte anos, pela mão do nosso presidente, o Dr. Ruy de Carvalho, que vem da medicina, da psiquiatria. Trabalhava no hospital Miguel Bombarda e interessava-se pela introdução da arte e da expressão artística na doença mental. Foi à procura dessa formação. Foi para Inglaterra, onde a tirou. Depois, quando veio para Portugal, fundou a Sociedade Portuguesa de Arte Terapia. Tem um modelo próprio, o modelo polimórfico. Portanto, estabeleceu uma série de linhas orientadoras. Dentro do modelo, temos, também, várias abordagens, consoante os objectivos da intervenção. É um modelo complexo, que nos permite também ter esta base mais fenomenológica, ter instrumentos que permitem avaliar a eficácia da intervenção. Infelizmente, ainda não é uma profissão reconhecida, embora, pela ordem dos psicólogos, seja validada, enquanto abordagem psicoterapeuta. Nem todos os arte-terapeutas são psicólogos. Podem ser, até, do mundo das artes. Temos colegas artistas que tiram formação em arteterapia ou arte-psicoterapia.

G. - A SPAT segue o modelo polimórfico. Que modelo é este? Quais os outros?

A.M. - O modelo polimórfico é um modelo português, um modelo específico, como disse, criado pelo Dr. Ruy de carvalho, e tem, essencialmente, quatro modos de intervenção. Antes disso, convém estabelecer a diferença entre arteterapia e arte-psicoterapia. A arte terapia pretende ser uma abordagem não tão aprofundada, normalmente, de carácter grupal. Na primeira, há uma planificação, por parte do terapeuta. Vou perceber quem são estas pessoas, quais as suas dificuldades. Vou fazer toda uma avaliação para ver onde pretendo chegar, o que pretendo fomentar nessas pessoas. Dentro da arteterapia, tenho o modo vivencial e o modo temático, ou seja, posso querer trabalhar competências muito específicas, pessoais, sociais, e, aí, vou para uma abordagem mais temática, em que lanço um tema e tenho um objectivo específico. É o treino de competências. Vem de uma linha de aprendizagem. A parte vivencial, é mais centrada na obra. Não se pretende obras de arte. Aquilo que é rico é o processo, e não interessa tanto o resultado. Muitas vezes, o resultado até é difícil de lidar. Muitas vezes, o deitar fora e o destruir é tão importante como ser bonito e guardar. Quando estou a destruir algo de que não gosto, que não quero, se calhar também estou a destruir partes de mim que carrego, que já não me servem e trazem sofrimento psicológico. No vivencial, enquanto terapeuta, vou pensar nas especificidades dos mediadores. Vou dar um exemplo mais concreto para se perceber melhor. Tenho um grupo de raparigas que estão numa instituição, foram retiradas às famílias por situações de negligência, maus-tratos. Todas têm uma história de traumas na sua vida. E, aqui, quando faço o estudo destas necessidades, percebo que a vinculação é muito importante, que a relação é muito importante. Há, aqui, muitos comportamentos de raiva contida, de revolta. Interessa-me revelá-los para que elas consigam, de alguma forma, canalizar a sua zanga para algo criativo, para algo que possa trazer beleza às suas vidas. Então, por exemplo, para trabalhar esta agressividade, posso fazer um ciclo apenas do barro, porque sei que o barro apela a toda essa corporalidade, e a pessoa vê-se envolver nesse próprio corpo, na própria catarse, que pode ser importante para expressar essa zanga. Na vinculação, posso trabalhar a questão da tecelagem. Os fios apelam, necessariamente, à vinculação. A nossa formação é muito exigente, porque é muito importante que o terapeuta tenha este conhecimento das potencialidades dos mediadores. Eu venho da psicologia, e com crianças usamos sempre a arte lúdica, mas isso não é arte terapia. Na arte terapia, quando estou a dar um material de pintura àquela criança, tenho de perceber se faz sentido dar-lhe uma aguarela ou uma digitinta, por exemplo. Com uma criança com muita rigidez, com alguns comportamentos mais obsessivos, se calhar, numa altura do processo, em que a vinculação já esteja estabelecida e haja confiança, preciso mesmo de a pôr a sujar-se e a pintar com as mãos,  para poder extravasar, errar, sujar-se. É diferente, por exemplo, de uma aguarela, em que não se controla, e pode criar frustração numa criança. É todo esse conhecimento da parte técnica. O arte-terapeuta não é artista, mas tem de ter conhecimento dos instrumentos com que lida e que apresenta ao paciente que tem à frente. Isto dentro da arteterapia.

Depois, dentro da arte-psicoterapia, temos dois modos também. A grande diferença, aqui, é que não há uma planificação, um levantamento das necessidades, um planificar com antecedência os mediadores, o que espero com aquela intervenção, e é mais numa base dual, no acompanhamento individual. Normalmente, na sessão, é o paciente que escolhe os materiais. É o que o paciente traz, o que surge na sessão. Não são temas precisamente pensados e analisados com o terapeuta. Na arte-psicoterapia temos duas abordagens. Temos a arte-psicoterapia intensiva, que pretende ser uma abordagem mais breve. A pessoa vem com um problema específco. ‘Estou com crises de pânico, não estou a conseguir sair de casa. Isto está a impedir-me de ter o meu dia-a-dia normal.’  Então, vou-me focar nessa problemática específica. O que se pretende é intensificar o sofrimento para que a pessoa possa, depois de intensificar, e depois de libertar, encontrar estratégias para lidar com este. Portanto, é sempre muito focada no aqui e no agora. Não me importa muito ir à história de vida daquela pessoa, à infância, às relações ditas objectais. Não me interessa muito estudar para trás. É claro que serve no momento para problemáticas específicas, mas se, de facto, a pessoa quer uma mudança mais aprofundada, mais a nível da estrutura, da personalidade, aí, temos de ir para uma abordagem de arte-psicoterapia diagenésica. O Dr. Ruy explica este conceito inspirado na geologia, na estratificação da mente, como há a estratificação da rocha. À medida que estou no processo de arte- psicoterapia, e com a activação do aparelho criativo, há uma mudança interna e na estrutura da personalidade da pessoa. Claro que supõe uma intervenção mais longa.

G. - Tem vindo a referir a importância da materialização do imaginário. Contudo, no 21º Congresso de Arte Terapia, pensar-se-á de que forma os instrumentos digitais podem ser utilizados na sua prática. O que se altera no processo terapêutico em si mesmo e que consequências tem?

A.M. - Até então, era sempre presencial. Nos últimos anos temos feito na Gulbenkian. Em Dezembro de 2019, começámos a planear e já tínhamos pensado, curiosamente, na questão do real e do virtual, porque, de facto, tínhamos já colegas a efectuar as consultas online, pela mobilidade dos trabalhos, hoje em dia, também pela questão de termos mais arte-terapeutas em Lisboa, e o norte e o sul estar com mais carência… Portanto, havia colegas do norte que acabavam por encaminhar para os de Lisboa, e o atendimento tinha de ser feito online. Mas, sempre muito resistentes, porque, de facto, é muito diferente, estarmos ali presencialmente. Temos a pessoa, ali, a criar, à nossa frente, onde há uma riqueza de todo o envolvimento na criação, de toda a postura, do comportamento não-verbal, mesmo dos nossos sentidos, de como a sentimos. Pessoalmente, não fazia consultas online, e era das mais resistentes. Depois, houve, de facto, uma pandemia, que nos obrigou a vir para casa, numa altura em que se intensificou bastante o sofrimento psicológico. As pessoas ficaram em pânico, com muito medo. Nos pacientes que já tínhamos, verificámos uma intensificação dos sintomas. Mas novos pacientes foram surgindo, porque precisavam de respostas muito imediatas para gerir ansiedade. A própria gestão do dia-a-dia, em casa, com crianças, e a trabalhar…. Começámos a ter muitas solicitações. Percebemos, logo, que o tema do congresso era muito pertinente. Em Março, ainda pensávamos que, em Outubro, podíamos fazer de forma presencial. À medida que o tempo foi passando, percebemos que era melhor cancelar ou planeá-lo virtualmente. E fomo-nos apercebendo das mais valias. De facto, numa situação de crise surgem oportunidades muito boas. A Sociedade é uma sociedade sem fins lucrativos e temos pessoas de renome na arte-terapia. A arte-terapia, em Portugal, é uma bebé/ criança, mas a arte-terapia no Brasil, em Inglaterra, nos Estados Unidos, já tem mais anos. Portanto, era sempre difícil trazer grandes nomes da arte-terapia para Portugal, porque não conseguíamos comportar os custos que isso acarretava. Fazer um evento online, permitiu-nos ter pessoas de todo o mundo. Depressa, percebemos que não seria um congresso português, mas um congresso internacional. Não seriam dois dias. Tivemos de estender para quatro dias. Há toda esta sede de partilha de experiências, porque passámos todos a funcionar no online. Há toda uma mudança de paradigma e, mesmo ao nível da terapia e da intervenção, que tem de ser repensada. Estamos todos, aqui, a adaptarmo-nos, a aprender, e é esse mesmo o objectivo do congresso, ouvir um pouco as prácticas de todo o mundo e perceber o que está a mudar, o que veio para ficar. Mesmo quando voltarmos ao presencial, o online veio para ficar, e acho que, disso, ninguém tem dúvidas. Isso permite que as pessoas que emigravam e que tinham de interromper o seu processo terapêutico, não o tenham de interromper. Claro que tem diferenças. A pessoa criar em sua casa pode ter a mais valia de poder estar mais à vontade. Por exemplo, tenho percebido que os pacientes mais ansiosos, se calhar, até acalmam, porque não estão ali, no frente a frente. Depende também do estado da relação terapêutica, se é de pouco ou muito tempo. Pode apaziguar, de facto, essa ansiedade. Mas, depois, na parte do processo criativo em si, há pormenores que se perdem. Muitas vezes, a pessoa não consegue dirigir a câmera para a criação e, se a dirige, o terapeuta perde a expressão facial ou a corporalidade.

G. - A comunidade científica já tinha alguma investigação realizada sobre a abordagem arte-terapêutica neste tipo de contexto, ou está agora a iniciá-la?

A.M. - Está a ser muito desenvolvida, agora. No Brasil, temos colegas que não fazem, de todo, consultas online. Estão muito resistentes. Há uma invasão de ambientes. De repente, o paciente está em casa do terapeuta e o terapeuta na do paciente, mesmo que seja de um modo virtual. Isto transforma o processo. Estamos todos também a tentar perceber que mudanças são essas, e começamos, agora, a perceber os resultados que vamos tendo. Por exemplo, há pacientes que vieram para o online e agora voltaram para o presencial, porque não estava a resultar tão bem. As pessoas precisam da presença, claro que, com as aplicações da máscara, as implicações de limpeza… O terapeuta tem sempre os materiais à disposição no consultório e, neste momento, tem materiais para cada paciente, para que não haja, de facto, essa rodagem.

G. - A arteterapia integra pacientes diversos, seja com problemáticas mentais, seja somáticas. O que procura trabalhar em cada um?

A.M. - Cada pessoa é uma pessoa. Perante problemas somáticos, por vezes, há um desequilíbrio emocional, por detrás. Na arte-terapia, interessa-nos essa parte mais das emoções, do embutimento que, muitas vezes, a pessoa traz das suas emoções. Muitas vezes, dirigem para o corpo o sofrimento psicológico. As pessoas concentram no corpo o peso emocional e psicológico. Ao focarmo-nos nos aspectos psicológicos, obviamente que os sintomas físicos acabam por se ir desvanecendo, também à medida que a pessoa vai elaborando sobre a parte emocional.

G. - O facto de existir um método de abordagem, um modelo, não significa uma tentativa de uniformizar o que há de mais singular no humano, de ignorar a gramática individual?

A.M. - Não. A arte-terapia também vem da arte bruta e das produções artísticas de pacientes com patologias. Num paciente com uma psicose ou esquizofrenia, por exemplo, há uma continuidade nas criações e há parecença nas criações. Isso também é muito rico, porque nos dá dados do inconsciente e do imaginário destes pacientes. Portanto, interessa, esse estudo, para o terapeuta, para ir aprofundado o seu conhecimento e perceber em que moldes se move. Mas, na criação do paciente, nem interessa tanto a interpretação que o terapeuta dá, porque é uma vivência muito pessoal. Muitas vezes, o terapeuta pode estar a ver uma coisa completamente diferente, mas é a vivência que a pessoa traz. Agora, o terapeuta pode estar a ver outra coisa, que a pessoa esteja a resistir ver. Pode dar, aí, uma achega e, se a pessoa está preparada para analisar, pode facilitar essa comunicação. Mas é sempre a vivência subjectiva e é aquela pessoa, em particular, que interessa.

G. - Há uma antiga associação entre a arte e o que era chamado de “loucura”. O que motivou este mito? Ou há efectivamente uma maior predisposição para a criação artística em pessoas com determinadas experiências ou em períodos particulares? Tem que ver com as intensidades?

A.M. - Tem que ver, essencialmente, com uma oportunidade de expressão que, de outra maneira, seria difícil. De facto, pessoas com perturbação mental e com sofrimento psicológico, às vezes grave, têm um imaginário muito rico. Têm uma série de conteúdos inconscientes muito ricos. Então, a arte é uma forma de exteriorizar tudo o que vai dentro delas, que através da palavra, e numa sociedade mais normalizada, que muitas vezes não entende, é difícil de expressar. É uma forma de sublimar o sofrimento.

G. - Mas, no caso do artista, pode haver uma preocupação estética, que se distingue de uma atenção dirigida exclusivamente ao processo…

A.M. - Ou não, porque sabemos que temos bastantes artistas com um sofrimento psicológico subjacente e que encontraram, na sua vocação, na sua arte, uma forma de sublimar esse sofrimento. A arte, por si, pode ser terapêutica, no sentido dessa expressão do sofrimento, mas, por outro lado, aqui precisa sempre da relação terapêutica, do terapeuta que vai mediar o processo, ajudar o paciente a dar significado àquela criação. Com o artista vai para um público. Cada pessoa vê o quadro à sua maneira. O artista pode passar determinado sentimento, ideia, mas depende muito de quem vê. O paciente está a criar para um público também, para um terapeuta e para o seu imaginário.

G. - A imersão em determinados universos pode, por vezes, ser prejudicial, entrópica? Por exemplo, no caso do teatro, em que uma pessoa com determinada patologia, ou numa fase desta, pode não conseguir sair do papel…

A.M. - Aí, chamamos a luta com o mediador. É importante essa sensibilidade do terapeuta. Por exemplo, com pessoas com traços mais obsessivos, como falei há pouco, pode ser interessante pô-las a criar com barro e com produtos mais regressivos, que apelam mais à sujidade, ao toque e ao sensorial. Mas, depende. No início do processo, uma pessoa que vem muito resistente, e cujos mecanismos mais obsessivos também a estruturaram e serviram como mecanismo de sobrevivência, face ao ambiente que viveu, não pode ser completamente desmontada. O processo tem de ser sempre facilitador, ou seja, posso criar frustração, mas tenho de ter muita atenção ao estado em que está a relação terapêutica. Não posso criar frustração no início da relação, porque isso vai afastar a pessoa. Por exemplo, uma pessoa que vem resistente à criação, fala muito, tem tendência para racionalizar mais, vem com essa necessidade de despejar, pode-se assustar. Há pacientes que se assustam muito com uma folha em branco. Pode ser inibidor. Se calhar, não vou pô-la a escrever. Se a pessoa já tem tendência para essa racionalidade, para essa análise, vou pô-la a criar mais à base, por exemplo, de uma pintura, algo que apele mais à infância, ao que está mais embutido nessa pessoa. Daí a importância do conhecimento do arte-terapeuta.

G. - No caso de alguém cujo estar no mundo sempre tenha integrado a expressão artística, o que pode significar o abandono desta última?

A.M. - Pode ter muitos significados, mas basicamente, a vida é criação. O viver é criar. Todos os dias criamos, temos de pôr a nossa criatividade a funcionar, com as coisas mais básicas do dia-a- dia, desde a escolha da roupa. Se uma pessoa deixa de criar, de alguma forma, está a negar a vida. Está, por qualquer motivo, inibida e a castrar-se de viver.

G. - Como é que a arte-terapia tem sido acolhida, recebida, nas instituições de saúde, em Portugal?

A.M. - Há um reconhecimento, de facto, mas há muito aquela ideia de que fazemos psicoterapia e pomos, ali, uns desenhos, pelo meio. Pomos a pessoa a fazer uns desenhos, umas pinturas e isso é arte-terapia. Muitas vezes, há colegas psicólogos que se designam por arte-terapeutas, porque incluem a arte na sua intervenção. Há, ainda, um desconhecimento da especificidade da arte-terapia. Muitas vezes, nas instituições, somos confundidos com terapeutas ocupacionais. Felizmente, na Sociedade, a nossa formação inclui, sempre, práctica institucional. Portanto, para termos o grau de arte-psicoterapeutas, temos de passar por uma intervenção longa, em instituição. E, felizmente, isso tem vindo a abrir caminho para as pessoas contactarem com a arte-terapia, perceberem os resultados que tem e poderem conhecer e valorizar. Acho que o que acontece mesmo é a falta de conhecimento e toda uma ideia, que se generaliza e que, de facto, não está correcta e cabe a nós, arte-terapeutas, ir difundindo, calmamente, nos sítios onde vamos trabalhando, porque, muitas vezes, é isso que acontece. Contratam-nos como psicólogos, formadores, animadores… Depois, por termos essa formação, vamos introduzindo a arte-terapia e as pessoas percebem que a intervenção é diferente, os resultados são diferentes. Ficam curiosas, querem saber.... E tem sido, muito por aí, que a arteterapia tem entrado, bem como também graças ao nosso programa social. Fazemos acompanhamento de pessoas da comunidade, de acordo com o rendimento do agregado familiar, e isso permite-nos trabalhar com todo o tipo de população. Muitas vezes, as pessoas vêm apenas à procura de ajuda a um custo que possam suportar e não percebem que vêm para um processo de arte-terapia. Depois, acabam por conhecer, envolver e ficar.

Artigo escrito ao abrigo do Antigo Acordo Ortográfico

Texto de Raquel Botelho Rodrigues

Fotografia da cortesia de Ana Monteiro

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