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Apaguem as luzes

Nas Gargantas Soltas de hoje, Jorge Pinto fala sobre poluição luminosa e de como é primordial recuperar a noite enquanto espaço de descanso luminoso, por nós e pelo planeta.

Opinião de Jorge Pinto

©Luís Catarino

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Há algo que nos fascina no infinito profundo. Olhamos para o céu e nele nos revemos, imaginando o que estará lá, tão distante, tão incógnito e ao mesmo tempo tão visível. A olho nu, vemos os planetas, afinal tão próximos que a eles chegaremos dentro de poucas décadas. Mas é sobretudo nas estrelas que imaginamos o infinito e assumimos a nossa pequenez. Apenas na Via Láctea, a nossa galáxia, estima-se que possa haver até 400 mil milhões de estrelas. Quatrocentos mil milhões de sóis e cada um, provavelmente, com o seu sistema de planetas a orbitar. E isto apenas numa banal galáxia. No Universo, estima-se que existam entre 100 e 200 mil milhões de galáxias, cada uma com os seus milhares de milhões de estrelas e respetivos sistemas de planetas. São números grandes, avassaladoramente grandes. Ateus, como eu, encontrarão nesta imensidão repleta de dúvidas o fascínio pelo desconhecido que outros encontrarão em deus.

Esta atração pelo cosmos atravessou culturas e épocas. Em cada uma delas, o nosso olhar humano quis ver refletido no conjunto das estrelas elementos das nossas vidas quotidianas ou da nossa mitologia. Nasceram assim constelações que, ainda hoje, adoramos identificar: touro com Aldebaran e o seu avermelhado brilho, a ursa maior e a sua “frigideira” com a ponta a apontar para a estrela polar, sagitário, o triângulo estival ou ainda, para os mais afinados olhos, as Plêiades. Desde o nosso planeta vemos ainda um longo braço repleto de estrelas que lhe dá um brilho claro, alvo, semelhante ao leite e a partir do qual nomeámos a nossa galáxia: Via Láctea.

Infelizmente, apesar de milénios de acesso ao céu noturno, este parece ser cada vez mais um privilégio. No presente, a imensa maioria da população europeia não consegue ver a Via Láctea. Um estudo recente mostra como, entre 2011 e 2022, a poluição luminosa aumentou drasticamente, com aumentos anuais do brilho no céu na ordem dos 10%. Os problemas desta perda do céu noturno não afetam apenas os astrónomos, profissionais ou amadores, ou os simples apaixonados pelas estrelas; os impactos a nível ecológico são tremendos, afetando espécies animais como as tartarugas, os morcegos, as aves, em particular nas suas rotas migratórias, e ainda os insetos, sendo a poluição luminosa apontada como a segunda causa para o drástico e assustador declínio do seu número, logo a seguir ao uso de pesticidas.

Este domínio da luz pode começar a ser entendido olhando para a evolução da economia e do modo de vida das sociedades atuais. Num artigo de 2017, António Guerreiro criticava a “tirania da luz”, apontando como justificações para este até agora imparável avanço a ideia vinda do Iluminismo de que a “luz” é sinónimo de progresso, por oposição às “trevas”. Acrescentava ainda aqueles que me parecem ser os dois grandes fundamentos para a expansão desta contaminação luminosa: um capitalismo cada vez mais desregrado e uma sociedade cada vez mais securitária. Se em relação ao segundo, a evidência científica não é clara quanto à ligação entre criminalidade e iluminação (embora o pareça ser em relação ao sentimento de segurança), em relação ao primeiro, as múltiplas crises ecológicas e a mais recente crise energética vieram mostrar, uma vez mais, que o modelo da “cidade que nunca dorme” é um caminho sem futuro.

Portugal tem um desempenho particularmente mau no controlo da poluição luminosa. De acordo com um estudo recente, o quando se considera o fluxo luminoso per capita e fluxo luminoso por produto interno bruto (PIB). Para comparação, em Portugal, a emissão de luz por habitante é de cerca quatro vezes o valor na Alemanha. E este é um problema que se tem alastrado a todo o território nacional, incluindo as zonas mais rurais.

O que pode então ser feito? Em primeiro lugar, é essencial olhar para o excesso de iluminação como aquilo que efetivamente é: uma forma de poluição. Aceitando-o como tal, podemos então discutir propostas concretas de resolver o problema. Focando-se no caso português, uma carta aberta publicada em 2021 indicava várias possibilidades, incluindo a criação de quotas de emissão de luz, a substituição das lâmpadas de LED branco que pululam pelo país e ainda uma proposta tão simples quanto radical: "não iluminar sempre que possível e só iluminar quando justificado”. Outras medidas poderiam passar pelo fim do absurdo da publicidade iluminada, em mupis, montras ou outdoors.

Este tema tem também avançado na arena política, com o LIVRE a conseguir aprovar uma proposta para o OE 2023 focada no combate à poluição luminosa. Formas alternativas de iluminação até há pouco impensáveis, tais como através de bactérias cultivadas dentro do próprio mobiliário, poderão também fazer parte do leque de soluções.

A reconexão do ser humano com a natureza passa também por este quebrar do aceleramento das nossas vidas que tem na tentativa de criação de um dia perene uma das suas expressões. É primordial recuperar a noite enquanto espaço de descanso luminoso, por nós e pelo planeta. O combate contra a poluição luminosa pode assim ser um combate a favor de uma melhor e mais harmoniosa relação do ser humano com o meio natural que ocupa e do qual também faz parte. E pode também ser feito por uma razão mais hedonista: afinal de contas, quem não gosta de, numa noite de Verão, ficar deitado de barriga para o ar a apreciar a beleza da última das fronteiras?

-Sobre Jorge Pinto-

Jorge Pinto é formado em Engenharia do Ambiente (FEUP, 2010) e doutor em Filosofia Social e Política (Universidade do Minho, 2020). A nível académico, é o autor do livro A Liberdade dos Futuros - Ecorrepublicanismo para o século XXI (Tinta da China, 2021) e co-autor do livro Rendimento Básico Incondicional: Uma Defesa da Liberdade (Edições 70, 2019; vencedor do Prémio Ensaio de Filosofia 2019 da Sociedade Portuguesa de Filosofia). É co-autor das bandas desenhadas Amadeo (Saída de Emergência, 2018; Plano Nacional de Leitura), Liberdade Incondicional 2049 (Green European Journal, 2019) e Tempo (no prelo). Escreveu ainda o livro Tamem digo (Officina Noctua, 2022). Em 2014, foi um dos co-fundadores do partido LIVRE.

Texto de Jorge Pinto
Fotografia de Luís Catarino
A opinião expressa pelos cronistas é apenas da sua própria responsabilidade.

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