A realização da arte é a exploração não objetiva e aleatória do conhecimento humano. Ao contrário da ciência e da tecnologia a arte não tem necessariamente uma aplicação ou utilidade prática. No entanto, acaba por influenciar as áreas produtivas, quer através do design, quer pelas ideias. Sem arte tudo seria feio e impraticável. Sem arte dificilmente há inovação.
O desenvolvimento das tecnologias digitais veio reforçar esta realidade. É certo que muitos algoritmos são belos e alguns engenheiros são criativos, mas o atrativo de uma interminável série de zeros e uns é precário. A tecnologia digital desenvolve-se melhor quando em paralelo com as artes. Porque estas lhe dão corpo e propósito.
Esta evidência tem levado a uma crescente colaboração entre engenheiros informáticos e artistas. As principais empresas do setor sabem bem que sem criativos as suas soluções tecnológicas não têm viabilidade.
Esta relação nem sempre é fácil. As empresas estão focadas nos seus objetivos, querem resultados imediatos e têm dificuldade em entender o caótico processo criativo dos artistas; enquanto estes frequentemente não têm os conhecimentos necessários para perceber os mecanismos da produção. Mas o caminho é irreversível. Ainda recentemente assistimos à criação da nova Bauhaus europeia, a qual pretende combinar tecnologias digitais, sustentabilidade ambiental e arte.
Tenho afirmado que a maioria dos artistas não estão preparados para este novo contexto. Em parte, porque existe uma cultura de individualismo que torna difícil a cooperação. Mas, sobretudo, porque a impreparação face às tecnologias digitais e seus processos é ainda generalizada. Ter uma página no Facebook não é definitivamente estar a par das tecnologias digitais.
É urgente reformar o ensino artístico; criar programas de incentivo à criatividade digital, do género do programa europeu Starts; dar maior visibilidade às obras e artistas que usam os novos meios. O ensino artístico tem de se atualizar. Não só a nível das tecnologias, mas ainda mais das ideias. Nas últimas décadas, o conhecimento científico evoluiu de uma forma impressionante. Pense-se no genoma, na exploração espacial, na física quântica, só para citar alguns campos. No domínio das tecnologias digitais deram-se verdadeiras revoluções. A Internet tornou-se no grande meio de comunicação global. Hoje, praticamente tudo o que tem informação está ou passa pela Internet. E, entretanto, nasceu a Inteligência Artificial, ou seja, uma forma de inteligência que, embora distinta da nossa, está a tornar-se no nosso mais importante interlocutor não-humano do planeta. A IA é um parceiro que nos acompanhará até ao futuro e nas deambulações pelo universo.
Pode a arte ficar imune a tais desenvolvimentos? É evidente que não. A velha cultura sempre resistiu, mas a nova sempre acabou por se impor. Continua a ser assim.
Neste processo, a colaboração entre arte e indústria, sendo benéfica para a indústria também o é para a arte. Nesta relação, os artistas vão aprender, o que não aprendem no ensino; vão evoluir, como não é possível fazer no ambiente cultural estabelecido; vão inovar, porque podem criar sem constrangimentos.
Por isso, defendo a criação de um programa governamental que promova, apoie e financie a colaboração entre artistas e indústria. Seria um excelente e reprodutivo investimento para a bazuca.
-Sobre Leonel Moura-
Leonel Moura é pioneiro na aplicação da Robótica e da Inteligência Artificial à arte. Desde o princípio do século criou vários robôs pintores. As primeiras pinturas realizadas em 2002 com um braço robótico foram capa da revista do MIT dedicada à Vida Artificial. RAP, Robotic Action Painter, foi criado em 2006 para o Museu de História Natural de Nova Iorque onde se encontra na exposição permanente. Outras obras incluem instalações interativas, pinturas e esculturas de “enxame”, a peça RUR de Karel Capek, estreada em São Paulo em 2010, esculturas em impressão 3D e Realidade Aumentada. É autor de vários textos e livros de reflexão, artística e filosófica, sobre a relação Arte e Ciência e as implicações, culturais e sociais, da Inteligência Artificial. Recentemente, esteve presente nas exposições “Artistes & Robots”, Astana, Cazaquistão, 2017, no Grand Palais, Paris, 2018, na exposição “Cérebro” na Gulbenkian, 2019 e no Museu UCCA de Pequim, 2020. Em 2009 foi nomeado Embaixador Europeu da Criatividade e Inovação pela Comissão Europeia.