Entre os dias 14 e 16 de Março deste ano, decorreu em Cannes, França, um dos maiores eventos imobiliários internacionais, o MIPIM, no qual os municípios do Porto, de Gaia e de Matosinhos participaram conjuntamente, enquanto “Greater Porto”. Neste evento, atores públicos, promotores privados, fundos de investimentos, banqueiros, investidores e planeadores encontraram-se à porta fechada para negociar o futuro das nossas cidades de acordo com os interesses do capital internacional.
A representação dos nossos municípios nesse encontro pautou-se pelo anunciado objetivo de “promover e atrair investimento para a região”, o que, na prática, se traduz em orientar o planeamento e investimento público para servir os interesses privados dos poucos que se fazem representar neste encontro. E, entre inúmeros exemplos desta lógica de atuação, podemos aqui lembrar o que aconteceu em Campanhã a propósito da demolição do Bairro S. Vicente de Paulo, para clarificar quem é servido com estas “promoções”: expulsaram-se os moradores do bairro para oferecer o terreno a privados, a troco de algumas habitações que já não alojaram os moradores iniciais, enquanto se assegurava a valorização monetária do terreno agora privado, com investimento público na qualificação de espaços públicos e redes de transporte envolventes.
E é assim que a população é sistematicamente excluída da discussão e decisão sobre a transformação da sua cidade: por um lado, os seus interesses não são tidos em conta -na distribuição de equipamentos, na qualificação da rede de transportes e de espaços públicos, etc.-, por outro, contém-se a indignação popular, que poderia forçar mudanças, com a criação de uma narrativa que encobre os reais beneficiados com o investimento público. Veja-se a frequência com que os municípios financiam e promovem projetos que, mascarados de renovações urbanas ou sob a forma de pólos culturais ou tecnológicos, resultam em despejos forçados de quem trabalha e vive na cidade, para simplesmente manter casas vazias -devolutos a funcionar como depósito de valor- ou para substituir esta população por outra com mais poder de compra -num processo claro de gentrificação.
Para a alta finança a cidade é vista como um conjunto de ativos financeiros que pode explorar de uma forma extrativista e absolutamente predatória: para alguns poderem lucrar muito com o mercado imobiliário, deixamos morrer as cidades com a desertificação ou turistificação dos territórios melhor infraestruturados. O uso das casas para outros fins que não os habitacionais é o que provoca uma escassez fictícia dos recursos que impossibilita o cumprimento do direito à habitação. E a distribuição da habitação estar entregue a um mercado desregulado, limitando o acesso a quem mais paga por ela, é o que provoca uma segregação espacial em função do rendimento que impossibilita o cumprimento do direito à cidade.
Como tal, temos de exigir que se acabe com o agravamento das assimetrias nas relações de poder: não podemos continuar a desregular para servir quem tem mais, não podemos permitir que se continuem a criar benefícios fiscais para os mais ricos, não podemos admitir uma gestão tecnocrática que esconde as suas decisões políticas atrás de conceitos e lógicas propositadamente complexas e inacessíveis, comprometendo a participação da população.
É nesse sentido que, ainda que não nos surpreenda, nem seja uma novidade, consideramos lamentável que os municípios do Porto, de Gaia e de Matosinhos se tenham mostrado confortáveis em participar no MIPIM, um encontro de promoção de especulação imobiliária e urbanística que fomenta um planeamento urbano anti-democrático. E, por isso, reivindicamos que se tornem públicos os projetos aí apresentados e as discussões e decisões tomadas. Mas, acima de tudo, importa exigir o fim deste modo de construir a cidade. É necessário iniciar um caminho de democratização do planeamento urbano, com o objetivo de assegurar uma política pública de habitação digna e de qualidade que priorize as situações mais urgentes e as pessoas mais vulneráveis ou que mais sofrem exclusão habitacional. Precisamos de diretrizes urbanas voltadas, não para a limpeza e turistificação do território, mas sim para a dignidade, centralidade e autonomia de toda a população.
Contra um poder internacional organizado que lucra com a miséria de muitos, estamos aqui, Habitação Hoje, enquanto organização do Porto que também luta pelo direito à habitação internacionalmente, enquanto membro da Coligação Europeia pelo Direito à Habitação e à Cidade (EAC). Contra este poder saímos à rua no passado dia 1 de Abril, em várias cidades do país, e um pouco por toda a Europa entre os dias 25 de Março e 2 de Abril, porque queremos ser nós a decidir sobre as nossas vidas e, portanto, também sobre as nossas cidades. Mas a luta continua, todos os dias, na rua, facilitando o acesso a informação que densifique a luta e promovendo a organização coletiva popular.
-Sobre Habitação Hoje-
A Habitação Hoje é uma organização do Porto que luta pelo cumprimento absoluto do Direito à Habitação e para isso trabalha em duas frentes. Nas ruas e nos bairros, junto de quem é mais afectado pela falta de acesso a uma habitação digna e no estudo e desconstrução das políticas que nos trouxeram até aqui.