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Opinião de Leonor Rosas

É doutoranda em Antropologia no ICS onde estuda colonialismo, memória e cidade. É licenciada em Ciência Política e Relações Internacionais na NOVA-FCSH. Fez um mestrado em Antropologia na mesma faculdade. É deputada na AM de Lisboa pelo Bloco de Esquerda. Marxista e feminista.

As coisas que temos de voltar a fazer

Nas Gargantas Soltas de hoje, Leonor Rosas fala-nos da nova Administração Trump e da sua obsessão com a reposição de uma “verdade histórica” e combate a ideologias que “degradem valores americanos”, e discute a possibilidade de voltarem a ser postas de pé estátuas a generais confederados ou a supremacistas brancos que há cinco anos haviam sido derrubadas.

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Numa recente ordem executiva, Donald Trump afirma querer restaurar a “verdade da História Americana”. Entre os vários delírios que lá encontraremos, podemos ler a censura a exposições que “degradem valores americanos”, que “reconheçam homens como sendo mulheres” ou que contenham referências ao racismo como fenómeno estruturante da história dos Estados Unidos. Estas ordens parecem ter dois objetivos bem explícitos: combater a “reescrita da história” e “celebrar a grandeza americana”. Entre estas propostas, uma salta-me à vista: restore Federal parks, monuments, memorials, statues, markers, or similar properties that have been improperly removed or changed in the last five years to perpetuate a false revision of history or improperly minimize or disparage certain historical figures or events. Com esta frase, Trump propõe-se, ao que parece, a fazer regressar as sinistras estátuas de generais confederados e personagens racistas que foram, em 2020, corajosamente empurradas dos seus pedestais por milhares de ativistas antirracistas.
Vou falar-vos destas estátuas. Oito minutos e quarenta e seis segundos: o tempo durante o qual Derek Chauvin, polícia de Minneapolis, no dia 25 de maio de 2020, teve o seu joelho sobre o pescoço de George Floyd, causando a sua morte. O seu assassinato causou uma onda inaudita de protestos antirracistas por todo o mundo que rapidamente tomaram formatos iconoclastas. Por todo o mundo, as estátuas de figuras racistas começaram a cair. Estima-se que entre maio e outubro de 2020, na sequência dos protestos a propósito do assassinato de Floyd, mais de cem estátuas tenham sido derrubadas. Nos EUA, os monumentos aos militares confederados Robert E Lee, Stonewall Jackson e Jefferson Davis - já visados por protestos em momentos passados - voltaram a ser alvo dos manifestantes. Estes foram derrubados, removidos, pintados, pontapeados e até linchados. Curiosamente, a maior parte destas estátuas derrubadas havia sido construída, não nos anos seguintes à Guerra Civil, mas no pico da força do Civil Rights Movement. Elas não representam - nem agora, nem na altura da sua construção - uma suposta verdade ou autenticidade histórica, mas uma afirmação simbólica violenta num momento de avanço dos direitos dos afroamericanos.

As estátuas não são a História, muito menos a verdade. São uma seleção cuidadosa de uma narrativa sobre o passado que invade o dia-a-dia, que nos convence de que há corpos dignos de celebração e outros não, que nos dita arrogantemente quem tem direito a fazer parte do panteão de heróis da nação e quem são os outros. A memória do passado não paira sobre os nossos tempos: ela é produto da ação e da reação, das forças que se digladiam pelos relatos sobre o passado e para fazer valer histórias excludentes ou plurais, ela é ação e representação. Em 2020, fomos obrigados a olhar para estas estátuas e a constatar que estávamos cercados pelo tributo acrítico ao racismo, ao colonialismo, à escravatura e à supremacia branca - quer seja nos EUA ou na Europa. As estátuas não são a história, repito, - são uma história, uma ficção, uma encenação. Depois de um momento de avanço revolucionário na luta pela memória, chega agora a mais bafienta reação, amedrontada pelo questionar da supremacia racista e patriarcal e apoiada pelas mais parasíticas elites económicas.
A memória é sempre um campo de batalha sobre o futuro. Se há cinco anos vimos estátuas caírem e o consenso racista posto firmemente em causa, vemos agora os racistas a voltarem a erguer-se impunes, no topo dos seus pedestais. Um Presidente fascista senta-se na Casa Branca. Quer apagar a palavra mulher, quer deportar pessoas migrantes, quer travar o caminho para a igualdade étnico-racial, quer furar o planeta à procura de lucro infinito.
As estátuas caídas que voltarão aos seus pedestais podem ser apenas uma metáfora. Pela sua imposição no espaço público, são sempre metáforas poderosas e apetecíveis. Fazem-me pensar em todas as coisas que teremos de voltar a fazer. Que não pensamos que teríamos de fazer novamente. Coisas que temos de voltar a deitar abaixo. Achávamos que estava feito, terminado. O fascismo não ia voltar assim, tão súbito e implacável. Cá eu, admito o meu engano. Não pensei ter de escrever sobre racistas de volta aos seus plintos. Não pensei ter de falar sobre a perseguição aos estudos e investigações sobre mulheres. Não pensei que tudo isto atravessaria o Atlântico e que por toda a Europa começassem a chegar aos governos estes sinistros partidos de extrema-direita ao mesmo tempo que o status quo liberal nos prepara para uma grande guerra. Não pensei, ingenuamente, que viriam tão rapidamente atrás de tudo isto. Que o tabuleiro da disputa pela memória dos fascismos e ditaduras do século passado se virasse tão subitamente. Que teríamos de lutar por tanta coisa novamente. Não pensei. Mas assim são as coisas que temos de voltar a fazer.

As posições expressas pelas pessoas que escrevem as colunas de opinião são apenas da sua própria responsabilidade.

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