Quantas vezes te perguntaste sobre os privilégios que tens? Sabes em que lugar começaste a corrida ao acesso à saúde, à educação à cidadania? Ou será que para ti nem é uma corrida, mas sim um passeio no parque? Sabes de que lugar estás a ver o mundo quando falas sobre ele? O que sabes tu sobre o lugar da outra pessoa com que estás a falar sobre o mundo?
Muito se fala de interseccionalidade, de opressões múltiplas, de diversidade e de como somos tão diferentes entre nós, ao mesmo tempo que (supostamente) temos direitos iguais.
Por outro lado, pouco se fala de sistemas de poder, de poder instituído e das negociações que acontecem no sentido da manutenção deste poder e destas opressões. Ou seja, o que é que tu tens de fazer para conseguires aceder ao que é considerado normal, natural? Quando falo de negociar, quero dizer: alisas o cabelo para ter acesso a um determinado trabalho? Tiras a tua fotografia ou não incluis a tua morada no currículo quando te candidatas a um emprego? Ouviste a tua vida toda que um dia vais ter filhos e que para casar tens de saber arrumar, limpar e cozinhar? Vives com medo de que se souberem que vives uma relação amorosa com uma pessoa do mesmo género possas vir a perder o teu trabalho ou que a tua família te abandone? O que é que tu não podes fazer, à partida, por seres quem és? Somente?
Nomeamos pouco o poder instituído, sabemos que existe Governo, que existem Bancos, falamos de Capitalismo e Liberalismo, por vezes de Patriarcado e Sexismo, Racismo e Xenofobia, exatamente nestas combinações, mas muito poucas vezes as interligamos e percebemos o que implica na prática, ou seja, como a vida das pessoas, no geral e especificamente, é afetada por não corresponderem a normas de classe, género, identidade, raça, capacidade física, mas não só e tantas outras que nos faltam palavras para definir.
Ensinam-nos que todas as pessoas são iguais. Que os direitos que eram do homem são afinal direitos humanos. Por isso, que todas as coisas que nos diferenciam não são, ou será que não deveriam ser, motivos para sermos vítimas de discriminação, preconceito e violência. Mas ensinam-nos pouco a saber perceber as diferenças e, ao mesmo tempo, as complexidades de cada pessoa. Que uma pessoa negra, lésbica, gay, trans pode também ser praticante de uma religião que é patriarcal, sexista e colonial ao mesmo tempo que é ativista pelos direitos de pessoas LGBTI. Que uma pessoa que use cadeira de rodas e esteja a lidar com uma depressão seja também autora do livro mais vendido sobre inteligência artificial e poesia.
Quando nos esquecemos das complexidades de cada pessoa, esquecemo-nos de que também nós somos tantas coisas que não se veem a olho nu, que não se descobrem na lista de comentários a uma postagem de Facebook. Quando perdemos a capacidade de diálogo, de conhecer para além do que é o nosso entendimento e visão, perdemos também a capacidade de crescer e de nos tornamos também nós mais, maiores e melhores a ser nós próprios, próprias, própries.
-Sobre Alexa Santos-
Alexa Santos é formada em Serviço Social pela Universidade Católica de Lisboa, em Portugal, e Mestre em Género, Sexualidade e Teoria Queer pela Universidade de Leeds no Reino Unido. Trabalha em Serviço Social há mais de dez anos e é ativista pelos direitos de pessoas LGBTQIA+ e feminista anti-racista fazendo parte da direção do Instituto da Mulher Negra em Portugal e da associação pelos direitos das lésbicas, Clube Safo. Mais recentemente, integrou o projeto de investigação no Centro de Estudos da Universidade de Coimbra, Diversity and Childhood: transformar atitudes face à diversidade de género na infância no contexto europeu coordenado por Ana Cristina Santos e Mafalda Esteves.