Será que a voz única da História é de facto única? Ou as narrativas que todas as pessoas dão por certas são só as que foram escolhidas por diversas circunstâncias - sociedade, poder, moral, etc?
Quando olhamos para a nossa cultura como ela é - e em específico para a nossa cultura visual, as imagens que nos rodeiam desde a publicidade mais simples à obra de arte mais complexa - podemos ver que há determinadas coisas em destaque e outras que hoje em dia são consideradas detalhes irrelevantes ou são mesmo esquecidas.
Porque é que assim é? Porque é que vemos ainda poucas mulheres artistas nos museus e por norma só as temos mais presentes no século XX? Como é que não conhecemos artistas plásticos negrxs ou asiáticxs? E identidades não heteronormativas nos círculos artísticos, lembramo-nos de alguém?
O que é que impediu estes "outros" nomes de estarem mais destacados nos registos da História e de terem o seu trabalho celebrado ao lado de figuras como Picasso? E porque é que os “génios”, que é uma figura bastante questionável na sua história pessoal e de trabalho, são considerados figuras brilhantes e sem mácula?
Na cultura visual actual foram-se consolidando determinadas ideias e ideais que ajudaram a dar forma a tudo aquilo que se vê e que se cria, e como nós recepcionamos o que se vê - como por exemplo a ideia do Nú, que segue princípios específicos (e já agora, nunca se perguntaram porque é que a maioria dos nús são femininos?); ou a existência de um olhar universal em que todxs estamos inseridos.
Estas ideias têm sido questionadas nas últimas décadas por várias vozes dentro e fora dos espaços de produção artística e académica (Maura Reilly, a “mãe” do Activismo Curatorial; ou Linda Nochlin, autora do ensaio “Porque não houve grandes Mulheres Artistas?" são dois exemplos).
Nestas vozes entendemos a necessidade de desconstruir estes paradigmas do passado que ainda ditam as regras para mostrar que as cabeças criativas não só são, como eram de facto diversas num passado mais escondido - como as histórias de artistas como Mary Beale, Josefa D’òbidos ou Lavinia Fontana, Edmonia Lewis ou Claude Cahun; e de novos pensamentos sobre curadoria e na teoria artística que vêm expandir as possibilidades no que toca a que histórias são contadas, como são contadas e por quem.
Exemplos destas formas de ver cultura visual são a introdução de vozes e experiências diversas na elaboração das narrativas de museus como o Museum of Us, os projectos curatoriais de Owkui Enwezor ou Harmony Hammond, ou o trabalho feito para a exposição “Género na Arte. Corpo, Sexualidade, Identidade, Resistência” no Museu Nacional de Arte Contemporânea - Museu do Chiado, o que prova que estas mudanças não são só lá fora, também passam pelas cidades e instituições culturais em Portugal.
-Sobre Colectivo Faca-
Andreia Coutinho e Maribel Mendes Sobreira são o núcleo duro do Colectivo FACA, formado em 2019. Este é um projecto de curadoria e cidadania ativa que surge da necessidade urgente de re-contar a História, pois a narrativa predominante não coincide com as realidades individuais e coletivas que sempre foram desconsideradas nesse processo.
O grupo pensa acerca das temáticas do feminismo, colonialismo, racismo, LGBTQI+ e não-normatividade em geral nos espaços museológicos. Refletem sobre o facto de todas estas questões terem a mesma raiz, um preconceito em relação àquilo que não é igual a nós, fazendo-nos sentir ameaçados, ramificando-se em temas considerados marginais.
Colectivo Faca é formador do curso "A outra história da cultura visual" que decorre nos dias 2, 3 e 4 de agosto na Academia de Verão Gerador 2021.