Eu faço parte da enorme massa de pessoas, arriscaria mesmo: a grande maioria, que não teve uma referência marcante de ensino. Nunca me senti propriamente estimulado, não me recordo de ter um professor transformador, que me abrisse os olhos, em tempo algum fui confrontado com a necessidade de reflectir cuidadosamente sobre o meu futuro.
A culpa pode ser minha, naturalmente. A juventude traz-nos imensas provocações a que nos podemos amarrar e é simples que outros interesses sobressaiam quando em competição com a escola. A culpa também podia ser dos professores. Mas todos eles têm demasiadas tarefas em que se concentrar, demasiados estudantes para se aproximarem, demasiados trabalhos para corrigirem.
A educação parece mais concentrada em garantir que a máquina de ensino continua a carburar, independentemente de já estar velha, desatualizada e de constantemente precisar de remendos, do que em encontrar alternativas. O que tem consequências irremediáveis no indispensável objectivo da educação numa sociedade moderna: servir de principal elevador social.
Hoje o ensino é, acima de tudo, um ritual. Um período da vida pelo qual temos obrigatoriamente de passar. Onde vamos aprender, naturalmente, mas que dificilmente iremos ousar. É uma etapa quase automática, porque não a questionamos. Aceitamos o seu modelo, a sua duração, as suas disciplinas, a sua organização, as suas insuficiências.
Ser professor hoje é desafiador. O estatuto de professor foi desvalorizando ao longo do tempo. Nos dias que correm não será muito atrevido afirmar que a sociedade valoriza de uma forma diferente engenheiros, médicos, cientistas, advogados ou gestores. Aliás, isso é notório quando tentamos apurar a quantidade de vezes que ouvimos jovens dizer “o meu sonho é ser um professor quando for grande”.
A estrutura escolar é outro desafio. Continuamos a deixar que a revolução industrial sirva de inspiração, arrumando os estudantes em linhas de montagem, alternadas por campainhas que marcam a rotação das disciplinas, lideradas por chefes que emitem ordens que não devem ser refutadas.
Mas, acima de tudo, continuamos focados numa aprendizagem que entrega conhecimento em vez de entregar capacidade de pôr em causa. Obrigamos quem estuda a decorar momentaneamente em vez de ser um pensador livre para sempre. Não se dão ferramentas para sermos criativos e sabermos adaptar-nos a um futuro com profissões que ainda não foram inventadas.
Por vezes são necessários momentos de disrupção para fazer mudanças. É efectivamente difícil alterar uma dimensão tão extensa e complexa como a educação, partindo de dentro. Porventura precisamos de uma fratura externa que nos empurre a recomeçar do zero.
O colossal azar da pandemia representou (e ainda representa), nesse sentido, uma oportunidade. Não me parece que nos próximos anos tenhamos, novamente, períodos sem aulas, sem alunos, professores e técnicos a cumprir as suas tarefas diárias.
Apesar de ter sido necessário a introdução de mudanças rápidas, e com consequências estruturais, ligadas, essencialmente, à dimensão digital, não creio que se esteja a aproveitar estes tempos para procurarmos novos caminhos. Pelo menos no que diz respeito à educação clássica. Mas vejo outros protagonistas não formais a tentar encontrar soluções excitantes.
No Gerador, por exemplo, tentamos explorar novas direções regularmente, tendo em conta que a educação é um dos pilares da nossa actividade. Recentemente lançámos a Academia de Verão, uma nova experiência de ensino que agrega formação em aula, com acesso a instrumentos de conhecimento, a conteúdos exclusivos e a ações presenciais provocadoras.
Temos connosco formadores únicos, capazes de criar momentos de ruptura e reflexão, como o Pedro Coelho, grande repórter da SIC, o Francisco Ferreira, presidente da ZERO, Gisela Casimiro, escritora e activista, Luca Argel, cantautor carioca residente em Portugal, Paula Cardoso, jornalista e fundadora do Afrolink, Alice Bonnot, curadora independente, Pauliana Pimental, fotógrafa e artista visual, Nuno Varela, uma referência como pensador de hip-hop, e a Andreia Coutinho e Maribel Mendes Sobreira, o núcleo duro do Colectivo FACA.
Esperamos contribuir um pouco para partir cabeças.
Texto escrito ao abrigo do antigo Acordo Ortográfico
-Sobre Tiago Sigorelho-
Tiago Sigorelho é um inventor de ideias. Formado em comunicação empresarial, esteve muito ligado à gestão de marcas, tanto na Vodafone, onde começou a trabalhar aos 22 anos, como na PT, onde chegou a Diretor de Estratégia de Marca, com responsabilidades nas marcas nacionais e internacionais e nos estudos de mercado do grupo. Despediu-se em 2013 para criar o Gerador.
É fundador do Gerador e presidente da direção desde a sua criação. Nos últimos anos tem dedicado uma parte importante do seu tempo ao estreitamento das ligações entre cultura e educação, bem como ao desenvolvimento de sistemas de recolha de informação sistemática sobre cultura que permitam apoiar os artistas, agentes culturais e decisores políticos e empresariais.