Enganado está quem pensa que o Centro de Arte Contemporânea de Coimbra (CACC), inaugurado a 4 de julho de 2020, é o primeiro da cidade. Até 12 anos antes, era o Pavilhão Centro de Portugal que acolhia, com o apoio da Fundação de Serralves, inúmeras programações voltadas aos artistas da atualidade. O espaço tornou-se sede da Orquestra Clássica do Centro e a abordagem contemporânea, que seguiu como aposta nos museus municipais, ganhou um novo centro precisamente no Dia da Cidade.
No que diz respeito à cultura, enfatizar um histórico local ligado à arte contemporânea e com relevância para a evolução nacional da corrente está entre os principais objetivos da Câmara Municipal de Coimbra. Segundo os seus dirigentes, a estratégia passa pela cooperação entre as diversas entidades públicas e privadas responsáveis por estimular os artistas da cidade – um caminho aberto depois da fundação do Círculo de Artes Plásticas de Coimbra (CAPC), em 1958.


Ao Gerador, Elisabete Carvalho, Chefe da Divisão de Museologia do município, explica que, com ou sem um ambiente exclusivo para as manifestações contemporâneas, projetos que ultrapassam o “caráter mais documental da arte consagrada” tiveram sempre lugar e boa audiência. “Desenvolvemos uma exposição, na viragem do século, sobre os grandes pintores portugueses do século XX e ficámos surpreendidos que, pela primeira vez, os catálogos, que [naquela altura] eram vendidos, esgotaram”, recorda.
Organizar mostras de artistas locais impulsionadores do cenário nacional é igualmente uma constante preocupação da autarquia. A próxima homenageada do Museu da Cidade de Coimbra, adianta-nos Elisabete, será a transmontana Túlia Saldanha, que iniciou na cidade universitária o seu percurso nas artes e assumiu a direção do CAPC nos anos 70, fortalecendo a internacionalização e a interação com o público.
Aos munícipes também é permitido o envio de propostas expositivas, concentradas na pequena Galeria Almedina, idealizada para servir como balão de ensaio da componente do espaço museológico. Para a chefe de divisão, a arte contemporânea não se resume a autores renomados e interessa mesmo a visibilidade dos processos criativos que “lançam à discussão as questões que fazem parte do nosso dia a dia”.


Uma entidade agregadora
O CAPC, a mais antiga instituição portuguesa de arte contemporânea, define, em 2015, uma nova fase de dinamização da área em território conimbricense com a produção da Bienal Anozero. Elisabete assinala que o sucesso do evento foi essencial para a abertura, cinco anos mais tarde, do novo centro, um “marco político” para a integração da cidade no circuito artístico do país.


É com esta inserção em mente que o CACC prepara agora a sua candidatura para a Rede Portuguesa de Arte Contemporânea do Estado, cuja fase de adesão será lançada em setembro. Além disso, está prevista a renovação de um edifício ainda não divulgado para abrigar as mais de 500 obras que compõem a atual coleção e próximas exposições. Do que nos pôde falar, a dirigente assegura que a localização vai manter-se na Baixa e ganhar uma dimensão orçamental “extraordinária”.
Chefe da Divisão de Cultura e Promoção Turística de Coimbra, Paulo Pires destaca, por sua vez, o grupo de trabalho criado pelo novo executivo em torno do ecossistema da arte contemporânea. Num conjunto que pretende crescer em participantes, a Casa das Artes Bissaya Barreto, a associação Casa da Esquina, o CAPC e o Centro de Artes Visuais (CAV) são os agentes que, junto ao Museu Municipal de Coimbra e ao CACC, procuram reunir os seus esforços de forma horizontal, propor e aprofundar convergências estratégicas e dar suporte às programações e inscrições em financiamentos nacionais e estrangeiros. “[Almejamos] uma ação concreta no território e não apenas ficar pelo diálogo de reflexão”, diz.
A contribuição da cidade no PARTE Summit, acolhendo o primeiro fim de semana da cimeira, configura mais uma abordagem do seu investimento no estilo vanguardista, centrada na cooperação para o chamado turismo de arte. O projeto pretende, segundo Paulo, apresentar os artistas, curadores e mediadores portugueses às grandes figuras da cena internacional da arte contemporânea, sem esquecer as dinâmicas e equipamentos que existem no país - algo em que Coimbra tem uma posição "muito relevante a marcar".
“O importante do turismo cultural não é a receita que gera diretamente à cultura, mas sim todas as outras dinâmicas que são criadas e a própria difusão do conhecimento da cidade”, afirma Elisabete, reforçando o objetivo da autarquia em ser uma entidade agregadora das potências artísticas locais. “Ainda não temos o tal grande centro de arte contemporânea, mas temos várias instituições com trabalho regular e com ofertas muito diversas”, complementa.
Os desafios da mediação
Também a associação Encontros de Fotografia, ligada ao CAV, está entre os agentes relevantes para a história portuguesa da corrente em questão. Desde 2003, dá continuidade à missão do festival conimbricense de mesmo nome, dedicado à divulgação dos nomes emergentes na produção fotográfica entre os anos 80 e 90.


O diretor Albano Silva Pereira reconhece a boa vontade da Câmara Municipal de promover parcerias “sólidas e criativas” e deseja, no próximo ano, intensificar o programa de colóquios paralelos às exposições. No entanto, uma vez que o espaço perdeu metade dos financiamentos que possuía no início da atividade, insiste agora na necessidade de uma maior participação autárquica para suprimir as “deficiências do passado”.
Já a associação Casa da Esquina aponta um crescente apoio municipal às suas iniciativas. Fundada em 2007 como uma incubadora de projetos em diferentes áreas de intervenção, o trabalho em rede está na sua identidade.
Nas artes plásticas, as coordenadoras e programadoras Filipa Alves e Sandra Alves destacam a proposta de curadoria de Carla Cruz, "All My Independent Women", que reuniu 40 artistas em palestras e performances sobre o livro Novas Cartas Portuguesas; e o Marquise, ação voltada à ilustração e ao desenho contemporâneo.
Em concordância com a estratégia da cidade, é através do território que a Casa da Esquina se conecta com a vertente social e vai ao encontro das aspirações e preocupações da comunidade. A associação enfatiza as ligações que estabelecem com os jovens, famílias e escolas: “o diálogo com as comunidades educativas ajuda-nos a pensar e identificar novas formas de abordagem de diferentes públicos, sobretudo na aposta em projetos comunitários”, explica-nos Filipa.




É precisamente na educação, e principalmente do público infantil, que Élia Ramalho, professora, pintora e idealizadora dos espaços Salão da Frida Kahlo e Atelier A Fábrica, defende estar o maior desafio. “Está a acontecer agora um movimento que vai marcar a história de arte em Coimbra daqui a uns anos”, admite a artista, constatando um “borbulhar” de projetos locais – o momento ideal para investir num contacto direto da arte contemporânea com os alunos e professores.
Envolvida em iniciativas da Universidade de Coimbra como a Semana Cultural e o Ciclo de Artes Performativas Mimesis, Élia também foi convidada na programação convergente da última edição da bienal. Dada a complexidade da leitura de uma manifestação artística multidisciplinar, a pintora elogiou o que considerou ser um exemplar serviço educativo durante o evento do CAPC. “Este ano, mais do que nunca, a bienal e os artistas estiveram no meio das pessoas. Mesmo que as pessoas não procurassem as exposições, a bienal já estava no meio delas”, afirma.
A mediação e “descomplicação” da matéria já está, de acordo com Paulo Pires, na lista de prioridades do novo executivo. Elisabete Carvalho vai além e comenta a parceria com o Plano Nacional das Artes (PNA) na formação de professores da região e na adaptação dos programas direcionados à infância.
Tradição versus contemporaneidade
Na opinião da responsável pelos museus municipais, a forte tradição académica de Coimbra está longe de ser um entrave para a disseminação de ideais vanguardistas. Prova disso é a atividade, desde 2016, do Colégio das Artes da universidade e a criação de cursos essenciais para remediar uma deficiência de recursos humanos na área. “[É preciso] dar lugar aos novos profissionais que se vão formando, que depois não têm lugar nas infraestruturas, porque [estas] vão-se sempre remediando com situações precárias”, diz Elisabete.
Contraditoriamente, é na população estudantil que a dirigente identifica a maior dificuldade de acessibilidade, ainda que exista na cidade uma rica oferta de artes plásticas e cinema, como exemplifica. “Isso revela um sintoma que é o público universitário não estar desperto para essas questões”, ressalta ao alegar que instituições baseadas no associativismo como o CAPC seriam muito difíceis de se originar atualmente. Elisabete conclui que “era importante estimulá-los para esta abordagem e não serem tomadas decisões importantes a nível da história da humanidade por um erro crasso de falta de conhecimento”, frisando que esta é igualmente uma linha de trabalho com o Plano Nacional das Artes.