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Bienal Internacional de Joalharia Contemporânea: um espaço de autorreflexão e de proteção

Março de 2020. Portugal enfrentava a chegada da covid-19 e, posteriormente, o temido confinamento. Paralelamente,…

Texto de Isabel Marques

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Março de 2020. Portugal enfrentava a chegada da covid-19 e, posteriormente, o temido confinamento. Paralelamente, na Associação Portuguesa de Joalharia Contemporânea, surgia, a par do sentimento profundo de medo e incerteza, um novo desafio: o desenvolver de uma joia/objeto de proteção para o séc. XXI.

Assim sendo, durante dois meses, 30 artistas foram convidados a pôr mãos à obra e a criar peças que demonstrassem a relação simbiótica entre a arte da joalharia contemporânea e a proteção.

Surpresa das surpresas, e o que se viria a descobrir com o tempo, é que com este desafio nasceria o tema da 1.ª Bienal Internacional de Joalharia Contemporânea, em Lisboa, de 16 de setembro a 20 de novembro. O grande objetivo da Bienal seria assim o de motivar o estudo da história da joalharia e o de estimular a joalharia contemporânea, criando novos contextos expositivos e promovendo o encontro e o intercâmbio entre investigadores, curadores, artistas e estudantes, entre si e com o público nacional e internacional.

Face ao desafio, o Gerador esteve à conversa com dois dos convidados, Filomeno Sousa e Typhaine Le Monnier, acerca das principais motivações de integrar este projeto. Ao longo da conversa, os artistas procuraram ainda refletir acerca do futuro da joalharia contemporânea, em Portugal.

Gerador (G.) – Estávamos em março de 2020 quando a PIN lançou, no início do confinamento o desafio a 30 artistas de desenvolver uma joia/objeto de proteção para o século XXI. Neste caso, ambos foram escolhidos. Como é que encararam este desafio numa fase inicial?

Filomeno Sousa (F. S.) – Era uma coisa em que eu acreditava. Apesar de não dar muito valor a isso, há pequenas coisas que interpreto como sinais. Por exemplo, eu acredito que se vir um gato preto me vai dar sorte, ao contrário dos outros. Eu entendo aquilo como uma coisa benéfica para esse dia ou então para aquilo que esteja no meu pensamento naquele momento. São uma espécie de talismãs, digamos assim. Eu antes de ir para o Algarve usava muitos blazers e em quase todos os bolsos tinha uma fotografia, uma moeda ou uma pedrinha. E era engraçado que quando estava a falar com as pessoas ou mesmo só a caminhar eu punha a mão no bolso, sentia o toque daquela coisa, que me surpreendia, que já me tinha esquecido que a tinha lá. Isso parecia que me dava alguma força, como as pessoas gostarem de ter um crucifixo ao peito e quando precisam de ter um pensamento mais positivo seguram nele e dão-lhe um beijinho. Eu sempre fui de acreditar nestas coisas.

Typhaine Le Monnier (T. L. M.) – Numa etapa inicial aquilo despertou a minha curiosidade. Foi muito bom, muito motivador, porque pude pensar em outras coisas e focar a minha atenção no exercício prático. Permitiu-me mesmo sair desta rotina sufocante do confinamento.

G. – Na altura a cumprir confinamento foi fácil o processo de inspiração?

F. S. – Em relação a este projeto, confesso que estava com alguma depressão. Primeiro, porque estou numa idade de risco e com um nível de saúde arriscado. Depois, tudo podia acontecer… Via muitos telejornais, lia muitos jornais e estava um pouco apavorado de ver tantas pessoas a morrer por dia. Eu tinha até medo de sair à rua. Então, pensava em coisas e o que haveria de fazer… Felizmente, tinha mudado de casa há pouco tempo e a casa era assim uma novidade e foi-me ocupando. Mas, em relação à minha mente, e quando anoitecia, eu ficava assustado. Aliás, eu sonho muito, mas raramente me lembro do que sonhei.

Curiosamente, houve uma noite em que vi uma imagem de uma forma geométrica branca, muito luminosa, e eu devo ter acordado minutos depois e o meu cérebro passou do subconsciente para o consciente essa imagem. Eu senti que tinha necessidade de me agarrar àquela coisa, àquela imagem, e não me lembrava. Mas ela persistiu e não conseguia deixar de a visualizar.

O trabalho que eu gosto de fazer é de caráter conceptual, são formas que não surgem de conceitos estéticos, mas sim de conceitos emocionais. Eu pensei que não queria perder aquela imagem, então decidi interpretá-la com as técnicas e materiais dos ourives.

T. L. M. – A minha inspiração adveio logo do tema da proteção. Chamou-me a atenção, fiquei interessada em saber até que ponto é que uma joia se poderia transformar num objeto de proteção. Eu gosto de questionar o uso da joia no meu trabalho. A dinâmica do design com o corpo.

Assim sendo, parti de um ponto de vista simples: um círculo à volta do pescoço, uma linha simples de um colar, e até que ponto a poderia estender para criar uma proteção, quais são as delimitações entre o objeto e os outros. Então, joguei um bocadinho com este círculo, fui experimentando, e o facto de estar em casa proporcionou-me o recurso a outras mecanismos mais complexos.

G. – Que peça optaram por construir? Podem-nos falar sobre o processo de construção da mesma?

F. S. – Já que a imagem que sonhei era um material brilhante, branco, achei que a prata seria o material ideal. Fui ver aos meus materiais e tinha uma chapa de prata de espessura de 0.8 e primeiro fiz o desenho em papel, com a régua desenhei em cima da própria placa e comecei a serrar com uma serra muito fina. É curioso que este tipo de serra se parte muito, mas eu consegui fazer aquele recorte exterior e interior, daquela peça que tenho, sem ela se partir. Senti que aquilo era mais um sinal que tinha de fazer aquela peça. Então, terminei-a, dei-lhe uns acabamentos e estive com ela no bolso. Acima de tudo, senti que aquela peça era algo em que eu acreditava.

Reparei que a peça era formada por duas cruzes e fazia-me lembrar até uma janela. Parecia que tudo se encaixava. A janela é sinal de liberdade, de abertura, de transparência, entrada de luz e as cruzes eram algo em que eu acreditava.

Aquele desenho entrou em mim. Tocou. Uma verdadeira uma paixão…

"Dorsal", objeto de proteção sobre a mão de Filomeno Sousa

T. L. M. – A minha peça foi um colar viseira. Na altura, já tinha estes círculos de aço, explorei com os papéis que tinha em casa, explorei também a pele para contacto e proteção, mas não funcionava. Então, estava sentada na minha mesa e comecei a conjugar o papel, no interior, com o arame de metal. Ali comecei a criar um volume. Aquilo interessou-me e comecei a pensar em tentar desviar a viseira, mas inverter uma viseira por um colar. Foi um certo desvio do próprio uso da viseira para falar acerca deste meio da joalharia.

Viseira/ Colar; Aço, lacado, acetato; 2020; Fotografia de Teresa santos

G. – Sendo este desafio relativo à joalharia contemporânea consideram que este tipo de arte é valorizado em Portugal?

F. S. – A verdade é que o tipo de joalharia que nós estamos a ver, em muitos casos, eu diria que é uma joalharia pobre. Pobre em relação aos materiais, técnicas e até em relação ao processo criativo. Há muita gente que vê uma coisa no chão, pendura num fio e diz que aquilo é um colar. Eu não sou desse tempo… Sou da velha guarda. Eu aprendi a fazer joalharia quanto tinha 11 anos, portanto comecei pelo lado técnico. Sou o primeiro oficial de joalharia, embora sempre a tenha feito com um design contemporâneo. Eu entendo que uma joia tem de ser arquitetada, tal como um edifício. Ela tem de ter um estudo, tem de respeitar a peça em conta e não ficar ao acaso de encontrar uma conchinha na praia e pôr um fio e dizer que aquilo é uma joia.

Pode ser interessante… Pode ser um amuleto, pode ser que até fique bem com o tom de pele, mas vamos ter princípios. Há excessos de facilitismo que estão a acontecer, e isso não é só em Portugal, mas sim uma tendência global.

T. L. M. – Obviamente tem de ser mais divulgada e mais conhecida porque ainda, nos dias de hoje, a maioria das pessoas precisa de descodificar o que fazemos. As pessoas não percebem, mas é normal e faz parte.

G. – Por onde poderia passar a solução?

F.S – Acho que as pessoas deveriam ter mais exigência e não é o público, mas sim as pessoas que fazem. Estamos muito numa fase em que qualquer coisa serve e pode ser só uma coisa para chamar a atenção. São coisas que não vão ficar na história porque não têm consistência criativa nem técnica.

T. L. M. – Temos de escrever, falar, sobre isto para podermos traduzir esta matéria aos outros. Para mim é uma outra forma de falar sobre a arte contemporânea.

Texto de Isabel Marques
Fotografia de Teresa Santos_2020: "Retrato Typhaine Le Monnier com viseira"

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