Maria José Cotrim não parece incomodada com os muitos festivaleiros que vão enchendo as ruas da sua pacata aldeia. Empoleirada numa minúscula janela que se encaixa na porta com o número 222, onde vive, mesmo em frente ao edifício da Junta de Freguesia de Cem Soldos, a aldeã sorri aos que passam, com um olhar de simpatia e curiosidade típico de quem percebe da arte de bem receber. Não fosse a idade já avançada, provavelmente saltaria para a rua com a mesma folia dos que vão chegando. É dia 12 de agosto e arranca hoje a 11.ª edição do Bons Sons, a festa que mais vida traz à aldeia do município de Tomar. A meio da tarde, sob temperaturas bem quentes, já se ouve música ao vivo. Já há copos a esvaziarem-se, caracóis (e outros petiscos) a serem servidos nas tascas e preços a serem regateados ao longo da feira de marroquinaria que se esgueira pelos becos.




Durante os quatro dias que dura o Bons Sons, os cerca de 650 residentes de Cem Soldos multiplicam-se e chegam para lá dos 30 mil. A aldeia é cercada para se transformar num recinto de festival, erguido pelos próprios habitantes e cerca de uma centena de voluntários, num espírito de comunidade que se nota em todas as experiências que adornam as ruas de Cem Soldos. “Vim viver a aldeia”, lê-se num espelho convexo que serve para dar visibilidade à encruzilhada das ruas. Ao circular por elas, deparamo-nos com outros espelhos, quadrados, suspensos nas paredes que desenham a aldeia, com expressões que nos falam diretamente: “És encontro”, “És caminho”, “És animal”, “És casa”.




Por entre as casas pintadas, na sua maioria, de branco e amarelo desgastados, somos ainda surpreendidos com frases retiradas de canções de artistas – portugueses, sempre – que têm escrito a história do Bons Sons. “Carteiro em bicicleta leva recados de amor” (de João Afonso) é uma delas. Menos percetível é a tradição que está por detrás destas frases: antigamente, os habitantes de Cem Soldos escreviam nas paredes frases de protesto político, que passaram depois a ter um cunho mais pessoal. Um hábito que se perdeu, por repreensão policial. Estas e outras histórias das vivências da aldeia podem ser escutadas durante o percurso sonoro “Cem Soldos para além do Bons Sons”, criado por Ana Bento e Bruno Pinto, especialmente para esta edição. O percurso é uma das atividades paralelas que há para degustar neste festival.




Há também dança, cinema, peças de teatro para toda a família, a rádio Miúdos, feita por crianças e emitida ao vivo durante todo o festival (com direito a reportagens e entrevistas). Fazem-se caminhadas com burros, concretamente o burro de Miranda, uma “raça dócil”, típica da região, que pode ser acariciada também no Curral. Está disponível também um percurso para dar a conhecer a fauna e flora de Cem Soldos, além das sessões de música para bebés, conversas e exposições que documentam os preparativos do festival, dando protagonismo a quem o constrói. Uma dessas mostras compõe-se por fotografias, expostas numa casa “sem teto”, em ruínas, numa ruela que desagua no largo principal da aldeia. Outra exibe-se em forma de vídeo, captado com tecnologia 360°, e pode ser visualizada ao espreitar para o interior das quatro caixas dispersas pela aldeia, onde se lê “Vem ver a aldeia”. Nas ruas, o senhor Hélder vai explicando e incentivando miúdos e graúdos a experimentarem os jogos que ele próprio concebeu a partir, essencialmente, de madeira, e que puxam ora pela estratégia mental, ora pela destreza física.




São estes passatempos que descrevem a essência dos Bons Sons. Esta afinca-se no trabalho que não se vê, de um coletivo que se junta, durante todo o ano, em prol de um objetivo comum. Cresce dessa labuta uma aura de familiaridade que envolve os festivaleiros e culmina numa comoção em grupo perante a principal estrela do festival: a música portuguesa – que este ano regressou à aldeia com toda a sua riqueza, uma palete de diversidade que vai do reggae ao fado, passando pelo baile, o punk rock, o folclore, o rap, o jazz, o funaná, a eletrónica, o experimentalismo, entre tantas outras tonalidades.




Em quantos palcos cabe a imensidão da música portuguesa?
A origem do Bons Sons remete-nos para 2006, a uma festa de aniversário da associação fundada em 1981 SCOCS (Sport Club Operário Cem Soldos), tendo evoluído entretanto para um dos festivais mais icónicos à escala nacional. Já lá vão 15 anos desde que a associação atribuiu o nome “Bons Sons” ao festival e o faz “habitar a aldeia”, sempre por esta altura do ano, com a proeza de nunca o ter feito perder a identidade, a sua ligação às raízes e aos próprios habitantes de Cem Soldos.




Pelo espanto dos músicos percebe-se que atuar no Bons Sons tem um gosto especial. Os concertos são interrompidos por confissões de arrepios e lágrimas. É como se estivessem a ser recebidos em casa. A casa da música portuguesa. Os artistas reúnem-se para almoçar e jantar na cantina do jardim de infância de Cem Soldos. Os que cá moram cedem as garagens e os anexos de suas casas para servirem de camarins aos músicos ou outros espaços que sejam precisos para que o festival aconteça. Até mesmo terrenos para serem ocupados por palcos. Excluindo o palco Amália Rodrigues, onde está patente a supramencionada exposição de fotografia Viste?, que mostra os “operários do festival”, são sete palcos que se enchem de música portuguesa. Todos batizados com nomes que homenageiam alguns dos seus nomes maiores – Zeca Afonso, António Variações, Carlos Paredes (dentro da própria igreja de Cem Soldos), Giacometti, Lopes-Graça, Aguardela e o da Música Portuguesa a Gostar Dela Própria (MPGDP). Além disso, há ainda o palco Garagem onde bandas amadoras são convidadas a mostrar o seu valor.




Não obstante, a música vai transbordando dos palcos. Durante os vários dias do festival, houve arruadas com grupos como os Porbatuka (percussão) ou o grupo de Gaitas da Golegã, perseguidos por pequenas multidões. Houve concertos surpresa, de músicos como B Fachada ou o conjunto Terra Livre, que surpreenderam os festivaleiros com aparições em locais imprevisíveis.
Primeiro dia: OMIRI marcou, GROGnation levantou poeira, Rita Vian voltou a casa e José Pinhal pautou o baile
Um dos momentos altos da primeira noite do festival aconteceu, aliás, na rua, a poucos passos da casa de Maria José Cotrim. O concerto de OMIRI, um projeto de “modernização da raiz portuguesa” do multi-instrumentista Vasco Ribeiro Casais, trouxe uma experiência audiovisual que cobriu toda a fachada da igreja de Cem Soldos. Ouviram-se cantares tradicionais, pelas vozes da tia Alzira e da tia Margarida, entre outras personagens e conjuntos de música popular que caracterizam a região ribatejana. As suas vozes serviram de base para a criação do artista, que durante o concerto foi revezando entre violino, guitarra e gaita de foles. A segunda parte do concerto mostrou apenas música feita com os próprios moradores da aldeia, com vídeos recolhidos pelo músico, juntamente com Tiago Pereira, mentor do projeto A Música Portuguesa a Gostar Dela Própria, e fez toda a aldeia saltar ao ritmo das “remixadas” melodias da cultura popular portuguesa.


O primeiro dia ficou também marcado pelo concerto de Cancro, ainda pela tarde, um projeto de palavra ríspida que bebe da revolta frente à fragilidade da vida humana – ou não fosse pensado justamente para apoiar o Instituto Português de Oncologia. A animação dos irmãos Motherflutters preencheu o palco António Variações, onde atuaram também os GROGnation. O conjunto de Mem Martins, formado pelos rappers Harold, Nastyfactor, Neck, Papillon e Prizko, apresentou parte do seu EP, Anatomia de Grog, lançado em abril e produzido na íntegra por Sam the Kid. “Em dez anos de estrada, este foi sem dúvida um dos nossos melhores concertos”, disse Harold, pouco antes de saltar para o meio da multidão para desencadear um “mosh” juntamente com Nastyfactor.




No centro da aldeia, no Palco Lopes-Graça, o projeto de raiz cabo-verdiana, Acácia Maior, fez as delícias dos festivaleiros, seguido da contagiante energia soul de Marta Ren. Já no palco Zeca Afonso, a cantautora Rita Vian apresentou o primeiro EP – Causa –, mostrando-se emocionada por estar a atuar em casa. “Para quem não sabe, toda a minha família é de Cem Soldos. O meu avô Luís nasceu ali numa casa perto do largo principal. Por isso, hoje estou a atuar em casa”, aponta a artista.




A noite terminou no palco móvel Aguardela, puxado por uma carrinha até estacionar no Largo do Rossio. O baile que seguiu foi em homenagem do misterioso cantor José Pinhal, um artista consagrado apenas a título póstumo, depois de descobertas as suas cassetes com músicas que têm alimentado um verdadeiro culto. Um público em euforia entoou “tu não prendas o cabelo”, “baby, meu amorzinho” e “bola de cristal mentia”, combinando com a entrega do conjunto tributo José Pinhal Post-Mortem Experience, composto por Bruno de Seda e membros da Favela Discos e da Suave Geração.
“Ouvimos falar do José Pinal através do [músico] Luís Severo e apercebemo-nos de que havia algo de especial”, explica o guitarrista João Sarnadas. Olhando para a conjuntura da música popular portuguesa, a banda considera que o público português está a perder “o receio de mostrar que se gosta de música popular”. “Havia um pouco o estigma de ser algo piroso. Só admitíamos gostar de música moderna, mais in. Esse preconceito está a desaparecer. Estamos a começar a descobrir que a música popular portuguesa também é fixe. É que também ouvimos música popular de outros países, como o reggaeton ou a cumbia, entre outras, que acabam por ser o equivalente à nossa música popular”, observa o músico.


Segundo dia: a herança cigana de Emanuel & Toy, o surf rock de Sunflowers, o tango de David Bruno e o recomeço de Aldina Duarte e Cabrita
A tarde já ia a meio do segundo dia de festival (13 de agosto) quando os irmãos Emanuel & Toy ocuparam o Largo do Pombal com a intensidade da música cigana. O recanto da aldeia onde se dispôs o palco MPGDP foi insuficiente para todos os que quiseram ver o concerto. As palmas ritmadas dos festivaleiros não cessaram durante todo o espetáculo, num ambiente de festa que surpreendeu os irmãos. “Foi espetacular. Adorei a energia que as pessoas transmitiram. Foi um sentimento incrível. Em vários outros sítios onde já atuámos, as pessoas mostraram-se mais acanhadas. Mas aqui não. As pessoas soltaram-se”, confessa no final do concerto Emanuel, ao lado do irmão António.


Vindos da vila ribatejana de Benavente, os dois irmãos aprenderam a gostar de música com o pai, que também canta. A participação no concurso televisivo Got Talent projetou-os para os palcos por esse país fora, com interpretações de músicas já conhecidas do público e outras originais, num reportório que cruza o flamenco, tango e rumba, entre outras variedades auditivas. “Só ainda não fomos ao norte, mas havemos de lá ir”, diz Emanuel. Ainda sem músicas editadas, o duo revela que está, neste momento, a compor “um álbum para o YouTube”, embora ainda sem data de lançamento em vista.


O segundo dia do Bons Sons prosseguiu com o concerto dos Sunflowers, no palco Giacometti. O trio atuou pela primeira vez em Cem Soldos e a receção não poderia ser mais calorosa. O sol não demoveu um público energizado pelo surf rock da banda e os músicos não resistiram a atirarem-se de cabeça para os braços dos festivaleiros.


Ao pôr-do-sol, o palco António Variações recebeu David Bruno, acompanhado pela guitarra de Marco Duarte e a animação de António Bandeiras. Temas do álbum O último tango em Mafamude e do mais recente Raiashopping fizeram as delícias dos fãs que pediam em cartaz “Lamborghini na roulotte”, um tema que o artista reserva apenas para as apresentações ao vivo. Antes de se despedir, ao som de uma versão do tema que marca a trilogia O Padrinho, David Bruno ainda deixou uma mensagem de esperança: “Acreditem que vocês um dia também podem ir a Mafamude cantar sobre a vossa terra, como eu venho aqui cantar sobre a minha.” Os gritos do público aprovaram a profecia.




O sábado prosseguiu com Cassete Pirata. A banda de Joana Espadinha deu a conhecer no Palco Lopes Graça o recém-lançado LP A Semente. No final, chegou por fim o fado, pela voz de Aldina Duarte. Visivelmente emocionada, perante a plateia do palco Zeca Afonso, a artista começou com “Medo do escuro” e prosseguiu com “Ela” (que não aprende a ser outra), mostrando o vigor do seu novo trabalho, lançado em maio deste ano, “Tudo Recomeça”.


Quem mostrou também o seu “recomeço” foi o saxofonista João Cabrita. Trazendo temas dos Sitiados, banda da qual fez parte, entre outras, o artista apresentou o seu trabalho a solo no palco Lopes-Graça. O palco António Variações encerrou, por sua vez, ao som de Pluto, de Manuel Cruz, e a festa moveu-se para o Largo do Rossio para ouvir as músicas selecionadas por António Bandeiras.




Terceiro dia: A Garota Não e Fado Bicha trazem protesto, enquanto Siricaia e Criatura enriquecem a música popular portuguesa
Às 14h30 de domingo (14 de agosto), Fernando Mota sobe ao altar da igreja de Cem Soldos com os seus instrumentos experimentais, construídos pelo próprio, a partir do que encontra na natureza. Uma árvore com cordas e sinos e assobios feitos de madeira são alguns dos ingredientes para o espetáculo Hárvore, que ecoou entre as figuras religiosas.


Seguimos aldeia abaixo para ver A Garota Não no Palco Giacometti. A setubalense Cátia Mazari Oliveira canta com suavidade, embora as suas letras tenham protagonizado um dos concertos com maior carga de protesto político e social do Bons Sons. Acompanhada por bateria e guitarra, a artista trouxe parte do seu segundo disco, intitulado 2 de Abril e lançado nesse mesmo dia, já em 2022. Assim se chama também o bairro onde a cantautora nasceu, sendo que o nome carrega também a história do dia em que foi aprovada a Constituição da República Portuguesa. A 2 de abril de 1976, era assim oficializado um Estado democrático no nosso país, após uma longa ditadura.
Desde o problema da habitação aos lucros da Galp obtidos no primeiro semestre do ano (422 milhões – deixou-nos cravado na memória), passando pela misoginia e uns tantos outros problemas de ordem política e estrutural, entranhados na sociedade portuguesa, A Garota Não fez levantar os punhos dos que a assistiam. Houve espaço ainda para gritar “liberdade”, com o seu tema de homenagem a José Mário Branco.


“Eu não escrevo canções para apontar o dedo a ninguém, mas sim porque considero que faço parte de um coletivo”, atira assim a artista, para parabenizar o esforço e a dedicação da comunidade que faz o Bons Sons acontecer.
Só não se pode classificar o concerto de A Garota Não como o mais protestante porque disputa esse lugar com o projeto Fado Bicha. Lila Fadista e João Caçador subiram também ao palco Giacometti, numa altura em que passam dois meses desde o lançamento de Estourada, o segundo single do álbum “Ocupação” e que se afigura enquanto crítica às touradas e à masculinidade tóxica. Lila e João ocuparam a aldeia com um fado visceral de manifesto político que pretende romper com preconceitos.
“Eu espreitei por cima da porta, vi um mar de gente e fiquei em pânico. Durante as primeiras três músicas estava a tremer. Senti uma energia brutal”, explica Lila Fadista, enquanto vai tentando dar conta de todos os autógrafos, abraços e “selfies” pedidos pelos fãs, desde crianças a adultos, que se vão amontoando à sua frente. “Isto nunca aconteceu”, dá conta, com espanto. “Esta foi a primeira aldeia onde atuámos”. Mas não é uma aldeia qualquer: “nota-se que o público que vem aos Bons Sons é um público com muita consciência política, que gosta da música portuguesa e vem cá para descobrir novos projetos. Senti uma abertura muito grande e que as pessoas estavam – talvez algumas um pouco perplexas – mas, no geral, atentas e curiosas ao que se estava a passar no palco. E é só isso que pedimos. É sempre bom vir a festivais para conseguirmos dar a conhecer o nosso trabalho a mais gente”, avalia Lila Fadista.


Quanto ao single “Estourada”, lançado em junho passado, Lila afirma que o videoclipe realizado por Ana Viotti, “despertou muita atenção”. “Muita gente nos escreveu a concordar que o vídeo estava bonito e forte. Ao mesmo tempo, a música também teve alguma repercussão através de várias associações dos direitos dos animais”. Ainda assim, Lila não arrisca em falar de um impacto mais disseminado na música portuguesa. Explica, em contrapartida, que o projeto Fado Bicha tem vindo a ser cimentado com “muito esforço e vontade de concretização”. “Ainda não conseguimos perceber qual o impacto que temos. Sabemos que muitas pessoas têm gostado do nosso trabalho, mas é um caminho que estamos a trilhar paulatinamente”.
A originalidade da nova música portuguesa, que tem recuperado raízes e sonoridades populares, misturando-a com outras influências, fez-se notar com todo o vigor através dos ritmos tradicionais dos aveirenses Siricaia, do reggae dos sintrenses Terra Livre, das “20.000 Éguas Submarinas” de Rui Reininho e das influências celtas de Sebastião Antunes e Quadrilha.


O último concerto, no palco António Variações, trouxe os Criatura e o Coro dos Anjos, num dos concertos mais aclamados do festival, que colocou todo o público a bater o pé. “Bem Bonda” significa “já chega” e dá nome ao segundo álbum desta “criatura”, sucedendo ao Aurora. Um trabalho já muito elogiado pela crítica, incluindo pelo escritor Valter Hugo Mãe, e que fez todos os que assistiam sacudir a “pedra que traziam no peito”. “A noiva”, o “Encanto”, “O namoro” ou a “A festa do medo do gaiteiro” foram alguns dos temas que trouxeram, numa enunciação poderosa que o conjunto dedicou ainda um tema à proteção da Serra da Estrela, lembrando a tragédia dos atuais incêndios.


Último dia: os 5.ª Punkada são punk ou não? Lena D’Água culpa a vontade de um público que não arredou pé até conseguir um “encore”
No último dia do festival, o destaque musical esbateu-se sobre os 5.ª Punkada, uma banda composta por elementos da Associação de Paralisia Cerebral de Coimbra, comandada por Fausto Silva e apadrinhada pelo guitarrista Victor Torpedo, conhecido por projetos como Tédio Boys e The Parkinsons. A artista Surma também acompanhou também a banda em palco.


“Somos Punks ou Não?” foi o disco que os 5.ª Punkada deram a conhecer no palco António Variações. O trabalho foi gravado em 2021 pela editora de Leiria Omnichord. A apresentação da banda nos Bons Sons não deixou restar qualquer dúvida em relação à acessibilidade em termos de mobilidade física que o festival oferece. Inclusão e liberdade são regra. O Bons Sons é um espaço onde crianças passeiam de bicicleta livremente, onde se encontram com facilidade pessoas de mobilidade reduzida nas ruas, onde jovens e idosos partilham igual entusiasmo e onde até os próprios animais de estimação são bem-vindos.


No final do concerto dos 5.ª Punkada, o concerto de Lena D’Água levou o público numa viagem pelo tempo, até à década de 1980. Foi o concerto que mais lágrimas fez desabar, nos rostos dos que se amontoavam no Largo do Rossio. Ouviram-se clássicos como “Demagogia”, “Sempre que o amor me quiser”, “Dou-te um doce” ou “Robot”, além de novos temas como “Hipocampo” ou “Grande festa”. A artista teve ainda direito a um “encore”, um momento exclusivo que mais nenhum outro artista conseguiu, por força da insistência do público. Lena d’Água regressou ao palco Lopes-Graça para cantar à capela o tema “A culpa é da vontade”. “Sejam felizes”, despediu-se assim, emocionada.
O Bons Sons fechou em festa com os Bateu Matou, que colocaram o público a dançar temas como “Ali Babá”, das Doce, entre outras sonoridades do “pop português”. O derradeiro espetáculo ficou nas mãos de Riva e seus convidados, que colocaram todo o Largo do Rossio a cantar clássicos como “Jardins proibidos”, de Paulo Gonzo, ou “Porto Sentido”, de Rui Veloso, intercalados com outras preciosidades da música nacional e “beats” do mundo da música eletrónica. Um desfecho que resume o quadro que Cem Soldos permitiu pintar durante quatro dias de festival: a música portuguesa está a mergulhar, orgulhosa, nas suas raízes, com um olhar futurista que a mantém aberta, ao mesmo tempo, para novas influências, ritmos e melodias.