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Bruno Horta: “Não se previne a discriminação com meias verdades”

Nascido em 1981, diz que talvez tenha já tenha chegado ao mundo como jornalista. Iniciou…

Texto de Sofia Craveiro

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Nascido em 1981, diz que talvez tenha já tenha chegado ao mundo como jornalista. Iniciou a carreira profissional na extinta revista Focus, em 2003. Antes disso tinha já uma bagagem considerável, reunida durante o percurso em rádios locais.

Foi editor da revista Time Out Lisboa, onde começou por redigir a chamada “secção gay”. Escreveu para o jornal PúblicoDiário de NotíciasObservador, trabalhando sempre a temática LGBT e/ou queer. Diz ser fascinado pelo “mistério” que envolve as questões de sexualidade e identidade. “É um tema sobre o comportamento humano e que ajuda a compreendê-lo, coisa que eu acho que apaixona qualquer jornalista”, explica.

Apesar de admitir a predileção pelo assunto, nega ser ativista, motivo pelo qual rejeita qualquer enviesamento da sua abordagem jornalística. Já foi até criticado. “Procurei sempre fazer uma abordagem isenta, coisa que pessoas mais sensibilizadas para a chamada causa LGBT não estariam à espera”, explica.

Assina o blogue Persona Grata e os livros Uma Década Queer – 50 Entrevistas em português (2004-2014), e Aquele Lustro Queer – 2015-2020 (ambos da Index Books). Junto com Helena Soares, assina ainda a biografia ilustrada de António Variações (Suma de Letras, 2020).

Crítico da “visão única” e do “politicamente correto”, o jornalista Bruno Horta assume ter opiniões divergentes, mas nega que as mesmas sejam incompatíveis com a defesa dos direitos humanos.


Gerador (G.) – Pelo que sei, iniciaste a carreira no jornalismo em 2003...

Bruno Horta (B. H.) – Como profissional, porque eu já tinha muitos anos de amador em rádios locais. Comecei aos 14.

G. – OK. Eu ia perguntar se, em 2003, iniciaste a profissão já direcionado para a temática queer/LGBT.

B. H.- Não. Eu, nessa altura, escrevia sobre música, sociedade. Trabalhava na revista Focus, que já não existe, era um modelo alemão. [Apesar disso] fazia coisas que eu interpretei mais tarde - quando publiquei o livro Uma Década Queer, em 2015 – que reportavam a esses temas, fazendo entrevistas ou sugerindo temas que, de alguma forma, pudessem ir ao encontro disso. Mas também não era claro na minha cabeça que isso fosse um tema que me interessasse tratar sistematicamente.

G. – Quando é que ficou claro?

B. H. – Em 2007, quando eu entrei para a Time Out Lisboa e comecei a fazer a secção gay [da revista].

G. – Isso foi uma função que te foi atribuída?

B. H. – Não, eu candidatei-me. Enviei o currículo ao então diretor-adjunto da Time Out Lisboa, o João Miguel Tavares. Acho que, na altura, [ele] ainda era jornalista do DN [Diário de Notícias], e tinha uma coluna na qual vinha um endereço de e-mail. Eu mandei para esse e-mail e ainda hoje guardo a resposta que ele me mandou, a dizer que sim, que estavam à procura de um jornalista, mas apenas para aquela secção.

Eu fui fazer uma entrevista com ele e com o então diretor da Time Out Lisboa, João Cepeda (já na sede da Time Out). Aquela era a secção disponível. Eu queria escrever, era um assunto que me interessava e as coisas aconteceram dessa forma.

G. – Mas depois mantiveste-te sempre dentro dessa temática e, mesmo mudando para outras publicações, passou a ser esse o foco do teu trabalho.

B. H. – Sim, porque eu acho que as pessoas, de certa forma, começaram...

A Time Out Lisboa daquela época era muito diferente da atual e tinha uma popularidade muito grande. Acho que as pessoas terão reconhecido que aquele era o jornalista que escrevia sobre aquele tema naquela revista e, a partir daí, terão achado que fazia sentido. Aliás, ainda quando eu estava na Time Out, houve muitas propostas – ora que eu apresentava, ora que os jornais me apresentavam – para escrever sobre aquele tema. E, nessa altura – 2007, 2008, 2009, 2010, por aí – por acaso, eu escrevi muito para muitas publicações sobre esse tema, porque eu acho que também era difícil encontrar alguém que escrevesse sobre a temática LGBT. E como havia um que fazia, muitos dirigiam-se àquele.

G. – Porque é que era difícil arranjar alguém que escrevesse sobre esse tema?

B. H. – Era difícil porque... Eu acho que, sem querer ser injusto, durante muitos anos, a temática LGBT – que não era ainda sequer designada dessa forma – foi tratada na imprensa portuguesa muito por mulheres jornalistas, mas mais na vertente política: as alterações legislativas, [como por exemplo] as uniões de facto, ou a alteração do código penal (se começarmos na década de 80), a sida, etc, etc.

Não estou a menosprezar o trabalho de muitos jornalistas, que o houve e eu conheço. Basta consultar os arquivos. Havia revistas... vamos dizer de jornalismo amador - sem desprimor - como a revista Korpus, que aparece em meados da década de 90, fundada pelo Isidro Sousa que morreu em 2020. Houve fanzines, nas décadas de 80 e 90, houve jornalistas que fizeram vários trabalhos sobre isso, mas é aquilo que eu disse inicialmente: eram sobretudo mulheres [que escreviam] em torno das questões políticas relacionadas com a homossexualidade. Foi o que tivemos até ao ano 2000 e tal. Não havia a vertente do entretenimento, da questão da sexualidade havia pouco, [assim como] da história das pessoas LGBT e eu acho que – não sei se é imodéstia – que foi a secção gay da Time Out que pôs isso na agenda.

G. – Na tua opinião, porque é que havia apenas mulheres a tratar esse assunto? O facto de um homem tratar o tema faria com que fosse alvo de estigmas?

B. H. – Talvez.

G. – Ou antes não havia tanta sensibilidade para abordar o assunto? Ou até conhecimento?

B. H. – É possível. Essas duas hipóteses fazem sentido. Os leitores – e mesmo muitos jornalistas – tendem a achar que há necessariamente uma subscrição, por parte do jornalista, relativamente aos temas que trata. Se ele escolhe entrevistar a pessoa x, é porque gosta ou admira a pessoa x. Se escreve sobre o tema y é porque tem, de alguma forma, uma relação ou interesse por aquele tema. Isso não é sempre verdade, necessariamente. Pode ser nalguns casos, noutros não. Talvez as pessoas não quisessem falar neste assunto porque não queriam que houvesse essa ligação, entre eles e o tema (feita pelos leitores ou pelos públicos). E talvez também, na verdade, fosse um tema que não estava na agenda pública ou estava muito esporadicamente.

A vida gay de Lisboa – vamos dizer assim – era muito underground, nada que se possa comparar com o que existe em 2022. É totalmente diferente. Em escassos anos tudo mudou. O mundo inteiro também mudou. Talvez a Internet tenha um papel nisso. A difusão rápida [de informação] e o acesso que as pessoas têm a realidades que, provavelmente, demorariam décadas a serem conhecidas, noutra época. Acho que é isso que justifica que nunca se tenha pegado nesse tema dessa forma. Mas depois ele começa a adensar-se, e hoje há muita gente que o trata. Umas vezes melhor, outras vezes pior...

G. – Portanto, no início foste contratado especificamente para tratar esse tema. Algum dia foi uma questão para ti a possibilidade de poderes ser associado com a causa [LGBT]?

B. H. – Eu procurei sempre fazer um trabalho sério. Não sei se algumas pessoas o levaram assim tão a sério, mas isso nunca foi uma questão porque eu sou jornalista. Tenho de tratar os temas, os assuntos, da maneira jornalística e procurar, seja qual for o assunto, fazê-lo de uma forma correta.

G. – Porque é que dizes que “talvez algumas pessoas não tenham levado tão a sério”? Em algum momento, houve uma desvalorização [do teu trabalho]?

B. H. – Não. Eu diria que procurei sempre fazer uma abordagem isenta, coisa que pessoas mais sensibilizadas para a chamada causa LGBT não estariam à espera. Provavelmente estariam à espera de uma parcialidade da minha parte na defesa dos seus/deles pontos de vista. E, como eu não fiz, não faço, nem farei uma cobertura engajada, algumas pessoas tendem a achar que a cobertura é desadequada.

G. – Isso vai um bocadinho ao encontro de uma outra pergunta que eu queria fazer. Na sinopse do livro Uma Década Queer, questionas o facto de se pensar que a comunidade LGBT reivindica a uma só voz. De certa forma, o discurso em torno de todos os temas LGBT ou queer tende a ser uniformizado?

B. H. – O discurso é uniformizado. O discurso é uniformizado e isso é um problema para as pessoas LGBT porque... como dizer isto... há a tendência de se achar que, quem não está connosco, está contra nós, o que é compreensível quando vem de um grupo – e chamamos grupo a uma realidade que, na verdade, é múltipla – que, historicamente, foi alvo de discriminação, perseguição. Portanto, isso é compreensível. O problema é que o discurso uniforme parece não ter acompanhado a mudança que o próprio ativismo ajudou a fazer nas sociedades ocidentais nos últimos 30, 40 anos. É um discurso ainda muito defensivo, medroso – ainda que as pessoas que o fazem ou que o tenham suponham que não e o façam com boas intenções. Mas as opiniões, os pontos de vista ou as perguntas (às vezes basta as perguntas) que alguns militantes LGBT pensam que põem em causa a sua visão do tema, são muito mal recebidas.

G. – Que tipo de perguntas? Por exemplo...?

B. H. – Por exemplo: na época da discussão do casamento entre pessoas do mesmo sexo, como os adversários (os mais sonoros) se situavam sobretudo no campo político da direita, ou estavam próximos da Igreja Católica, os militantes LGBT – que, regra geral, estão situados na esquerda política – achavam que, quem não estivesse a favor da aprovação do casamento entre pessoas do mesmo sexo, primeiro, era um extremista de direita ou conservador católico, segundo, estaria certamente contra as pessoas homossexuais. Eu não digo que o casamento entre pessoas do mesmo sexo não tenha ajudado - eu não poderia saber os efeitos de uma coisa, antes dessa coisa acontecer -  mas estou convicto de que, hoje, é possível dizer que a aprovação do casamento entre pessoas do mesmo sexo em janeiro de 2010 - que entrou em vigor em junho de 2010 - tenha provocado uma alteração das próprias pessoas homossexuais, no sentido de se aceitarem um pouco mais, de terem uma capacidade afirmativa maior do que tinham. Penso que terá ajudado. Mas também não sei se isso não teria acontecido naturalmente com os anos, caso o casamento não tivesse sido aprovado.

Lembro-me de que, à época, por volta de 2010, 2011, 2012, se via nas redes sociais pessoas que até então sempre tinham vivido a sua homossexualidade de uma forma discreta – aqui está outra palavra de que os ativistas não gostam – passaram a assumir-se e a falar abertamente disso. Eu atribuo à aprovação do casamento (posso estar enganado). É quase como se a pessoa agora tivesse um respaldo legal para poder ser quem é, digamos assim.

G. – Sei que já teceste algumas críticas à ação da Ilga Portugal. Não concordas com o posicionamento desta associação?

B. H. – Eu procuro ser jornalista. Não sou ativista. Pontualmente terei dito ou escrito alguma coisa que pode ser entendida como uma crítica a uma associação A ou B, mas não há nenhuma questão de fundo da minha parte contra A ou B.

Gosto desta temática LGBT. É apaixonante. Gosto de a discutir, de a debater, de a compreender, de falar sobre ela. E estamos, portanto, no domínio das ideias e não das pessoas. É isso.

G. – Ou seja: falar sobre isto não significa pessoalizar ou concretizar determinado acontecimento ou ação?

B. H. – Estou convencido de que nunca o fiz.

G. – O que é que te apaixona tanto neste tema?

B. H. – É um tema sobre o comportamento humano, que ajuda a compreendê-lo, que é uma coisa que eu acho que apaixona qualquer jornalista. Da mesma forma que há jornalistas apaixonados por temas de criminalidade – que são apaixonantes, de facto -, do mundo dos negócios, da política. Eu acho que este tema - que aqui vou ter de dizer que é mais amplo do que a questão LGBT, é o tema das sexualidades, das idades, da intimidade, das identidades - tem todos os ingredientes que apaixonam o jornalista. Ao mesmo tempo é misterioso, ajuda-nos a ter acesso a realidades de que habitualmente não se fala, e é um assunto que tem pano para mangas, parece interminável. Parece mesmo um assunto interminável, sobre o qual é possível escrever eternamente.

G. – Isto porque a sociedade vai sempre ter posições diferentes ou porque as identidades vão sempre estar em mutação.

B. H. – Tudo está em mutação. A sociedade muda, as identidades mudam, os comportamentos mudam. A questão da sexualidade está ligada à intimidade e, portanto, não é exposta, mas há épocas em que é mais exposta, outras em que é menos. Há um manancial de realidades que acho que é interminável.

Ainda hoje eu falava com uma sexóloga, e eu percebi, pela forma como ela falava do assunto, que eventualmente a nossa paixão pelo tema era idêntica. A forma como as pessoas se comportam, o que as pessoas fazem e aquilo que elas depois dizem, as práticas e os discursos, o que está por detrás dos panos é fascinante.

G. – Há sensibilidade para tratar este assunto na generalidade dos órgãos de comunicação social?

B. H. – Para tratar?

G. – Quero dizer se a abordagem que é feita inclui conhecimento adequado do tema ou, na maior parte das vezes, estas questões são abordadas levianamente, usando designações incorretas?

B. H. -  O jornalismo é um trabalho em construção, em permanência. Se uma notícia, uma reportagem, ou uma entrevista sobre determinado tema pode conter algum erro ou gralha é normal, desde que, obviamente, o jornalista esteja disposto a corrigir, se puder, ou a melhorar futuramente.

Agora, eu acho que as redações estão abertas a assuntos que... bom, estamos a generalizar, mas acho que estão abertas a assuntos que interessam ao público e acho que não há pudor em tratar estes assuntos hoje, pelos jornalistas em Portugal. Pode ter havido em determinadas épocas. Eu penso que, hoje, não há.

G. – A minha pergunta ia no sentido em que hoje temos várias designações. Temos o termo LGBT, por vezes vemos o LGBTQIAP+, outras vezes utiliza-se pessoas queer... Neste tipo de questões, relativas a denominações, há ainda uma certa confusão?

B. H. – Acho que sim. Há uma confusão porque são designações que têm origem no mundo académico, em determinados pontos de vista política e ideologicamente situados e, portanto, são conceitos que não são facilmente apreensíveis pela maior parte das pessoas. E sobre os quais, aliás, não há consenso académico.

G. – Não há uniformização.

B. H. – Sim. E acho que, aliás, não é desejável que haja porque, quando se fala do mundo académico, está a falar-se de ciência e o conhecimento científico é feito da permanente aprendizagem e do pôr em causa [alguma coisa]. Portanto, acho que esse consenso nem será desejável... não sei. Não sou cientista, mas não será sequer desejável pelos investigadores e pessoas que se dedicam a estes temas.

Mas há uma confusão na utilização dos termos e, muitas vezes, vejo que as pessoas os utilizam gratuitamente, sem terem a certeza sobre o [seu] significado. Outras vezes, sem se aperceberem de que, certos conceitos ou termos, estão muito marcados ideologicamente.

G. – Como por exemplo?

B. H. – Todos os termos têm a sua história, o seu contexto social, cultural.

G. – Mas que conceito estará ideologicamente marcado?

B. H. – A sigla LGBTQIA+ – para não falarmos das derivadas desta – está politicamente e ideologicamente marcada. Enquanto que, na minha opinião o termo LGBT, sendo nascido do ativismo e do mundo académico, é mais neutro porque é descritivo, os termos derivados deste, que estão hoje muito em uso e na moda, são já menos descritivos e mais prescritivos. Porque incluir um sinal de soma numa sigla – coisa que eu não sei se os linguistas autorizam – parece-me uma obediência ao politicamente correto - que é um dos grandes problemas atuais – e não propriamente uma discussão útil para as pessoas que essa sigla supostamente pretende descrever.

G. – Mas se pensarmos na sigla LGBT e no que significa, há pessoas que não se revêm nela.

B. H. – Por a acharem insuficiente?

G. – Sim. Pessoas não binárias, por exemplo.

B. H. – Mas, se fôssemos por aí, a sigla nunca mais vai terminar e haverá um dia em que, por absurdo, ela inclua uma quantidade de letras, que a torna inviável. Porque hoje é um determinado grupo que não se revê na sigla, amanhã haverá outro e, portanto, não vejo utilidade em colocar...

A sigla não tem de abranger tudo [o que representa].

Ajuda-me por favor. Dá-me um exemplo de uma sigla que seja utilizada em português comummente.

G. – Dentro deste contexto... estou a lembrar-me do GAT – Grupo de Ativistas em Tratamento.

B. H. – OK. A sigla deles não define tudo o que eles fazem. Não define todas as vertentes de ação daquela associação. Isso diminui a associação? Porque não tem uma sigla ultra descritiva? Não. Portanto, as pessoas podem, a todo o tempo, achar que não se sentem representadas por isto ou por aquilo. Sim, mas quantas são? São representativas de quê? E, não se sentindo representadas, o que é que isso significa? É uma ofensa a essas pessoas?

Hoje há tanto cuidado com as sensibilidades, que podemos entrar numa fase em que nada é aceitável, em que não há consenso sobre coisa nenhuma. Isso é desejável para a democracia? Isso é desejável para o bem-estar e a felicidade das pessoas?

G. – Há pouco falavas no politicamente correto. Sei que é algo que já criticaste, até em artigos de opinião. Atualmente, a luta contra a discriminação envolve necessariamente esse politicamente correto, ou é errado ir por essa via?

B. H. – Neste momento, envolve. Penso que é indesejável que envolva. Há várias pessoas, em Portugal, que falam muito bem sobre assunto. Melhor do que eu falarei alguma vez. Porque o politicamente correto é uma forma de censura subtil, hipócrita, pérfida, porque procura silenciar o outro para que a única versão que circule sobre determinado assunto seja a das pessoas que o praticam. Não é aceitável. Prejudica os próprios que o fazem. O politicamente correto é muitas vezes utilizado por pessoas que dizem representar minorias. E afeta a liberdade de expressão, a liberdade de imprensa, a liberdade de pensamento... é um problema grave que temos entre mãos.

G. – Achas que é disso que se trata, por exemplo, no âmbito da polémica do Monkeypox e dos alertas de saúde pública [que inicialmente mencionaram a prevalência da doença entre homens que têm sexo com homens e depois esse dado deixou de ser revelado]?

B. H. – Claro que sim. Temos uma autoridade de saúde que se reúne com pessoas que essa autoridade de saúde supõe que representam determinadas minorias. Reuniões essas que aconteceram neste caso e que também já tinham acontecido em 2017, no caso do surto de hepatite A, porque essas autoridades de saúde estão excessivamente preocupadas com o discurso e não com a verdade.

G. – E que verdade é essa?

B. H. – A verdade científica que nós esperamos que nos apresentem de forma clara e tratando-nos como pessoas adultas que, perante os factos, conseguem tomar decisões. Nós não precisamos de autoridades (de saúde ou outras), que tomem decisões por nós. Não é assim que deve funcionar uma democracia. As autoridades de saúde não estão acima dos portugueses, elas prestam um serviço aos portugueses. E, se são autoridades de saúde, convém que esse serviço seja baseado em factos, neste caso científicos, e não em discursos amolgados para não ferir suscetibilidades.

G. – Então, na tua opinião, é errado que se tenha deixado de revelar a orientação sexual das pessoas infetadas com Monkeypox (que, no início do surto, foi dito que eram homens que tinham sexo com homens)?

B. H. – Eu ia dizer que talvez isso seja porque a infeção começou a alargar-se a outras pessoas e que, se calhar, poderia ter sido isso que justificava. Mas sim, se essa decisão foi tomada parece-me errada. Porque a orientação sexual de um grupo de risco é fundamental para que esse grupo de risco se proteja. A omissão de que há um grupo de risco, a omissão de que este conceito de grupo de risco existe – mas depois já se utiliza para situações como a covid-19 - é errado.

Basta ver que, em documentos do governo, da Direção-Geral de Saúde, das Farmácias Portuguesas, durante a pandemia, surge o termo “grupos de risco”, referindo-se neste caso aos idosos e, nessa altura, não havia nenhum problema. Significa que, do ponto de vista dos médicos, dos epidemiologistas, o conceito existe e é utilizável. Porque é que ele não é utilizável quando se trata de uma minoria?

G. – Talvez porque pode reforçar a discriminação relativamente ao grupo de pessoas que esteja em causa.

B. H. – Nesse caso, então, mais uma vez, essas autoridades estão a divulgar informação truncada, em vez de divulgarem informação científica, e parece-me um erro.

Não se previne a discriminação com meias verdades. Não se previne a discriminação sustentando o medo de ser discriminado. É isto.

G. – Ou seja, [estás a dizer] que os alertas de saúde pública ou as recomendações não devem ser formulados ou comunicados de forma a evitar certos estigmas? Devem antes ser divulgados de forma neutra?

B. H. – Exatamente. Acho que devem ser divulgados de forma neutra. É exatamente isso que eu acho. Neutra enfim... dentro do que possa ser a neutralidade. No caso das autoridades de saúde, devem ser divulgados sem atender a outros critérios que não sejam os critérios estritamente científicos.

G. – Então, a questão social...

B. H. – Não cabe às autoridades de saúde. E não cabe a determinados grupos militantes tomarem posições sobre minorias que são diversas e que esses grupos militantes não representam. Eu suponho que uma associação represente associados, não represente a totalidade da população de onde os associados provêm.

G. – Há uma apropriação política dessa militância?

B. H. – Não sei se é uma apropriação política, julgo que, eventualmente será ao contrário: essa militância tem ela própria origem em grupos políticos.

G. – Como assim?

B. H. – Ou seja, a influência sobre determinados grupos militantes não é feita por partidos políticos. Esses militantes estão previamente situados politicamente e será isso que os leva à militância LGBT.

G. – Então, é o inverso.

B. H. - ... o que não tem nada de mal. Não pode é ser aceite como a única versão da história. As pessoas são livres de militar, de pensar, de ter ideias políticas, ideologias. Aí não há nenhum problema (e nem eu me poria na posição de avaliar isso). O erro é depois achar-se que essa versão é a única que deve prevalecer.

G. – Então, na tua opinião, há essa tendência? Para haver uma única visão dos temas, dos acontecimentos.

B. H. – Sim, sim. Aliás, o politicamente correto é isso, a versão única. É o empobrecimento e é a tentativa de secar a autonomia mental das pessoas. Esse é o objetivo do politicamente correto. E, se não é o objetivo é um dos efeitos.

G. – Tenho outra questão que gostava de fazer-te, relativa às marchas LGBT. Este ano – e é uma tendência que tem vindo a verificar-se –, há cada vez mais marchas organizadas em vários pontos do país, nomeadamente pequenas cidades do interior. Na tua opinião, isto é um sinal positivo?

B. H. – Penso que sim.

G. - ...De que há mais abertura da sociedade para o tema? Ou é antes revelador de que a luta está a descentralizar-se, de certa forma?

B. H. – Acho que as duas coisas fazem sentido. É positivo e é um sinal de descentralização.

O pior que se poderia concluir do que eu tenho estado a dizer é que é errado militar, é errado ser ativista ou ter opiniões político-partidárias. Não. Eu não posso pedir liberdade de expressão e de pensamento e depois querer que os outros não a tenham. Se há pessoas, grupos, que estão em vários pontos do país, a dinamizar - sobretudo em junho, que é o mês considerado do orgulho LGBT - manifestações públicas ou outros eventos para divulgar os seus pontos de vista, isso é saudável, é bom.

Fotografias de Mário Cerdeira

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