O número 36 da Rua Ribeira Nova, no Cais do Sodré, foi ocupado pela vida, pelos sons da bela Lisboa. Este era o espaço do Café Tati: um dos lugares mais marcantes da história da cena artística da cidade.
A história do Tati começa em 2011, pela mão de três amigos – Ramón, Susana e Xana –, mas a história (mais recente) do espaço começa nos anos 50: «um senhor que trabalhava numa tasca ali perto (que ainda estava lá quando abrimos), contou-nos que, nos anos 50, tinha sido uma casa de licores. O mais popular era o licor de banana e acabou por ficar conhecida como a Casa da Banana», conta-nos Ramón.
Num espaço vazio, de história apagada (ou esquecida), entrou e prevaleceu o Café Tati. Um café que, logo na sua designação, revela a ligação dos três fundadores ao mundo das artes: «Nós estávamos à procura de nomes, na altura. Sempre a jogar com palavras. Um dia, vimos O Mágico, de 2010, e, daí, surgiu a ideia do nome para o nosso espaço.»
Uma designação nascida do cinema, para um espaço conhecido pela música – e, em particular, pelo jazz. «Estávamos muito ligados à música, tínhamos muitos amigos nessa área. Entre eles, o trompetista Gonçalo Marques. Foi o Gonçalo que viu o potencial do sítio. A ideia de fazer sessões ao domingo à tarde (algo que não se fazia na altura) veio dele. Essas jam sessions, esses domingos, acabaram por se converter num momento muito especial e marcante dos domingos em Lisboa. Ele queria incluir miúdos, alunos a tocar. Depois, começámos a fazer uma programação mais extensiva, que acabou por ter um grande destaque ao jazz.»
As multidões reuniam-se dentro e fora deste café, de onde ressoavam as mais diversas harmonias, as mais diversas melodias, os mais diversos ritmos de todos os indivíduos que por lá passaram e que por lá tocaram. De julho de 2011, até 31 de dezembro de 2018, o Café Tati foi uma referência, um ponto de encontro para todos: desde artistas, músicos (profissionais e estudantes), a habitantes do bairro. «A ideia sempre foi de fazer um café de bairro. Em 2011, o Cais do Sodré era um bairro onde existia muita vida, muitas pessoas viviam lá. E essas pessoas acolheram-nos como um espaço de rotina.»
Momentos passados em comunidade, histórias e memórias criadas num espaço onde a reunião tinha como base a ligação e o amor pelo ambiente, pela música. Momentos que, em 2018, chegaram ao fim, pelo «que está a acontecer em Lisboa: toda esta especulação. Quando terminou o contrato, o senhorio simplesmente não quis renovar a renda.»
O final, como se pretende para qualquer filme, foi «muito intenso, foram dias de despedidas das pessoas com o espaço e connosco. Quando acabou a última jam session, as pessoas começaram a chorar. É nessas alturas em que te apercebes de que fizeste uma coisa que fez sentido e que dizia qualquer coisa às pessoas.» Um ponto final para «um foco de resistência, de um sítio que se manteve com a sua identidade mesmo com todas as mudanças do Cais do Sodré». Um final de um espaço. Mas a música prevalece e ecoa(rá) na nossa memória.
Este artigo foi originalmente publicado no número 27 da Revista Gerador, disponível numa banca perto de ti ou em gerador.eu.