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Callaz: “A música é a forma como me expresso, faz todo o sentido refletir essa liberdade”

Com pseudónimo Callaz, Maria Soromenho desconstrói sons e cria harmonias desconcertantes. De inspirações londrinas, americanas…

Texto de Patricia Silva

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Com pseudónimo Callaz, Maria Soromenho desconstrói sons e cria harmonias desconcertantes. De inspirações londrinas, americanas e portuguesas nasce o seu pop eletrónicos sem rótulos, retratando a liberdade musical com que tanto se identifica.   
Depois de demos, “Atonal Heavy Metal Song” e “Aghast” nasceram. Dead Flowers & Cat Piss é o resultado final do trabalho de Callaz e Helena Fagundes.

Com uma sintonia que se regista até nos seus primeiros encontros, a música e a produtora lançam, dia 19 de fevereiro, o mais recente álbum.

Inspirado em livros, filmes, histórias vividas, contadas e imaginadas, as artistas criaram uma ligação com o conteúdo lírico, sempre com o objetivo de o experimentar musicalmente.

Com um percurso musical desde 2017, depois de abdicar do universo da moda, Callaz esteve à conversa com o Gerador, onde partilhou memórias que a fizeram voltar à cidade que a viu nascer e aos dois destinos por onde passou e, com isso, divagar nos processos que levaram ao resultado final – o álbum.

Gerador (G.) – Desde cedo estiveste ligada ao mundo artístico. A nível internacional são diversas as tuas referências quer no mundo da moda, quer na música, ainda que indiretamente. Sentias que a tua ligação com a música, naquela altura, já se fazia ouvir?

Callaz (C.) - Nessa altura não me passava pela cabeça fazer música. No entanto, inspirava-me através do universo musical para as coleções que desenhava. Utilizava músicos como modelos. Tinha a música sempre muito presente, além disso, estagiei com a Pam Hogg, designer, que, desde os anos oitenta, está muito ligada à música. A Siouxsie and the Banshees é a melhor amiga dela. A Pam faz sempre a roupa dela e, consequentemente, eu acabei por costurar muito para ela em palco, assim como para outros músicos, como a Peaches. Então, para mim, já era muito importante a ideia de moda e música, quando estava a morar em Londres.

De seguida, morei um ano em Los Angeles (L.A.). Nessa altura, os meus amigos eram todos músicos e estava muito fascinada com a música, mais talvez do que pela moda, principalmente pela sua indústria. Até que, certo dia, um amigo meu, americano, tinha feito uma música com a letra em português – que uma outra amiga tinha escrito — e perguntou-me se eu queria cantá-la. Não estava propriamente à espera porque eu nunca cantei, mas lá aceitei. Foi no Lolipop Records (estúdio), em L.A., que gravámos. Acredito que, nesse dia, houve uma mudança dentro de mim e adorei essa sensação. Acabámos por trabalhar a música juntos, isto é, adaptar a letra à música e, depois, voltei para Portugal e comecei a pensar em fazer música sozinha.

Conversei com o meu irmão – o Rodrigo Vaiapraia — muito por alto, em fazer alguma coisa juntos e eu pensei — ‘bem, vou conseguir porque vou ter algum apoio’—, mas nessa semana ele tinha imenso trabalho e não conseguia conciliar. Disse-me de imediato: “acho que tu deves fazê-lo sozinha”. Naquele momento, eu pensei logo — ‘nunca vou ser capaz de fazer isto sozinha porque não tenho educação musical, não sei tocar um instrumento…’—, mas peguei no casio que tinha comprado com dez anos, imprimi uma folha com os acordes e comecei a ver vídeos no YouTube. Foi então que comecei a construir. Fiz umas demos, enviei à Miró, uma amiga que é do projeto Sequin e ela falou-me logo no Filipe Paes, o seu namorado, que produziu o primeiro EP dela. Como ele estava a iniciar o seu trabalho em produção, talvez funcionasse. Estávamos os dois a começar. E sim, foi assim que gravámos o meu primeiro EP e a partir daí chegámos até hoje.

Fotografia de Marta Costa

G. - No momento em que voltaste para Lisboa já trazias contigo esta vontade de fazer música da tua autoria ou foi algo que foste construindo cá?

C. - Quando cheguei a Lisboa já tinha mesmo aquele plano de me dedicar, com o objetivo de criar um projeto meu, até porque, inicialmente, tive aquele contacto em L.A. com a música e, a partir daí, tive sempre o pensamento de explorar mais.

G. - Desde 2017 que, em Portugal, abraças um registo musical específico. A tua sensibilidade e capacidade autodidata, desde os momentos iniciais até então, caracteriza também o teu trabalho. Como é que aconteceu todo o processo?    

C. - Eu nunca mistifico o conhecimento. Acho que é muito importante. Não penso — ‘não é preciso ter técnica’. No meu caso, eu tive uma ou outra aula de teoria musical de piano, até porque eu gosto muito, mas eu senti que o facto de eu não saber a técnica na íntegra funciona bem no meu projeto. Eu experimentei saber um pouco mais, mas não tinha a certeza se estaria a funcionar. Continuo a interessar-me e a presenciar aulas de teoria musical online, mas não tenho o interesse de tocar piano da maneira técnica. Acredito que ser um pouco “naïf” funciona comigo — o não saber. Se bem que, eu faço as demos todas sozinha e, depois, o que é gravado em estúdio, já gravo com um produtor. Aí há uma parte técnica mais elaborada. Fazemos tudo em conjunto, mas já há uma mão técnica por assim dizer. Mas sim, se fosse só eu sem saber nada sobre produção e tocar instrumentos não seria o que é, o que não significa que não fosse interessante também.

Isto para dizer que, nas demos, que é considerado o momento em que reconheces a essência da música, funciona a ausência de técnica, pelo menos comigo.

G. – A questão da liberdade é algo que alimenta muito o teu registo.
É isso que procuras também construir e explorar com a tua música?

C. - Eu sinto que faço música e uso música como forma de expressão, mas não sei até que ponto eu me considero “música”. É a forma de me expressar e, no meu contexto, faz todo o sentido ter essa liberdade.

Fotografia de Diana de Sá

G.- Ainda referente ao teu ponto de partida, a tua marca é algo que também se distingue pela relação com a música. O universo musical já te fascinava ao ponto de difundires as duas artes?

C. - Sim. Agora, que olho para trás penso que era quase óbvio que, mesmo inconscientemente, já queria fazer música. O que me permitiu fazê-lo foi também ler muito sobre o movimento Punk, desde Patti Smith a Kim Gordon, ou seja, tudo pessoas que se veem como artistas mais interdisciplinares, não só são músicas como também utilizam a música como forma de expressão. E ler muito sobre isso e sobre o DIY fez com que eu pensasse ‘eu também consigo fazer isto’ e, talvez, anteriormente eu não pensava assim.

G.- Podes considerar que estas são as tuas referências?        
C. - Sim, sem dúvida. Em termos sonoros eu quero explorar e não ter de estar presa a nenhum rótulo, mas acho que, em termos de filosofia do projeto, este background vai estar sempre presente, independentemente do que vá soar no futuro.

G.- O minimalismo e a inspiração em que te refugias são características que te distinguem. As referências musicais a que recorres através deles é algo que se traduz em ti?

C. - Sim, o meu universo de referências é muito vasto. Eu ouço muito música clássica, hardcore … Tudo na mesma playlist, na maior parte das vezes.
Em termos de minimalismo, sem dúvida, principalmente no início. O álbum, e único, que foi muito importante era dos YMG, que acaba por ser muito minimal. Eles só têm dois instrumentos e uma voz. Ou ainda os discos das Marine Girls. No início, gostava de ouvir muito esse registo, porque, para mim, consegue traduzir muitas emoções com pouco, ou seja, eu consigo ouvir e perceber o que está lá e que instrumentos são. Então, essa vertente minimalista acaba por estar representada.

Eu estou contente com o que fiz até agora. Claro que sinto que tenho imenso para desenvolver e é nisso que eu também me estou a tentar focar.

G.- Voltado os olhares para o Dead Flowers & Cat Piss, como é que surge a relação com a Helena Fagundes?

C. - No Verão passado, eu conheci-a através do meu irmão, porque ela foi baterista dele e trabalhava, aliás ainda trabalha, como pós-produtora de som.

Entretanto, eu vi uma mensagem dela ou post em que ela referenciou o facto de estar numa fase de produção e decidi entrar em contacto para tomarmos um café, isto porque, eu, durante a primeira quarentena, tinha estado a fazer muitas demos. Na altura, lancei o meu primeiro disco, mas tinha muita vontade de gravar. Foi então que me encontrei com ela e falámos sobre a possibilidade de gravar uma música.

É certo que, numa tarde, alinhámos logo a música toda e na segunda vez que nos voltámos a encontrar já estava superavançada. Assim sendo, eu pensei — ‘como correu bem, seria uma boa ideia continuar’. Às vezes é difícil encontrar uma boa relação com um produtor, porque pode ser muito bom produtor, mas pode não haver muito boa comunicação ou relação e, como senti que isso não era um problema entre nós, poderia resultar. Não foi nada muito combinado, uma coisa levou à outra.

Fotografia de Marta Costa

G.- Como foi experienciar e criar o álbum em dias cinzentos, resultantes desta nova realidade pandémica que vivemos?

C. - A parte criativa, no primeiro confinamento, correu muito bem. Eu sentia-me muito criativa, além disso, estou habituada a estar em casa e conseguia trabalhar normalmente.

No que toca aos concertos, em 2019 foi o ano em que comecei a ter mais contacto com o público de forma direta, por assim dizer, e estava desejosa por 2020, porque já tinha mais uns quantos agendados e isso, foi mais complicado, se bem que eu não dava propriamente concertos para salas cheias. Não houve um choque, mas foi mais aquela fase de desanimar e ter de dar uma pausa. Para mim, não influenciou tanto como a alguns amigos meus que têm tours e a vida deles é muito focada nisso.

Agora, eu sinto que estou, outra vez, naquela fase de criar e está a ser um pouco mais difícil, mas acho que isso é algo que acontece de forma geral.

G.- Neste último álbum tudo aquilo que pretendias explorar foi concretizado?

C. - Eu sinto que, no momento em que eu comecei a fazer as demos, se as gravasse de imediato, talvez tivesse concluído, mas como as coisas se prolongaram – o não significa que esteja ou seja mau — durante esse período estava a gravar com novas ideias em mente, o que me ia distanciado do objetivo principal. Por esse motivo, nunca fico totalmente contente.
 Na realidade, acho que essa insatisfação é boa, porque faz com que eu queira melhorar e mudar. Se eu estivesse sempre contente, se calhar, não era bom sinal, provavelmente sentia-me melhor, mas acredito que não seria assim tão bom.

G.- Tendo em conta que tens uma perspetiva que bebe de duas realidades, a nacional e a internacional — ainda que todo este percurso acabasse por ser um embalo ao que fazes hoje, em Portugal, nomeadamente, o teu último álbum — sentes que existem diferenças no universo musical, já num contexto cultural internacional em relação ao português?

C. - Talvez, em termos de escala, se compararmos Londres com Lisboa, acho que há diversas coisas em comum. Mas há sempre visões diferentes. Isto está relacionado com o facto de haver mais salas de concertos, locais de acesso à música. Portanto, sente-se, sim, que Lisboa é mais pequena, mas, quando eu vivi em Londres e Los Angeles eu ainda não tinha o meu projeto consumado. Toquei nesses locais, mas não tive todos esses anos dedicada a algo sólido, assim tão inserida no meio. Ia aos concertos, conhecia as pessoas, mas não estava tão em contacto com a indústria.

Na verdade, é difícil para mim ter uma visão muito concreta porque só em 2019 é que eu estava a ter mais contacto com o público e a indústria no geral, mas acho que Lisboa modificou drasticamente nos últimos cinco, dez anos, de forma positiva. Estava a melhorar. Apresenta coisas mais diversificadas, mesmo em termos de música experimental e de bandas. Antigamente, nunca colocavam Lisboa nas tours e isso mudou exponencialmente. É possível dizer que sim, Lisboa está a ficar muito interessante.

G.- Voltando ao teu álbum, o lançamento está prestes a acontecer. Os formatos físicos mantêm-se?

C. - Sim, o lançamento acontece no dia 19 de fevereiro e ficará disponível nas plataformas habituais. Até agora tenho lançado só CDs e vai continuar a ser assim, pelo menos para já. Eu queria muito fazer vinil, mas só com investimento é que isso será possível. É um desejo muito grande. Não precisava de o fazer com o álbum todo. Talvez escolher uns dois ou três temas de cada álbum, mais pequeno, mas adorava fazer uma edição especial. Futuramente… quem sabe.

G.- Por falar em futuro, podemos esperar novidades em breve?

C. - Sim! Estou a fazer novas músicas neste momento. Talvez possa surgir um EP ou alguns singles. Tenciono passar algum tempo em Berlim, no Verão, e a partir de lá gravar e fazer vídeos… ainda é tudo um pouco abstrato. Quero muito voltar a dar concertos também.

Vamos aguardar até lá!

Texto de Patrícia Silva
Fotografias de Marta Costa e Diana de Sá

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