Numa altura em que Portugal sofre com uma série de manifestações sobre os mais importantes sectores sociais do país, quer seja a saúde ou a educação, é bom existir espaço para um retrato da crise da habitação também, e é aqui que a série “A Arquitecta” brilha.
A série desenvolve-se na capital Norueguesa de Oslo e apesar de se tratar de uma cidade moderna num dos países mais desenvolvidos da Europa, é com algum choque que nos deparamos com a arquitectura da cidade, que é baseada sobretudo em betão, dum cinzento frio e que pode ser interpretado como uma metáfora sobre o tipo de relações sociais existentes na cidade ou a falta delas. Podemos observar um pouco de tudo isto, desde a existência de caixotes de metal que servem de intercomunicadores para um banco — onde eventualmente nos dirigimos para tentar obter um crédito para habitação — até aos drones a passear os cães na cidade e a não faltar a regra distópica, de não poder permanecer no centro da cidade cinco minutos sem consumir nada.
Apesar da narrativa ser ficcional, temos uma visão bastante real do problema da habitação, no sentido em que também os jovens não têm possibilidade nem de arrendar nem de comprar uma casa por causa dos valores absurdos do mercado. E é no desespero desta impossibilidade que a história assume os seus momentos mais surreais. De um lado, temos a protagonista que, por falta de alternativas, se vê obrigada a viver num parque de estacionamento, do outro temos um casal de jovens que a única forma de se tornarem independentes para comprar uma casa, chega ao cúmulo de auto-infligir um golpe com uma faca, podendo a personagem em questão e no contexto da história, alegar que foi um acidente de trabalho, recebendo uma indemnização do seguro que lhes paga a dignidade que qualquer humano precisa para viver. Se o anterior episódio narra um cenário assustador, então a perspectiva futurista do realizador sobre o capitalismo, que não é tão profética quanto isso, descreve sucintamente mecanismos económicos que já existem hoje. Neste caso envolve uma oportunidade e uma armadilha ao mesmo tempo. Uma oportunidade no sentido que nos permite adiar qualquer pagamento que temos a fazer, mas com uma contrapartida, os valores acumulados irão tornar-se em dívidas que irão ser cobradas mais tarde, com valores de juros acumulados.
No entanto, não deixa de ser interessante a suavidade ou conformismo com que a distopia se desenrola, quase como se existisse uma aceitação perfeitamente natural pelas circunstâncias, e não existisse qualquer sentimento de revolta para com o estado das coisas. O único momento emocionante ocorre apenas quando a arquitecta, trabalhando como estagiária se apercebe que o futuro do imobiliário residencial, está mesmo no aproveitamento dos estacionamentos do centro da cidade, este é no decorrer da série o pináculo do absurdo conjugado com a realidade. Embora a ideia dos parques de estacionamento deixarem de ser usados no futuro seja difícil de explicar, rimo-nos ironicamente, quando nos apercebemos que isto poderá ser uma hipótese realista para o problema da habitação. Pior que isso e pondo a cereja no topo do bolo, nada melhor do que fazer-nos acreditar que não precisamos de luz natural e por sua vez de janelas, que tudo isso é muito caro, sendo por esse motivo descartável. Quase que parece impossível que um mundo distópico, onde até pousar numa montra é de facto uma profissão, possa ter tanta coisa em comum com o atual, quando nos apercebemos que, a crise da habitação pode alterar não só a nossa noção de luxo, mas também o nosso conceito de bens de primeira necessidade.