Sábado à noite. Vinte e uma horas do dia 11 de dezembro de 2021. Parece que já não reconheço o local em que entrei diversas vezes durante a minha infância, adolescência e início da vida adulta, primeiro para requisitar livros na biblioteca municipal, depois para assistir a duas peças de teatro (Auto da Barca do Inferno e o Principezinho) e, mais tarde, para a realização do meu primeiro estágio no campo jornalístico. Estamos a falar da Casa de Santo António do Buraquinho, localizada em pleno centro histórico de Ponte da Barca, que recentemente foi inaugurada após obras de requalificação. A situação que conto neste início, ou seja, o tecer de memórias, é sentido pela vereadora da Cultura da Câmara Municipal de Ponte da Barca, Rosa Arezes, em que a mesma afirma que “não há ninguém que não consiga identificar este local como sendo o Santo António do Buraquinho, reconhecimento esse sempre ligado a memórias, em que é pretendido que o mesmo continue a acontecer”.
Reencontro-me, mais uma vez, com estas paredes para assistir a um momento musical, uma das primeiras iniciativas após a nova vida do local histórico e marcante da cultura barquense. Revelando a curiosidade dos barquenses, o concerto teve lotação esgotada, num edifício com cores claras e que chamam a atenção para a cultura e a história. O público dava cor ao local com as suas conversas animadas e em surdina, ao mesmo tempo que o artista interagia e se divertia com o público que se deslocou ao Santo António do Buraquinho. Numa conversa com a espectadora Isabel Fernandes, gerente da loja dos CTT de Ponte da Barca, conseguimos constatar isso ao destacar que a atividade foi uma agradável surpresa. O momento musical foi muito bonito, ainda mais especial por não conhecer o músico que atuou nessa noite, Nuno Felner, partilhou Isabel Fernandes.
Para Isabel Fernandes, o espaço, tal como acontece para Rosa Arezes, é pautado por recordações de atividades, espetáculos, trabalhos. O mesmo é notório para o atual diretor da Biblioteca Municipal de Ponte da Barca, Arsénio Dias, que trabalhou durante alguns anos na Casa de Santo António do Buraquinho, mais precisamente porque este serviço se encontrava a funcionar naquele local, mudando de morada no ano de 2015. Durante a sua atividade no edifício histórico, Arsénio utilizava alguns dos seus compartimentos, como o dedicado à biblioteca municipal e o respetivo ao auditório. Tudo isto acontece, porque este edifício em específico, a Casa de Santo António do Buraquinho, esteve sempre ligado às práticas culturais, sendo um marco para esse aspeto no concelho de Ponte da Barca. Muitas atividades de diversas índoles cruzaram o seu interior, deixando, dessa forma, um legado nas pessoas que entraram no seu mundo.
Mundo esse que sofreu obras de requalificação no seu interior após um investimento de quase 700 mil euros, projeto que teve apoio do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional. Mas antes de se investir, é necessário criar um projeto, projeto esse que começou a ser consolidado em 2017, pelo anterior executivo do Partido Socialista, consolidado, agora, pelo PSD, que ocupa a direção da Câmara Municipal de Ponte da Barca. A iniciativa ligada à requalificação e à restauração está e vai estar ligada aos campos culturais. Apesar de já ter sido palco de inúmeras atividades, tendo dado lugar à antiga Biblioteca Municipal de Ponte da Barca, entre outras valências, a autarquia e o executivo anterior pretenderam “dar uma nova vida ao edifício histórico barquense, mais precisamente a partir das práticas culturais”, até porque, refere a atual vereadora da Cultura, Rosa Arezes, com o decorrer do tempo, o mesmo deixou de conseguir responder às exigências atuais, em que se deve pensar que “o mesmo não tinha as condições que hoje temos”, afirma Rosa Arezes.. Ao mesmo tempo que se melhoram as condições também passa a ser possível apostar em atividades que não podiam ser realizadas no espaço “como, por exemplo, a projeção da sétima arte, que, para a ela se assistir, tem de se sair do concelho”, algo que se tentará mudar na nova utilização do Santo António do Buraquinho, acrescenta a vereadora.
Essa nova vida passou a estar presente na autarquia barquense por se constatar que o edifício da Casa de Santo António do Buraquinho estaria degradado e sem conseguir reunir condições suficientes para a concretização do seu papel cultural. Para o atual presidente da Câmara Municipal de Ponte da Barca, Augusto Marinho (PSD), a utilização da Casa do Santo António do Buraquinho teria deixado de conseguir cumprir com os seus propósitos iniciais ao mesmo tempo que se constatava que o auditório não tinha as melhores condições, surgindo, mais tarde, a oportunidade de se “submeter uma candidatura a apoios comunitários para se requalificar aquele espaço”. Essa mesma requalificação, como explica Augusto Marinho, pretendia colocar na Casa do Santo António do Buraquinho três valências ou equipamentos: auditório (que já tinha anteriormente e que foi requalificado), sala de exposições e arquivo municipal. Este mesmo processo seria também desejado por muitos barquenses, tendo em conta que, para Isabel Fernandes, o equipamento cultural barquense não terá caído em esquecimento. O que aconteceu pode resumir-se no facto “de não terem existido oportunidades para o requalificar e, agora, os espaços estão bem aproveitados”, neste caso com o projeto de reabilitação do espaço cultural e histórico. Iniciativas já muito desejadas e que “faziam muita falta”, acrescenta Arsénio Dias.
A partir do melhoramento dos espaços, através do projeto da requalificação, novas oportunidades e melhores condições para a prática da cultura começam a ser visíveis. “Não tem nada que ver com o que era antes. Modificou-se para melhor. O auditório passa a ter todas as condições, desde, por exemplo, o ar condicionado, o bar, os camarins. Existem todas as ferramentas para se fazer um bom trabalho e uma boa atividade cultural.” O bibliotecário barquense e filho de um dos poetas mais conceituados do concelho do Alto Minho, Manuel Parada, explica que os equipamentos que antigamente estavam presentes na Casa de Santo António do Buraquinho retiravam o melhor partido das condições presentes para o seu trabalho e produziam com o que tinham à sua disposição, em que “o espaço, atualmente, foi melhorado”. Um dos problemas presentes passava pela falta do equipamento de ar condicionado no auditório, em que o frio e o calor eram acentuados no inverno e no verão, respetivamente, tendo em conta que “os espectadores sentiam frio ou calor, no auditório, durante os espetáculos lá realizados. Este aspeto desmotivava as pessoas a ir assistir a momentos culturais na Casa de Santo António do Buraquinho”, algo que a sua requalificação veio atenuar e melhorar para conforto dos seus utilizadores, como se constatou no dia 11 de dezembro de 2021.
Uma das missões presentes na requalificação da Casa de Santo António do Buraquinho passou, precisamente, pelo melhoramento do auditório municipal para “permitir que tudo o que seja espetáculos ou conferências possam funcionar e desenvolver-se naquele espaço, desde dança até ao cinema e ao teatro”, refere o atual presidente da Câmara Municipal de Ponte da Barca, Augusto Marinho. Outro objetivo, para privilegiar ainda mais a cultura e oferecer um espaço também só seu, passou por se criar um espaço totalmente específico para a exibição de exposições, tendo em conta que “não existia um local que permitisse a visitação desse tipo de projetos num ambiente tranquilo e dotado de boas condições”, refere Augusto Marinho, juntando também a criação de um compartimento destinado à realização de workshops.
De forma a também incluir ferramentas históricas e identitárias do povo de Ponte da Barca, o Arquivo Municipal de Ponte da Barca deixou a sua antiga morada para passar a estar incluído na Casa de Santo António do Buraquinho. Com esta mudança, pretendeu-se que os seus profissionais consigam trabalhar com as melhores condições, não deixando de lado a ideia de que aquele serviço alberga e se relaciona com documentos históricos do concelho, perpetuando “a nossa identidade, a nossa cultura e a nossa afirmação social. Portanto, era importante reunir estes elementos num ambiente favorável às suas caraterísticas, nomeadamente para os manter ao longo dos tempos”, refere o autarca barquense, Augusto Marinho. O projeto pressupôs também o melhoramento daquele serviço até porque o local “encontrava-se numa situação deficitária e, com este espaço (Casa de Santo António do Buraquinho), pretendemos renovar e, depois, potencializar a nossa cultura e promover o património”, acrescenta Rosa Arezes. Para além da vereadora da autarquia barquense e do presidente do município, a mudança de morada do Arquivo é elogiada por Arsénio Dias. “Fazia falta isto. Apesar de já existir o Arquivo Municipal de Ponte da Barca, estas condições do Santo António serão melhores.”
Tudo isto não seria possível se não existisse vontade e desejo de requalificar e criar algo remetente ao espectro cultural, até porque, para o presidente da Câmara Municipal de Ponte da Barca, Augusto Marinho, possuir estes tipos de equipamentos é deveras importante, tendo em conta que “é permitida a sua utilização com uma maior frequência e de uma forma cómoda” ao mesmo tempo que as associações e as suas iniciativas têm a oportunidade de se desenvolver e de ter um palco para as mostrar, mais precisamente por se possuir um local que consegue oferecer todo o tipo de ferramentas para os diferentes tipos de espetáculos. O projeto da requalificação do edifício situado no centro histórico de Ponte da Barca e da criação de um novo ciclo cultural para o seu interior é alvo de muitas expectativas e de visões positivas, tendo em conta que a iniciativa poderá ter consequências positivas para o município do Alto Minho e um sinal para o seu sucesso pode ser a constatação “de que a primeira atividade depois da inauguração, após a sua reabilitação, ter tido casa cheia e lotação esgotada”, conta Rosa Arezes. Assim, para a vereadora, é essencial que esta ferramenta cultural “continue a ser um foco impulsionador da cultura”, explica a também professora. Passos essenciais para isso, e que a câmara municipal pretende promover, é a constituição de um ciclo artístico diversificado e que, ao mesmo tempo, procure dar espaço a artistas da região, tendo em conta o potencial artístico presente no mesmo território, como exemplifica Rosa Arezes. Por isso mesmo, algumas das atividades pensadas vão passar por exposições itinerantes, conferências, tertúlias entre outras iniciativas. Os momentos presentes naquele património tão marcante do espírito barquense pretendem “dar vida e dinamizar a cultura no concelho”, acrescenta.
Não nos podemos despedir do interior da Casa de Santo António do Buraquinho sem nos debruçarmos um pouco na sua história e contornos fulcrais do seu retrato. Existem alguns entraves neste mesmo processo, desde logo porque a sua história encontra-se pouco documentada e não existem muitas informações sobre o seu passado, passado esse contado, nesta reportagem, por Arsénio Dias e Augusto Marinho. Sabe-se que é um espaço residencial e casa solarenga, de estilo rococó e tardo barroco, datado da segunda metade de setecentos. Uma parte fulcral é a sua capela privativa com retábulo do século XVIII, em que no templo religioso existe uma imagem do Santo António, pormenor esse que terá dado nome ao edifico histórico e cultural do concelho de Ponte da Barca. No final da década de 70, o espaço foi adquirido pela autarquia barquense em que depois de obras passou a albergar no seu interior o auditório, o Centro Cultural Frei Agostinho da Cruz e Diogo Bernardes, a biblioteca municipal, entre outras valências marcantes deste espaço.