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Catarina Saraiva: “Desde sempre que o Verão Azul tem uma relação forte com a sociedade”

O Verão Azul é um festival transdisciplinar dedicado à promoção e difusão da criação contemporânea…

Texto de Patrícia Nogueira

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O Verão Azul é um festival transdisciplinar dedicado à promoção e difusão da criação contemporânea no Algarve. Este ano, o festival celebra a sua 10.ª edição com uma programação essencialmente feita de estreias e novas criações.

Em 2011, Ana Borralho decidiu trazer à sua cidade, Lagos, aquilo que, durante toda a sua adolescência nunca vira acontecer: arte contemporânea. Juntou-se a João Galante e juntos deram o nome àquele que, passadas dez edições, continuaria a ser um evento de características únicas na região. O festival Verão Azul, com o nome inspirado na mítica série homónima, surgiu com esse mesmo nome também para trazer aquilo que a série propunha falar: falar sobre temas muito sérios. Desde então, o festival tem apresentado, de forma continuada, projetos de teatro, dança, performance, música, cinema e artes visuais, conciliando obras de artistas nacionais e estrangeiros, com um percurso já firmado e reconhecido, com projetos de jovens criadores de carácter mais experimental.

De 4 a 20 de novembro, Lagos, Loulé e Faro recebem esta edição de celebração com 29 propostas artísticas, centradas essencialmente em desafios lançados aos artistas durante o período de pandemia. Em entrevista ao Gerador, a curadora do festival, Catarina Saraiva, contou-nos como têm sido estas dez edições de um festival que, entretanto, se tornou bianual, o que podemos esperar este ano, e qual o impacto que têm tido na região e na comunidade artística.

Gerador (G.) – Este ano, celebram a 10.ª edição, como surgiu, na altura, a ideia de trazer um festival ligado ás artes contemporâneas para Lagos?

Catarina Saraiva (C. S.) – A Ana Borralho é de Lagos e queria poder apresentar à cidade tudo aquilo que não pode ver enquanto crescia. Há uma tentativa de trazer à cidade as linguagens mais experimentais da arte contemporânea, aquilo a que não teve acesso.

G. – Como evoluiu o festival ao longo destes anos e porque decidiram alargar para mais duas cidades?

C. S. – O festival foi crescendo, passou por várias crises – as crises normais da sociedade em que vivemos, e, em 2017, a Casa Branca, estrutura de produção do Verão Azul, convidou-me para fazer a curadoria durante 4 anos, com a intenção de alterar os ciclos anuais para bianuais. Com a minha entrada começámos a pensar o que era importante fazer. O festival sempre teve muita ligação com o território, já esteve em Faro, Portimão, e começou-se uma relação com Loulé e Faro mais intensa, com uma programação não só de apontamentos, mas a pensar esse território. A partir de 2017, a ideia começou a ser fazer um levantamento do que existe no território, mas também de chamar artistas em criação a fazer residências no Algarve – e, portanto, começou esse ciclo de apoio à criação e começámos a fazer coproduções e a apoiar a criação de artistas nacionais, e a levar essas criações ao programa do festival. Em 2019, depois de um primeiro apoio do 365 Algarve, tivemos um segundo apoio que permitiu que o festival fosse bastante grande, sempre com essa preocupação de ter uma vertente internacional. Depois o 365 Algarve terminou e o festival foi criando vários parceiros, nomeadamente as Câmaras Municipais de Loulé, Faro, e de Lagos. Começámos a ganhar mais força nessa possibilidade de poder apoiar cada vez mais a criação nacional, mas também a criação local. Digamos que depois de um festival grande em 2019, o nosso desafio aos artistas que começámos a apoiar foi também fazer uma formação para a comunidade profissional local. As relações cresceram e, para além dos teatros, fizemos parceria com estruturas independentes como a Mákina de Cena, em Loulé, e a Ar Quente, em Faro. Este ano, trazemos um festival que é uma consequência da pandemia, nomeadamente, todos os problemas que a classe profissional sofreu, e que aumentou a sua precariedade. Felizmente, conseguimos continuar a apoiar os criadores com quem nos tínhamos comprometido e decidimos, este ano, que o festival era de criação e que em vez de ser tão grande, íamos apresentar todas as criações que estiveram em residência o ano passado, e também lançámos uma convocatória para todos os artistas locais que passaram nas formações que fizemos, se apresentarem com as suas obras. Por isso, este ano, praticamente tudo o que apresentamos no cartaz, com algumas exceções, são estreias ou novas criações.

Ele escreveu por 25 tostões | Fotografia de Miguel Pina

G. – A vossa imagem é uma bomba em explosão, inclusive a Catarina refere que é como um lembrete para não nos esquecermos de que “o Mundo não é imortal”. Este ano, o Verão Azul é essencialmente uma chamada de atenção?

C. S. – Este tique taque é isso, continuamos a debater as mesmas questões que sempre quisemos debater, questões políticas, e desde sempre que o festival Verão Azul tem uma relação forte com a sociedade. Nesta edição, esta explosão é para que não explodamos, tendo em conta que também possa ser positiva e, nesse sentido, continuamos a trabalhar. A nível de conteúdos, lançámos um desafio à Pauliana Pimentel, para trabalhar sobre as comunidades ciganas que vivem entre Faro e Loulé. O Alex Cassal vai apresentar uma noite que podia ser a última do mundo, dado o cenário que estamos a viver e a sofrer a nível ambiental. Temos o Sérgio Plágio com todas as histórias magnéticas para crianças que vai ao encontro da nossa vontade de mostrar que as histórias para crianças não têm de ser só sobre a carochinha, são histórias com um discurso crítico muito forte. Os ZA! são um coletivo de música catalão, e o único grupo estrangeiro, a quem fizemos o desafio para desenvolver uma criação com pessoas locais e que vai trabalhar sobre aquilo que são as novas profissões, uma chamada de atenção para o facto de estarmos cada vez mais ligados a profissões que nos impelem ao consumo, consumo, consumo. Depois temos outras peças que também apoiámos e que não são propriamente estreias, como o Miguel Boneville, que faz mais uma das suas pesquisas à volta de personagens que o marcam e que chama à atenção para a importância de olharmos para a diferença, e para a inteligência artificial. Também, para além disto, existem vários workshops, oficinas, e coisas que são feitas fora dos teatros, como conversas que queremos provocar. Temos a Luciana Fina com Questo è il piano, um filme sobre a desolação que está a sofrer parte da costa alentejana por causa do turismo louco, de construções turísticas e, depois da apresentação do filme, vamos chamar a Associação Zero e o Turismo do Algarve para falar sobre esta realidade. A Galeria de Arte Ambulante, do Tiago Gandra e do Daniel Melim, que vão estar em criação e apresentar peças de arte dentro de um velho Mercedez Benz numa tentativa de chamar a atenção para a precariedade da arte. E uma série de workshops muito mais dirigidos aos miúdos e adolescentes, mas também espetáculos para toda a família, como a Válvula, que conta a história do grafíti, tudo sempre numa tentativa de criar encontros entre públicos e profissionais.

G. – Todos os anos têm trazido artistas internacionais, mas, este ano, 90 % do cartaz é composto por artistas nacionais…

C. S. – Somos um festival internacional para mostrar e ter essa possibilidade de troca do que são as práticas artísticas entre vários artistas. Espero que seja também uma fonte de inspiração para artistas locais porque muita gente se transforma em artista porque vai muito ver os espetáculos, é uma formação importante, e muitas vezes chega uma mensagem através da arte – assistir a arte é uma forma importante de crescer. Sempre foi internacional e a seleção é feita tendo em conta o que é interessante para o território e quais as urgências do festival. Nesse sentido a seleção destes artistas foi fácil, reduzimos a programação ao que foi os apoios à criação o ano passado e os ZA! foram um desses grupos e digamos que, quando tomámos a posição de ter um festival mais pequeno e de manter um compromisso, os ZA! estavam incluídos. Podemos também falar da Luciana Fina, mas é praticamente portuguesa, vive em Portugal há mais de 25 anos. A premissa é apoiar quem demos os desafios, e seguir as suas criações.

ZA!

G. – Qual o impacto que o festival tem tido na região, para além da comunidade artística?

C.S. – Em Lagos, onde o festival cresceu mais, existe um público fiel que enche salas hoje. Essa formação de públicos acontece porque há um fator de resistência da parte da Casa Branca, o que é também uma forma de chamar a atenção para os próprios políticos e parceiros que devem apoiar todos os tipos de arte e não só aquela que não tem risco, portanto, o Festival já provou isto. Também a partir deste público que esse vai criando surgem artistas, uma das produtoras do Verão Azul é uma pessoa que viu o festival e começou a acompanhar, e outras da equipa para quem o Verão Azul é muito importante. Estes incentivos, ainda que sejam muito pequenos são importantes. Por exemplo, os artistas locais a quem nós lançámos o desafio de trazer pequenas performances acabaram por propor uma peça de noite inteira, que vai ser integrada na programação, uma programação que sempre foi feita com muito cuidado e tendo em conta muito daquilo que se propõe dentro dos temas que queremos discutir, por isso é com muita alegria que os integramos. Desta vez, os artistas locais que vamos ter na programação, foram pessoas que passaram por uma formação, oficinas dadas por outros artistas e também a quem propusemos que pudessem acompanhar as criações e criar diálogo, questionar o que os próprios artistas estão a fazer e, ao mesmo tempo, vemos aparecer novas estruturas na cidade, como a LAMA, que são pessoas que também estão a fazer um trabalho na formação de público e artistas. Esta junção de sinergias é superimportante para que as pessoas ganhem essa confiança de que existe um espaço para crescer que é, e mais uma vez digo, o trabalho das instituições públicas e das políticas culturais locais: estar atento e criar uma linha de pensamento que permita precisamente fazer esta comunidade crescer. Não tem de estar tudo em cima de nós, não é essa a nossa única vocação. São os governos locais, nomeadamente as câmaras municipais, e os equipamentos que estão dentro das políticas culturais dos governos locais, que têm de ter este pensamento e missão de querer desenvolver o território a nível artístico e cultural.

Programa completo disponível, aqui.


Texto de Patrícia Nogueira
Fotografia da cortesia do festival

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