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Che Guevara, no dia em que disseram que era o meu mito

Nas Gargantas Soltas de hoje, João Teixeira Lopes fala-nos da sua admiração por Che Guevara.

Hoje, o Presidente da Câmara da minha cidade acusou-me de mitificar Che Guevara por causa de um texto anterior que eu escrevera e em que não falo sequer do grande revolucionário. Na verdade, não idolatro ninguém nem gosto da figura do herói. Mas é verdade que me agrada o Che: conheceu toda a América Latina de motocicleta, ainda jovem, viveu com agricultores pobres e famintos, com os mineiros explorados, compreendeu a extorsão que as multinacionais americanas faziam das riquezas do continente, lutou na revolução cubana, foi ministro, desprezou prebendas, não se instalou no poder, tentou ajudar, em África, movimentos de libertação, criticou o regime soviético e acabou morto na Bolívia, às mãos dos esbirros do ditador de então. Atirou o corpo para a luta, sem hesitar.

O carrasco que o executou, Mario Terán, confirmou as últimas palavras de Guevara: “vais matar apenas um homem”. Por ser homem, Guevara cometeu erros (como no plano económico que tentou implementar em Cuba ou na crise dos mísseis soviéticos instalados na ilha) e foi atravessado por contradições. Mas tentou sempre ser exemplar, combatendo a lógica mercantil e alienante do capitalismo, atacando o racismo e o machismo, promovendo a solidariedade, a colaboração, o desapego aos bens materiais.

Mais tarde tornou-se um símbolo da cultura pop, sendo a sua imagem integrada nos ícones do capitalismo que, com astúcia e ganância, tudo incorpora e neutraliza: canecas, posters, revistas, t-shirts fazem circular o seu rosto como mercadoria. Adolescentes consumistas podem transportar a sua imagem agarrada ao corpo sem se aperceberem da contradição e reivindicar uma rebeldia que não têm («Só há dois Che Guevara: o da t-shirt e eu»).

Mas os poetas aperceberam-se de outras dimensões. Nas palavras de Sophia:

"Contra ti se ergueu a prudência dos inteligentes e o arrojo dos patetas
A indecisão dos complicados e o primarismo
Daqueles que confundem revolução com desforra
De poster em poster a tua imagem paira na sociedade de consumo
Como o Cristo em sangue paira no alheamento ordenado das igrejas
Porém
Em frente do teu rosto
Medita o adolescente à noite no seu quarto
Quando procura emergir de um mundo que apodrece"

Por isso, não me incomoda que digam que eu gosto do Che, ainda que não use uma t-shirt com o seu rosto. Gosto mesmo: podia ser um irmão, podia ser um amigo.

-Sobre João Teixeira Lopes-

Licenciado em Sociologia pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto (1992), é Mestre em ciências sociais pelo Instituto de Ciências Sociais da Universidade  de  Lisboa (1995) com a Dissertação Tristes Escolas – Um Estudo sobre Práticas Culturais Estudantis no Espaço Escolar Urbano (Porto, Edições Afrontamento,1997).  É também doutorado em Sociologia da Cultura e da Educação (1999) com a Dissertação (A Cidade e a Cultura – Um Estudo sobre Práticas Culturais Urbanas (Porto,Edições Afrontamento, 2000). Foi programador de Porto Capital Europeia da Cultura 2001, enquanto responsável pela área do envolvimento da população e membro da equipa inicial que redigiu o projeto de candidatura apresentado ao Conselho da Europa. Tem 23 livros publicados (sozinho ou em co-autoria) nos domínios da sociologia da cultura, cidade, juventude e educação, bem como museologia e estudos territoriais. Foi distinguido, a  29 de maio de 2014, com o galardão “Chevalier des Palmes Académiques” pelo Governo francês. Coordena, desde maio de 2020, o Instituto de Sociologia da Universidade do Porto.

Texto de João Teixeira Lopes
A opinião expressa pelos cronistas é apenas da sua própria responsabilidade.

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