O eixo do mundo deslocou-se de Ocidente para Oriente. Nós, ocidentais, que passamos semanas a olhar para um caixão, podemos pensar que ainda somos o centro do mundo. Mas, na verdade, já não somos. A China é hoje o motor da sociedade global. Está em todo o lado e é face a ela que os países se posicionam. Uns cooperando, outros resistindo, mas nenhum indiferente.
Duas realidades contribuíram para esta deslocação. O número e uma classe dirigente chinesa particularmente inteligente e eficaz. O chamado mundo ocidental, considerando Europa, Estados Unidos e todos os seus aliados, soma cerca de 1 bilião de habitantes. A China tem 1,5 biliões. O número conta. Sobretudo, quando não falamos já de populações que vivem na miséria e, portanto, incapazes de qualquer iniciativa, mas de um ambiente social de enriquecimento generalizado e muita sinergia. O salário médio na China é agora de cerca de 4.000 Euros. E, embora continue a declarar-se um país comunista, tem mais de 5 milhões de milionários. Aliás, segundo um estudo do Credit Suisse, a China já tem mais ricos do que os Estados Unidos.
O número, associado ao aumento do nível de vida, gera um potente motor de atividade económica, empresarial e de inovação. A China é quem mais patentes regista por ano e com grande distância dos restantes países.
Daí que domine em praticamente todos os setores produtivos e, sobretudo, nos mais avançados, da robótica à inteligência artificial, do 5G aos semicondutores, da biotecnologia à energia verde. Por exemplo, neste campo da energia verde, em que o ocidente parece tão empenhado, basta dizer que das 10 maiores empresas fabricantes de painéis solares no mundo, 8 são chinesas. A China fornece 70% dos painéis solares instalados globalmente. E, é também, o maior utilizador de energia fotovoltaica, gerando 300.000 MW contra 95.000 MW nos Estados Unidos.
Este extraordinário desenvolvimento não teria sido possível sem uma classe dirigente particularmente inteligente. É certo que no campo político, a inteligência, quando existe, parece ser mais fácil de aplicar num regime autoritário, do que numa democracia, onde o conflito de posições raramente é esclarecedor e a manipulação da opinião pública conduz às piores decisões. Mas mesmo assim, há que reconhecer a sagacidade do regime chinês.
Em menos de duas décadas, os chineses passaram da pobreza para a riqueza, do rural para o urbano, do antigo para o futurista, do manual para o tecnológico. As principais cidades são marcos de pujança económica e criatividade.
Existem problemas? Claro, mas relativamente poucos considerando o que se passa no resto do planeta. Isto, claro, descontando os europeus, que deixam morrer milhares de refugiados no mediterrâneo, mas se mostram muito preocupados com os direitos humanos num contexto de combate ao fundamentalismo islâmico.
Entretanto, o ocidente, de cabeça perdida por causa da guerra com a Rússia, deixou que a China se tornasse no grande promotor do comércio livre e da globalização. É irónico que seja um país comunista a fazê-lo.
De qualquer modo, a China leva agora a bandeira da globalização, enquanto o Ocidente retrocedeu para o divisionismo. Esta mudança de posições vai ter consequências nos próximos anos. E, desde logo, o ocidente vai empobrecer, enquanto a China vai enriquecer ainda mais.
-Sobre Leonel Moura-
Leonel Moura é pioneiro na aplicação da Robótica e da Inteligência Artificial à arte. Desde o princípio do século criou vários robôs pintores. As primeiras pinturas realizadas em 2002 com um braço robótico foram capa da revista do MIT dedicada à Vida Artificial. RAP, Robotic Action Painter, foi criado em 2006 para o Museu de História Natural de Nova Iorque onde se encontra na exposição permanente. Outras obras incluem instalações interativas, pinturas e esculturas de “enxame”, a peça RUR de Karel Capek, estreada em São Paulo em 2010, esculturas em impressão 3D e Realidade Aumentada. É autor de vários textos e livros de reflexão, artística e filosófica, sobre a relação Arte e Ciência e as implicações, culturais e sociais, da Inteligência Artificial. Recentemente, esteve presente nas exposições “Artistes & Robots”, Astana, Cazaquistão, 2017, no Grand Palais, Paris, 2018, na exposição “Cérebro” na Gulbenkian, 2019 e no Museu UCCA de Pequim, 2020. Em 2009 foi nomeado Embaixador Europeu da Criatividade e Inovação pela Comissão Europeia.