A geografia e o activismo precede-os no nome. Temos «Baixa», apresentando desde logo a Baixa de Coimbra como a sua geografia preferencial de acção. E o «Há», forma verbal apimentada de interjeição, tomando a força de um pregão e anunciando-se como sinal de resistência comunitário. Criado por estudantes de Arquitectura e de Design da Universidade de Coimbra (UC) em 2016, o Colectivo Há Baixa ensaiou-se nesses primórdios em pequenas intervenções de carácter social e artístico-cultural, acupuncturas urbanas, operações meticulosas que lançavam, concretizando o seu contexto académico, com o interesse na «partilha horizontal de conhecimentos». Dessa forma intervencionaram um espaço comercial, um pátio, criaram sanitários num apartamento antigo que não os possuía, reinventaram um largo medieval como ponto de fruição e de encontro, realizaram colóquios e seminários em que se discutiu a cidade e o direito à mesma, etc. O Colectivo, entretanto, cresceu, transformou-se, amadureceu. A ingenuidade inicial deu lugar a uma engenhosa máquina associativa. Caras novas surgiram, outras gravitaram, algumas vão itinerando. Integra-o actualmente 9 cidadãos e estudantes da UC que se comprometem à «aplicação do conhecimento académico a práticas de cidadania activa, entendida em sentido amplo e a partir de uma perspectiva multidisciplinar». Identifica-se agora, tal como no início, que o interesse maior é o de trabalhar com e para a comunidade, contrariando os sinais da gentrificação da Baixa de Coimbra, zona medieval e monumental muito exposta à voragem da turistificação em curso em cidades portuguesas.
Ainda que a sua sede se mantenha no Departamento de Arquitectura da UC, gerindo o cordão umbilical com a Universidade, Catarina Pires e Qinzhe, elementos do Colectivo, recebem-nos no seu espaço bem implantado na sua área de intervenção, uma antiga loja com montra para a rua, no emaranhado medieval da Baixa de Coimbra. Este espaço do Há Baixa é a âncora física para o projecto criado em parceria com A Avó Veio Trabalhar, o Saco da Baixa. Criado para um público-alvo de «jovens com mais de 55 anos», é financiado pela Gulbenkian, através do PARTIS & Arts for Change, um mecanismo para materializar projectos de inclusão pela arte e que conta com fortes parcerias da área social e institucional. Há uma sucessão de oficinas programadas até 2022, de serigrafia, de poesia, de ilustração, etc. A próxima é de Design Têxtil, com Ana Rita de Albuquerque; a última será de upcycling, promovida pela associação Sonoscopia com Lisa Simpson, com vista a criar objectos sonoros recorrendo também a máquinas de costura. É aqui, entre inúmeros artefactos de oficinas passadas, neste laboratório intergeracional, que o Saco da Baixa pretende anular a solidão, o idadismo, valorizar o saber acumulado e «fomentar a criatividade e a troca de experiências entre idosas habilidosas e jovens artistas».
Ao Colectivo interessa «estar aqui e trabalhar para as pessoas daqui», num caminho de intervenção social pela criação artística. A esse mapeamento das necessidades da Baixa (e também da Alta de Coimbra e da cidade além, pois o Colectivo já galgou essa fronteira topográfica e assume querer acrescer espacialmente), contrapõem com intervenção programática específica e direccionada. Catarina e Qinzhe sintetizam com o corolário: «Esta é uma associação com actividade artístico-cultural, de vocação comunitária e social.» Da rua chegam olhares curiosos dos transeuntes, cumprimentam as vizinhas da frente, do lado. As parcerias locais multiplicam-se, com a Rádio Baixa, uma rádio comunitária, com o Jazz ao Centro Clube, com a Rádio Universidade de Coimbra, com a ATLAS – People like us, etc. Também se diversificam os projectos, que não se esgotam no Saco da Baixa, sem se balizar pelo bairro. Para 17 de Julho anuncia-se o INSIDE OUT Project, uma instalação urbana que «consiste em dar continuidade a uma iniciativa do artista francês JR», com o que se pretende afixar e colar cerca de 150 rostos fotografados em contexto de campos de refugiados. Já para este próximo Setembro, o Há Baixa e parceiros lançam IMENSO, uma viagem-espectáculo que toma a «cadeira de rodas como objecto simbólico para desenvolver a atenção sobre quem não pode sair de uma cadeira e quem, pelo contrário, usa a cadeira como lugar do dizer artístico», com direcção artística da coreógrafa Madalena Vitorino. Habemus Baixa!
*Texto escrito ao abrigo do antigo Acordo Ortográfico