A Natureza é uma Obra de Arte incomensurável que o Homem tem passado os últimos milhares de anos a destruir, com especial afã e sucesso nos últimos dois séculos. Coisa de pouca monta, porque destruir é, de longe, mais fácil do que criar.
Sabemos que o restauro de estruturas criadas pelo Homem é uma arte difícil e de grande exigência, morosa e financeiramente dispendiosa, ainda que ambientalmente muito compensadora. Repôr no seu estado inicial uma peça antiga de mobiliário é um trabalho que requer saber e muita paciência. Restaurar uma casa respeitando a sua conceção original exige conhecimento e muita criatividade. É talvez por isso que reparar, restaurar e recuperar continuam a ser palavras em desuso nesta época de consumismo desenfreado e de facilitismo utilitário.
Por seu lado, o restauro ecológico….
O restauro ecológico ou renaturalização consiste em devolver à Natureza o seu espaço e condições para que ela possa prosperar. Porque a Natureza apenas precisa de respeito. Dando-lhe oportunidade e criando condições, ela regenera-se. Este complexo processo de facilitação tem um valor ambientalmente inquestionável.
O conceito de restauro ecológico ou renaturalização, na sua forma mais ambiciosa (veja-se o fantástico projeto de rewilding a decorrer em Foz Côa, aqui, não implica necessariamente a reposição integral da Natureza no seu estado primitivo, mas sim a reposição do seu equilíbrio funcional. A Natureza é dotada de uma resiliência imensa, por isso, assim que tem uma oportunidade, por pequena que seja, volta a manifestar-se em toda a sua grandeza.
Daí que qualquer pessoa, em qualquer espaço, em qualquer altura possa dar uma ajuda à renaturalização, quer seja na margem de um riacho ou num terreno abandonado.
Se tem um espaço, por mais pequeno que ele seja, e o quer devolver à Natureza, comece por se inspirar em verdadeiras Obras de Arte de restauro ecológico como o caso do Instituto Terra, iniciativa do célebre fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado, ou da Quinta da Moenda, em Vila Nova de Poaires, propriedade da Liga para a Proteção da Natureza e veja, no canal da ZERO no YouTube, o webinar Meia Hora de Bom Ambiente sobre Restauro Ecológico.
Pequenos gestos como a escolha de flores silvestres típicas da sua zona, em vez de flores exóticas, fazem toda a diferença. Procure em sites como a flora e informe-se junto das associações ambientais locais. Apanhe-as com cuidado na berma da estrada antes de passarem as devastadoras máquinas das juntas de freguesia ou antes de serem aplicados os inqualificáveis e implacáveis herbicidas, e replante-as no seu jardim. Se já lá as houver, simplesmente não as arranque.
Em viveiros como o sigmetum, escolha arbustos como o alecrim, o sanguinho ou o folhado. Se houver espaço para árvores procure espécies nativas como a família Quercus, zelhas, freixos ou lódãos e intercale-as com árvores de fruto. Selecione as espécies consoante a dimensão que podem atingir, para garantir que têm espaço quando estiverem totalmente desenvolvidas.
Escolha trepadeiras como a madressilva ou as roseiras antigas, plante sebes multicolores e diversas, intercalando espécies de fruto e de flores. Pode misturar marmeleiros com roseiras, sanguinhos com loureiros. Os pássaros vão aplaudir e encher o jardim com o seu chilrear.
Comece uma pequena horta ou canteiros de aromáticas e esqueça os químicos e os adubos, comece a fazer compostagem e use o húmus resultante no solo. Consulte, aqui.
Consoante o espaço disponível, pode acrescentar um pequeno charco para batráquios e um hotel para abelhas.
Pouco a pouco, pequenos animais começam a repovoar o seu jardim e o sistema começa a entrar em autogestão. Com espécies bem adaptadas ao local, vai ter apenas que controlar algum crescimento excessivo e colher (literalmente!) os frutos do seu trabalho.
Os pássaros, os escaravelhos, as joaninhas, as formigas, as libelinhas, os ouriços, e mesmo as cobras, têm um espaço próprio no mundo natural e um importantíssimo papel no meio ambiente. Antes de pensar em ver-se livre deles, pense em tudo aquilo que trazem de bom para o equilíbrio do ecossistema. Só precisa de os deixar sossegados.
Um espaço naturalizado pode ser uma verdadeira Obra de Arte. Componha a sua quinta, jardim, quintal, terraço ou varanda com as cores, as formas e as texturas de espécies autóctones e veja-as mudar a cada estação do ano e a cada capricho da meteorologia.
Se todos adotarmos a renaturalização nos jardins privados e públicos e em todos os espaços deixados ao abandono, a dada altura a conectividade do sistema é restabelecida e a biodiversidade deixa de estar comprometida.
-Sobre Ana Serrão-
Ana Serrão frequentou o curso de Engenharia Agronómica na Escola Superior Agrária de Santarém e é licenciada em Tradução pelo ISLA. Como associada da "ZERO – Associação Sistema Terrestre Sustentável”, tem trabalhado em iniciativas de ligação da associação à sociedade, com foco em mudança de mentalidades e hábitos de consumo.