fbpx

Apoia o Gerador na construção de uma sociedade mais criativa, crítica e participativa. Descobre aqui como.

Opinião de João Teixeira Lopes

Compreender e reagir: notas sobre o ascenso do Chega

Muitas e muitos de nós estamos ainda a recuperar de um resultado tão expressivo quanto…

Apoia o Gerador na construção de uma sociedade mais criativa, crítica e participativa. Descobre aqui como.

Muitas e muitos de nós estamos ainda a recuperar de um resultado tão expressivo quanto assustador de um partido de extrema direita. Dir-se-á que o regime não está em causa, que as instituições aguentam, que até poderia ter sido pior, que foi só um protesto fugaz. Mas estas pequenas compensações não me desviam do essencial: em Portugal, e um pouco por todo o mundo, milhões de pessoas votam em programas políticos que penalizam os migrantes, os negros, os ciganos, as mulheres; programas que propõem a via da prisão ou da morte (física ou social) para punir os pobres; propostas que dividem o mundo entre eles, os “pedófilos e corruptos”  e nós, “as pessoas de bem”; cartilhas que exibem a majestade da força e da violência, no altar de uma imaginária masculinidade recuperada.

Com a inquietação a atormentar-me, digo: é preciso compreender e (re)agir. Ser radical passa por aqui – ir à raiz, perscrutar a complexidade das causas e dos motivos, rejeitando qualquer visão unidimensional (quer a ideia da catástrofe irreprimível, quer o otimismo progressista de um caminho inelutável para um devir aperfeiçoado). Compreender significa resgatar a possibilidade de intervir a tempo. Compreender, em suma, para agir melhor e transformar a condição presente, através da sua crítica. Com este argumento deixamos de condenar um só ato de ódio, de exclusão ou de perseguição? Não – jamais. Mas não basta a indignação, como não ajuda a resignação burguesa de um apocalipse que se anuncia e que a todos esmagará.

Desde logo, as desigualdades. Medram e com elas a vulnerabilidade e um profundo sentimento de injustiça, desconfiança e medo. Medo da desclassificação social, das trajetórias erráticas, de ficarmos piores, de assistirmos à quebra do mito de que os filhos vão ter um futuro melhor do que os pais, redimindo-os. É neste caldo que a irracionalidade encontra o seu alvo, o desânimo, cavalgando-o numa desconfiança larvar face “ao sistema”, doravante uma espécie de magma viscoso e indistinto.

Mas também a excitação da dimensão cultural e simbólica no contexto histórico nacional: acenda-se o fogo adormecido nos estereótipos de um passado colonial ou do “esplendor de Portugal”, o facho imaginário que ressuscita magicamente o morto, isto é, o passado dos “egrégios avós” de antanho.

Acrescente-se a difusão em rede da mentira, o desejo mimético de agradar e de pronunciar até à exaustão as mentiras que toda a gente adora veicular e teremos o ingrediente da dúvida permanente, a erosão de qualquer básica sólida para argumentar e tentar estabelecer um consenso mínimo sequer sobre as “regras do jogo” (como se viu nos recentes debates presidenciais).

Some-se, ainda, a tentação do eco, de fazer como eles, de responder na mesma medida, com a mesma vozearia, num crescendo de espetáculo que apenas reforça a repetição incessante dos formatos ou molduras do discurso de ódio, que esmaga qualquer contradição ou complexidade. Ou então o juízo elitista, de condenação moral dos “bárbaros”, “incultos e desinformados”, a “ralé” iletrada, a turba ululante que desconhece as regras do cosmopolitismo.

Outras causas poderão ser elencadas. Escrevo ao sabor das notas, como quem desabafa hipóteses. Proponho, pois, o trabalho crítico de exame e a suspensão metódica da dor que nos atravessa e, às vezes, pela paralisia ou pela fuga, nos impede de pensar. Pensar. Pensar com os outros, em conjunto: a mais revolucionária das tarefas.

-Sobre João Teixeira Lopes-

Licenciado em Sociologia pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto (1992), é Mestre em ciências sociais pelo Instituto de Ciências Sociais da Universidade  de  Lisboa (1995) com a Dissertação Tristes Escolas – Um Estudo sobre Práticas Culturais Estudantis no Espaço Escolar Urbano (Porto, Edições Afrontamento,1997).  É também doutorado em Sociologia da Cultura e da Educação (1999) com a Dissertação (A Cidade e a Cultura – Um Estudo sobre Práticas Culturais Urbanas (Porto,Edições Afrontamento, 2000). Foi programador de Porto Capital Europeia da Cultura 2001, enquanto responsável pela área do envolvimento da população e membro da equipa inicial que redigiu o projeto de candidatura apresentado ao Conselho da Europa. Tem 23 livros publicados (sozinho ou em co-autoria) nos domínios da sociologia da cultura, cidade, juventude e educação, bem como museologia e estudos territoriais. Foi distinguido, a  29 de maio de 2014, com o galardão “Chevalier des Palmes Académiques” pelo Governo francês. Coordena, desde maio de 2020, o Instituto de Sociologia da Universidade do Porto.

Texto de João Teixeira Lopes

As posições expressas pelas pessoas que escrevem as colunas de opinião são apenas da sua própria responsabilidade.

Publicidade

Se este artigo te interessou vale a pena espreitares estes também

25 Junho 2025

Gaza Perante a História

18 Junho 2025

Segurança Humana, um pouco de esperança

11 Junho 2025

Genocídio televisionado

4 Junho 2025

Já não basta cantar o Grândola

28 Maio 2025

Às Indiferentes

21 Maio 2025

A saúde mental sob o peso da ordem neoliberal

14 Maio 2025

O grande fantasma do género

7 Maio 2025

Chimamanda p’ra branco ver…mas não ler! 

23 Abril 2025

É por isto que dançamos

16 Abril 2025

Quem define o que é terrorismo?

Academia: cursos originais com especialistas de referência

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Viver, trabalhar e investir no interior

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Comunicação Cultural [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Introdução à Produção Musical para Audiovisuais [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Jornalismo e Crítica Musical [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Fundos Europeus para as Artes e Cultura I – da Ideia ao Projeto [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Gestão de livrarias independentes e produção de eventos literários [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Desarrumar a escrita: oficina prática [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Iniciação ao vídeo – filma, corta e edita [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Patrimónios Contestados [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Artes Performativas: Estratégias de venda e comunicação de um projeto [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Escrita para intérpretes e criadores [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Jornalismo Literário: Do poder dos factos à beleza narrativa [online]

Duração: 15h

Formato: Online

Investigações: conhece as nossas principais reportagens, feitas de jornalismo lento

02 JUNHO 2025

15 anos de casamento igualitário

Em 2010, em Portugal, o casamento perdeu a conotação heteronormativa. A Assembleia da República votou positivamente a proposta de lei que reconheceu as uniões LGBTQI+ como legítimas. O casamento entre pessoas do mesmo género tornou-se legal. A legitimidade trazida pela união civil contribuiu para desmistificar preconceitos e combater a homofobia. Para muitos casais, ainda é uma afirmação política necessária. A luta não está concluída, dizem, já que a discriminação ainda não desapareceu.

12 MAIO 2025

Ativismo climático sob julgamento: repressão legal desafia protestos na Europa e em Portugal

Nos últimos anos, observa-se na Europa uma tendência crescente de criminalização do ativismo climático, com autoridades a recorrerem a novas leis e processos judiciais para travar protestos ambientais​. Portugal não está imune a este fenómeno: de ações simbólicas nas ruas de Lisboa a bloqueios de infraestruturas, vários ativistas climáticos portugueses enfrentaram detenções e acusações formais – incluindo multas pesadas – por exercerem o direito à manifestação.

Shopping cart0
There are no products in the cart!
Continue shopping
0