fbpx
Apoia o Gerador na construção de uma sociedade mais criativa, crítica e participativa. Descobre aqui como.

Contra a prepotência na Universidade

Incomoda-me, sem me surpreender, o que os jornais relatam sobre as culturas de prepotência instaladas…

Opinião de João Teixeira Lopes

Apoia o Gerador na construção de uma sociedade mais criativa, crítica e participativa. Descobre aqui como.

Incomoda-me, sem me surpreender, o que os jornais relatam sobre as culturas de prepotência instaladas em algumas faculdades, como é o caso da faculdade de Direito de Lisboa e o Instituto Superior Técnico. Estudantes que são humilhados, catalogados de burros ou sacrificados no altar de uma prática em estilo militar, dão conta da propagação de sintomas de ansiedade, stress e depressão (Instituto Superior Técnico). Na Faculdade de Direito (de Direito, note-se!), os alunos que denunciaram casos de assédio moral e sexual são pressionados para não seguirem com as queixas, num ambiente geral de permissividade institucionalizada face ao abuso. Há pouco tempo, ao entrevistar uma aluna para um trabalho de pesquisa, ela contou-me da vergonha que sentiu ao entrar na Universidade, porque uma professora se ria com escárnio do seu linguajar popular.

Muitas destas situações acontecem na sala de aula, com insultos, ameaças ou graças estúpidas quando um estudante exprime as suas dificuldades de aprendizagem. Aliás, os níveis de insucesso e de abandono, no caso do Técnico, deveriam ter feito soar todos os alarmes, mas, ao invés, surgem como a glorificação suprema de uma cultura de “exigência” e “excelência”, epítetos abastardados pela verve de quem os usa como trofeu. Ora, as salas de aula devem ser lugares de debate, de colaboração, de um exercício metódico e coletivo de aprendizagem, ao invés de máquinas de repetição unidimensional e unidirecional.

Como é possível que isto aconteça, em pleno século XXI e em democracia? Rui Cardoso lembra-nos, em recente artigo no Expresso, que, no estertor do fascismo, em 1972, os corajosos estudantes do Técnico confrontaram o diretor e os professores catedráticos com a chumbaria em algumas cadeiras. Gerou-se, então, um ambiente de fraternidade estudantil e o medo foi vencido. Quando um catedrático os ameaçou com a polícia de choque, um estudante ousou perguntar-lhe, desfazendo instantaneamente, pela rebeldia, a aura de autoridade de que o lente se investia: “Ó tiozinho, e tu és quem?”

Tal como acontecera em França, embora noutro contexto político, com o maio de 68, os estudantes levantavam o dedo, faziam as perguntas difíceis, recusavam a autoridade só porque sim e abanavam o país de brandos costumes, “tão manso/quase vegetal” (Alexandre O’Neil).

Hoje volta a impor-se um sobressalto. Os abusos devem ser denunciados e as instituições fiscalizadas e responsabilizadas. Mas cabe também aos estudantes o dever de não serem servis e de se manterem unidos. Quantos vezes ouço queixumes de estudantes que, perante o meu conselho de confrontarem os docentes ou a direção da faculdade com determinadas ocorrências, se refugiam na desculpa da eventual punição. Importa saber, em ambiente de fraternidade, correr riscos e arcar com as consequências das nossas ações. Desmontar o arbitrário das ordens absurdas ou dos insultos soezes. Dizer não. Fazer greve, se necessário. Olhar para os professores autoritários com a resistência de quem não lhes reconhece esse poder.

Contudo, os estudantes estão, em geral, atomizados, sem qualquer ligação às associações de estudantes ou aos movimentos sociais. Tantos e tantas insistem no exercício da “praxe”, que mais não é do que a ritualização do conformismo e da obediência em troco de integração. Ninguém quer ser a ovelha negra. Mas, como em tantas outras ocasiões ao longo dos tempos, sem a loucura e a ousadia dos tresmalhados unidos jamais se encontrará o prado verde e livre, a água mais pura ou a alegria soberana.

-Sobre João Teixeira Lopes-

Licenciado em Sociologia pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto (1992), é Mestre em ciências sociais pelo Instituto de Ciências Sociais da Universidade  de  Lisboa (1995) com a Dissertação Tristes Escolas – Um Estudo sobre Práticas Culturais Estudantis no Espaço Escolar Urbano (Porto, Edições Afrontamento,1997).  É também doutorado em Sociologia da Cultura e da Educação (1999) com a Dissertação (A Cidade e a Cultura – Um Estudo sobre Práticas Culturais Urbanas (Porto,Edições Afrontamento, 2000). Foi programador de Porto Capital Europeia da Cultura 2001, enquanto responsável pela área do envolvimento da população e membro da equipa inicial que redigiu o projeto de candidatura apresentado ao Conselho da Europa. Tem 23 livros publicados (sozinho ou em co-autoria) nos domínios da sociologia da cultura, cidade, juventude e educação, bem como museologia e estudos territoriais. Foi distinguido, a  29 de maio de 2014, com o galardão “Chevalier des Palmes Académiques” pelo Governo francês. Coordena, desde maio de 2020, o Instituto de Sociologia da Universidade do Porto.

Texto de João Teixeira Lopes
A opinião expressa pelos cronistas é apenas da sua própria responsabilidade.

Publicidade

Se este artigo te interessou vale a pena espreitares estes também

23 Abril 2024

O triângulo da pobreza informativa na União Europeia. Como derrubar este muro que nos separa?

23 Abril 2024

Levamos a vida demasiado a sério

18 Abril 2024

Bitaites da Resistência: A Palestina vai libertar-nos a nós

16 Abril 2024

Gira o disco e toca o mesmo?

16 Abril 2024

A comunidade contra o totalitarismo

11 Abril 2024

Objeção de Consciência

9 Abril 2024

Estado da (des)União

9 Abril 2024

Alucinações sobre flores meio ano depois

4 Abril 2024

Preliminares: É possível ser-se feliz depois de um abuso?

4 Abril 2024

Eles querem-nos na guerra

Academia: cursos originais com especialistas de referência

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

O Parlamento Europeu: funções, composição e desafios [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Práticas de Escrita [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Comunicação Cultural [online e presencial]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Fundos Europeus para as Artes e Cultura I – da Ideia ao Projeto

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Planeamento na Produção de Eventos Culturais [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Introdução à Produção Musical para Audiovisuais [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Soluções Criativas para Gestão de Organizações e Projetos [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Planeamento na Comunicação Digital: da estratégia à execução [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Jornalismo e Crítica Musical [online ou presencial]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Iniciação ao vídeo – filma, corta e edita [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Viver, trabalhar e investir no interior [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Iniciação à Língua Gestual Portuguesa [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Pensamento Crítico [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Narrativas animadas – iniciação à animação de personagens [online]

Duração: 15h

Formato: Online

Investigações: conhece as nossas principais reportagens, feitas de jornalismo lento

22 ABRIL 2024

A Madrinha: a correspondente que “marchou” na retaguarda da guerra

Ao longo de 15 anos, a troca de cartas integrava uma estratégia muito clara: legitimar a guerra. Mais conhecidas por madrinhas, alimentaram um programa oficioso, que partiu de um conceito apropriado pelo Estado Novo: mulheres a integrar o esforço nacional ao se corresponderem com militares na frente de combate.

1 ABRIL 2024

Abuso de poder no ensino superior em Portugal

As práticas de assédio moral e sexual são uma realidade conhecida dos estudantes, investigadores, docentes e quadros técnicos do ensino superior. Nos próximos meses lançamos a investigação Abuso de Poder no Ensino Superior, um trabalho jornalístico onde procuramos compreender as múltiplas dimensões de um problema estrutural.

A tua lista de compras0
O teu carrinho está vazio.
0