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Contrastes absurdos

Nas últimas semanas temos assistido a graves catástrofes naturais, indissociáveis dos impactos crescentes que resultam…

Texto de Sofia Craveiro

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Nas últimas semanas temos assistido a graves catástrofes naturais, indissociáveis dos impactos crescentes que resultam das alterações climáticas. Vimos pelos ecrãs do televisor o resultado de cheias repentinas no centro da Europa, naquela que foi descrita como a maior tragédia natural das últimas décadas para a Alemanha, o país mais afetado. Aldeias nos estados da Renânia do Norte-Vestefália e Renânia-Palatinado foram completamente arrasadas pela força do mau tempo, com povoações inteiras a ficar imersas em lama e destroços.

No início do mês de julho, vimos o Canadá e o Noroeste dos Estados Unidos da América serem assolados por uma vaga de calor extremo que literalmente cozeu milhões de animais marinhos, além de provocar centenas de mortes humanas.

Em março deste ano, vimos ainda Pequim ser engolido por uma gigantesca nuvem laranja, de areia e poluição, que deixou o ar irrespirável, levando ao cancelamento de eventos, atividades ao ar livre e de centenas de voos, por falta de visibilidade.

Estes são apenas três exemplos que comprovam que o fenómeno das alterações climáticas não é uma possibilidade longínqua, mas está já a acontecer a um ritmo assustador. Este problema, de cariz ambiental, traz consigo consequências devastadoras a nível social.

De acordo com a Amnistia internacional, “estima-se que morram, em média, 3 milhões de pessoas por ano devido à poluição do ar fora de portas”. A mesma organização diz ainda que, “até 2050, entre 50 a 200 milhões de pessoas sejam forçadas a deixar as suas casas e as suas terras por motivos de desastres naturais em virtude das alterações climáticas”.

Se hoje o cenário de refugiados e migrantes que se aventuram pelo Mediterrâneo em direção à Europa já é dramático, imagine-se o que será quando largas porções de território se tornarem inabitáveis. Em outubro de 2020, o filósofo neozelandês Adrian Currie descrevia, numa entrevista ao jornal Público, as possíveis consequências deste cenário:

“Se tivermos grandes quantidades de refugiados, muito mais do que temos tido até agora, podemos ver um aumento extremo de políticas nacionalistas xenófobas em vários lugares, – como, aliás, já estamos a ver com o número comparativamente mais pequeno de refugiados que já estão a chegar agora. Imagine um fluxo de refugiados do clima em massa a alimentar sistemas políticos muito mais extremos. Deve imaginar que sistemas políticos extremos serão muito mais propensos a, por exemplo, ficarem em guerra total uns com os outros. E por aí adiante.”

Tudo isto parece saído de um filme terror, mas as probabilidades não abonam a favor de um quadro mais positivo.

Propus-me neste artigo falar sobre contrastes. Se até aqui listei alguns exemplos de consequências devastadoras das alterações climáticas – que agravarão as desigualdades sociais a níveis que ainda nem conseguimos prever –, pretendo agora colocar na balança as irresponsabilidades humanas que agravam esta situação e roçam o obsceno.

Há pouco tempo vimos Jeff Bezos ser “feliz, feliz, feliz” ao concretizar o seu sonho de ir ao espaço. A bordo de uma nave de aspeto – sejamos sinceros – fálico, Bezos esteve pouco mais de dez minutos no local que define a fronteira entre a Terra e o espaço. Fê-lo com mais três pessoas, uma das quais um jovem holandês de 18 anos que, de acordo com a imprensa nacional “conseguiu lugar na viagem porque o pai, um multimilionário, lhe cedeu a vez depois da desistência de outro candidato, que pagara 23,7 milhões de euros pelo bilhete leiloado”.

Esta não é primeira vez que é realizada uma viagem de turismo espacial. Richard Branson já o tinha feito nove dias antes com a Virgin Galactic, e Elon Musk fará o mesmo com a Space X, em setembro.

Esta viagem, realizada por pura diversão, sem qualquer intenção científica – tanto é que os tripulantes nem podem ser apelidados de astronautas – tem um impacto absolutamente catastrófico no ambiente, devido à grande quantidade de propelentes expelidos para a atmosfera, numa variada lista de substâncias químicas. A informação sobre o impacto real desta “expedição” não é claro, apesar de o voo do Blue Origin ser descrito como mais “limpo” que o dos seus concorrentes.

Seja como for, é ilusório reduzir o impacto destas ações às viagens individuais. A questão principal é o abrir de um precedente que irá agravar uma situação já de si dramática. Como será quando o turismo espacial for normalizado? Quantas viagens teremos por ano? Até que nível os preços irão diminuir? Onde fica definido o limite de alcance?

Perante um mundo já imerso em catástrofes, estas extravagâncias ultrapassam o limite da obscenidade. Não só a nível ambiental este tipo ações é escandaloso, como retratam de forma clara as distâncias sociais que continuam a acentuar-se em pleno século XXI. Afinal de que forma poderia Jeff Bezos suportar o custo desta grande aventura senão graças aos seus trabalhadores explorados e mal pagos a quem ele teve o desplante de “agradecer” este feito?

A ganância e o capitalismo selvagem continuam a ser os grandes obstáculos que nos impedem de ter uma sociedade mais justa e consciente. Será impossível fazer face aos problemas sociais e ambientais enquanto se perpetuar este contraste gritante entre o topo e a base. A fatura ambiental será, sobretudo, paga pelo mais vulneráveis em dimensões que não conseguimos sequer conceber.

-Sobre Sofia Craveiro-

Espírito esquizofrénico e indeciso que já deu a volta ao mundo sem sair do quarto. Estudou Ciências da Comunicação nesse lugar longínquo que é a Beira Interior, e fez o mestrado em Branding e Design Moda, no IADE/UBI, entre Lisboa e a Covilhã. Viveu tempos convicta a trabalhar na área da Moda até perceber que não tinha jeito nenhum. Apaixonou-se pelo jornalismo ao integrar um jornal local teimoso e insistente que a fez perceber o quanto a informação fidedigna é importante para a vida democrática. Desde essa altura descobriu também que aprecia ser In.so.len.te e que gosta de fazer perguntas para as quais não tem resposta. Encontrou o seu caminho nesta casa chamada Gerador, onde se compromete a suar a alma em cada linha escrita.

Texto de Sofia Craveiro
Fotografia da cortesia de Sofia Craveiro

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