Compreende-se que as pessoas estejam cansadas, saturadas e receosas com tudo o que esta pandemia veio mudar no quotidiano. Mas os sinais são claros e evidentes de que este problema não é passageiro, pelo contrário, e que vamos ter de nos habituar a viver com este, mal denominado, “novo normal”.
Sabemos que o planeta está a dar sinais, a um ritmo acelerado, de que está doente, acabado, esgotado, em suma, “farto de nós”. Ainda no outro dia alguém me comentou que, numa viagem nocturna de carro, foi a primeira vez que não ficou com o pára-brisas cheio de bicharada esmagada. Outros não entendem, ou não querem aceitar, como todos os dias se extinguem espécies. Às centenas, aos milhares. Todos os dias ficamos mais pobres, com um eco-sistema ainda mais avariado, e com um futuro que é cada vez mais tratado em séries televisivas ou filmes com um estranho sabor ao que realmente vai acontecer.
É normal que as pessoas estejam cansadas, saturadas e receosas com o dia de amanhã, com um futuro que ninguém ainda percebeu como vai acontecer. E se uns optam por sair das grandes cidades, as metrópoles que apelam a quem lhes está de fora, é também verdade que outros têm medo de que, nesse pequeno salto, possam perder tudo o que conquistaram ao longo de uma vida de trabalho.
É normal que as pessoas estejam cansadas, saturadas e receosas quando percebem que estamos a perder tempo com a aposta na mesma escola, no mesmo sistema, na mesma fórmula, quando colocamos ecrãs à frente dos olhos durante mais de metade do dia. Estamos a perder a noção do mundo real, da natureza, da tal que a todo o momento arrasa culturas com um tufão ou um incêndio devastador. E as notícias? Sempre as mesmas, 90% negativas, a atirar-nos para baixo e rematando com o deus todo poderoso futebol para entreter as massas. É global, não é?
É normal que as pessoas estejam cansadas, saturadas e receosas quando já não dividem a realidade da ficção, o que é uma fakenews que num momento causa perturbações e movimentos sociais e que, amanhã, é logo superada por outra, ainda mais grave, porque desta vez alguém viu, alguém esteve lá para fotografar. Mas também sabemos que vivemos no início da vídeofakenews, e amanhã, será impossível acreditar no que quer que seja.
Mas se tudo isto é normal, também o é perceber que não estamos sozinhos a pensar nisto, muito menos solitários a tentar descobrir uma saída, ou desacompanhados à procura de uma solução.
É hora de reorganização. E essa passa, em primeiro lugar, por um olhar interior. Nada de demagogias, nada de credos ou movimentos. Apenas um olhar para percebermos quem somos. O que já fizemos, superámos, ultrapassámos. Do que realmente somos mesmo capazes quando a isso somos obrigados. E quando percebemos que, afinal, mesmo nos maus momentos, ainda temos uma força, uma vontade, uma esperança, é a hora de dar um passo. Aquele que sempre tivemos receio porque grande, aventureiro, modificador.
Em todo o lado, é agora normal que as pessoas cansadas, saturadas e receosas, e ajudadas por uma brutal mudança de hábitos e vida que aconteceu há meio ano, comecem a tomar consciência de que, afinal, mudar pode não ser assim tão mau. Claro que para umas é mais fácil que para as demais. Naturalmente que para algumas será óbvio e para outras será impositivo. Mas, pela nossa saúde física e mental, temos de tomar uma atitude. Pensar numa mudança.
Se é interior ou exterior ou ambas, só vocês o poderão saber e conquistar.
*Texto escrito ao abrigo do antigo Acordo Ortográfico
-Sobre Ana Pinto Coelho-
É a directora e curadora do Festival Mental – Cinema, Artes e Informação, também conselheira e terapeuta em dependências químicas e comportamentais com diploma da Universidade de Oxford nessa área. Anteriormente, a sua vida foi dedicada à comunicação, assessoria de imprensa, e criação de vários projectos na área cultural e empresarial. Começou a trabalhar muito cedo enquanto estudava ao mesmo tempo, licenciou-se em Marketing e Publicidade no IADE após deixar o curso de Direito que frequentou durante dois anos. Foi autora e coordenadora de uma série infanto-juvenil para televisão. É editora de livros e pesquisadora. Aposta em ajudar os seus pacientes e famílias num consultório em Lisboa, local a que chama Safe Place.