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Crescer sem água: o impacto da seca na agricultura do Algarve

Metade do território continental está em situação de seca severa, a outra metade em seca extrema. São os piores índices desde 2005. No Algarve, uma das regiões mais afetadas, pequenos e grandes agricultores são obrigados a lidar com esta realidade.

Texto de Redação

Terreno agrícola no sotavento algarvio | ©Mariano Alejandro Ribeiro

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A Feira da Dieta Mediterrânica ocorre por estes dias em Tavira, sendo um dos eventos mais importantes do ano. Com o apoio de várias entidades (entre elas, a UNESCO), procura dar visibilidade a este património cultural imaterial, num encontro com crescente relevância internacional. Entre os dias 8 e 11 de setembro, estudaram-se e celebraram-se em igual medida as formas de comer, produzir e alimentar das civilizações que deram forma à identidade da região.

“A Dieta Mediterrânica é, na atualidade, um dos mais relevantes contributos para a preservação ambiental e prevenção das alterações climáticas, modelo de agricultura sustentável e de alimentação saudável”, indica a organização. Por esse motivo, não é de admirar que um dos tópicos presentes na edição deste ano tenha sido o impacte da seca na sua agricultura.

Feira da Dieta Mediterrânica Tavira, 2022 | ©Mariano Alejandro Ribeiro

Quem trabalha e depende da terra, anuncia que os efeitos da falta de chuva, este ano, estão a ser catastróficos. O certo é que há 17 anos que a situação não era tão dramática em Portugal: segundo o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), na sequência do que se tem vindo a verificar desde o início do ano, 55,2 % do país está em seca severa, 44,8 % em seca extrema.

A situação é cada vez mais grave. De acordo com o Palmer Drought Severity Index, índice que representa o balanço da água ao considerar a precipitação, temperatura do ar e capacidade de água disponível no solo, verificou-se, no final do mês de julho, em relação ao mês anterior, um aumento da área em seca extrema (passou de 28,4 % para 44,8 %). Esta tendência acentua-se na região sul.

A Barragem da Bravura, pertencente à bacia hidrográfica das ribeiras do barlavento algarvio, está, neste momento, a 11,06 % da sua capacidade. Face à decisão da Comissão Permanente de Prevenção, Monitorização e Acompanhamento dos efeitos da seca de suspender o fornecimento de água para rega, as atuais reservas não podem ser utilizadas pelos agricultores, tendo como única finalidade o abastecimento público de Lagos, Aljezur e Vila do Bispo.

“Os agricultores beneficiados pelo Aproveitamento Hidroagrícola do Alvor dependem quase exclusivamente da água proveniente da albufeira da Bravura para a rega das suas culturas, tanto anuais como permanentes”, informa António Marreiros, presidente da Associação de Regantes e Beneficiários do Alvor. “Apenas uma percentagem mínima de agricultores tem uma origem de água alternativa (furos, poços, noras)”. Atendendo aos baixos níveis de precipitação ocorridos nos últimos anos, essas alternativas não são garantias seguras.

Evolução do armazenamento da Albufeira da Bravura nos anos hidrológicos entre 2020 e 2022 (dados do Sistema Nacional de Informação de Recursos Hídricos) | ©SNIRH

“Em anos anteriores, com volumes de armazenamento baixos, foram impostas restrições e dotações ao consumo, mas nunca, em tempo algum, as restrições foram totais, como no presente ano”, indica o presidente desta associação.

Do outro lado do Algarve, na Barragem de Odeleite, Castro Marim, as notícias não são melhores. Esta albufeira conta apenas com 29 % da sua capacidade total, ainda que a média para esta altura do ano seja 68 % (dados do Sistema Nacional de Informação de Recursos Hídricos). Esta barragem é uma das que fornece água ao sotavento algarvio. Caso os registos de pluviosidade não melhorem, terá reservas apenas para mais um ano.

Para os habitantes das aldeias serranas do concelho, a falta de água já é habito. Ao não estarem integrados na rede pública, locais remotos como Corte do Gago ou Cortelha, onde a atividade agrícola é essencial, apesar de estarem a pouco quilómetros da barragem do Beliche, dependem da distribuição de água num camião cisterna da autarquia, não só para a rega e para o gado, mas também para consumo humano.

Carregado no centro de Castro Marim, a viatura visita diariamente e várias vezes ao dia os habitantes das aldeias. Neste território cada vez mais inóspito, a água para os animais, para as culturas e para o consumo, é sempre uma incerteza.

Com rios, aquíferos e albufeiras a desaparecerem, como fazem os agricultores? O barrocal algarvio, zona de transição da serra com o litoral, beneficiou durante centenas de anos de aquíferos subterrâneos, de um clima ameno nas épocas frias, sem geadas, e da proteção da salinidade do mar. A falta de água no solo afeta não só os pomares, mas também as tradicionais culturas de sequeiro, tais como a alfarrobeira, amendoeira, figueira ou a oliveira, produtos fundamentais na dieta da região e na sua economia.

As soluções para arranjar água, explica Marreiros, têm variado conforme as possibilidades de cada agricultor. Houve quem solicitasse autorização para a captação de águas subterrâneas, “por forma a fazer face às necessidades hídricas das suas plantações”. Outros, “sem possibilidade de efetuar furos, quer por constrangimentos financeiros, burocráticos ou energéticos, recorreram à compra de água a particulares, a custos elevados (cerca de 8 € /m3) e tentam salvar as culturas permanentes com regas de sobrevivência”.

Face à falta de água e recursos, surge ainda, entre muitos pequenos agricultores, a decisão de não avançar com a sementeira ou plantação de culturas temporárias, deixando plantações permanentes “entregues à sua sorte.”

Apanha da alfarroba, a decorrer nesta altura do ano | ©Mariano Alejandro Ribeiro

Sem grandes investimentos públicos, como “a dessalinização, o aproveitamento das águas residuais provenientes das Estações de Tratamento de Águas Residuais ou a ligação da água captada no rio Guadiana”, o Algarve depende da extração de águas subterrâneas e da precipitação que ocorrer até ao final deste ano. Porém, para que haja uma reposição das águas subterrâneas e superficiais, tão em défice na região, teriam de ocorrer “níveis de precipitação muito acima da média registada nos últimos períodos húmidos”, conclui António Marreiros.

Os municípios da região decidiram prolongar as medidas adotadas em julho para combater a seca extrema, incluindo o encerramento de piscinas municipais e fontes ornamentais, a paragem da rega dos espaços verdes públicos e a substituição de relvados por espécies autóctones com necessidades hídricas mais reduzidas. Contudo, ainda que o consumo humano possa ser controlado, sem precipitação, a desertificação do Algarve é uma ameaça cada vez mais iminente. Uma ameaça que também põe em risco a dieta da região, considerada um padrão alimentar de excelência e celebrada por estes dias nas ruas de Tavira.

*Esta reportagem foi inicialmente publicada a 22 de setembro de 2022.

Texto de Mariano Alejandro Ribeiro

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