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Crónica sete

Falta-me inspiração. É assim. Acontece. Ao sétimo mês do ano, os caracteres tornam-se cada vez…

Opinião de Marco Mendonça

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Falta-me inspiração. É assim. Acontece. Ao sétimo mês do ano, os caracteres tornam-se cada vez mais difíceis de cumprir. Uma semana antes da data de entrega, sento-me em frente ao computador, abro um documento novo e fico a olhar para o cursor de texto, a piscar a cada 0,7 segundos. Nos primeiros 12 minutos, não escrevo nada. O meu ritmo cardíaco aproxima-se do ritmo da barrinha vertical que aparece e desaparece, fazendo-me antecipar mais uma crise de ansiedade. Talvez não seja o momento certo para escrever. Afasto-me do computador e decido ligar a televisão. Procuro abstrair-me do desconforto de uma deadline por cumprir, mas apenas aumento a resolução e as polegadas desse mesmo desconforto.

Itália e Inglaterra defrontam-se num relvado. Vão a penáltis. O remate de Saka, jogador inglês, de 19 anos, é defendido por Donnarumma. A squadra azzurra sagra-se campeã europeia. O terror da derrota assombra o estádio de Wembley. Para Saka, o terror é muito maior. Nas redes sociais o seu nome, assim como o de Rashford e Sancho, surge acompanhado de mensagens de ódio e ameaças de morte. Será este o momento certo para escrever? Continua a faltar-me inspiração, mas agora tenho um tema. O mesmo de sempre. É assim. Acontece. O racismo acontece. Volta e meia vem reclamar o seu protagonismo. É chato? É. É previsível? Evidentemente. Já o tínhamos visto, no mesmo contexto, quando Mbappé falhou a baliza, também nos penáltis, no jogo em que a França foi eliminada do campeonato europeu. Já o tínhamos visto noutra competição, quando o árbitro romeno Sebastian Coltescu se referiu de forma inadmissível a um treinador adjunto. Já o tínhamos visto na liga portuguesa quando adeptos do Vitória de Guimarães fizeram sons a imitar macacos, esgotando a paciência de Marega. Em Portugal, também já o tínhamos visto fora do futebol, em contextos onde o fanatismo do desporto, o álcool ou a euforia coletiva não serviam como argumento para relativizar a violência sobre corpos negros.

Pudemos vê-lo na política quando um deputado branco sugeriu que a deputada Joacine Katar Moreira voltasse para a sua terra.

Pudemos vê-lo na televisão quando Conceição Queirós foi insultada, em direto, por uma mulher branca.

Pudemos vê-lo nas ruas de Lisboa quando Bruno Candé foi assassinado por um homem branco.

Pudemos vê-lo nas redes sociais quando um grupo de pessoas brancas emitiu uma petição que exigia a expulsão de Mamadou Ba de Portugal.

Pudemos vê-lo nos transportes públicos, quando Cláudia Simões foi espancada por um agente da autoridade branco.

Pudemos vê-lo no entretenimento quando um humorista branco fez blackface num programa da manhã.

Pudemos vê-lo no cinema de animação quando o filme Soul foi dobrado em português por atores e atrizes brancos/as nos papéis principais.

Pudemos vê-lo nos jornais quando Romualda Fernandes foi identificada por um homem branco de maneira desrespeitosa.

Vemo-lo e rapidamente o identificamos. Procuramos citações profundas de Baldwin, Davis, Fanon, e vestimos o colete anti-racista nas redes sociais. O mediatismo de um episódio infeliz faz-nos apelar ao respeito e à justiça. Mas depois o assunto morre e uma outra desgraça assume o protagonismo. A luta torna-se intermitente: hoje faz sentido, amanhã logo se vê. Os que sofrem por solidariedade rapidamente se esquecem dos que sofrem por definição.

Para quem sofre de racismo diariamente, os ataques aos jogadores da seleção inglesa não são surpresa nenhuma. Quem sofre de racismo diariamente, temeu por Saka no momento em que foi escolhido para marcar o penálti decisivo. Quem sofre de racismo diariamente, sabe que nenhum jogador negro de uma seleção europeia está livre do ódio e da desumanização por parte dos seus adeptos num momento de azar. Quando marcam golos, são ingleses, franceses, belgas, portugueses. Quando falham a baliza, são africanos nojentos, burros e inúteis.

Tal como existe racismo para além do futebol, deve existir anti-racismo para além das redes sociais. O espaço virtual, embora sirva para introduzir positivamente muitos temas de reflexão, também contribui para a preguiça e o desinvestimento da sociedade nas mudanças necessárias ao mundo real. Os likes e partilhas podem confirmar um posicionamento anti-racista de indivíduos ou instituições mas, no sentido prático, em nada contribuem para a justiça e igualdade.

Angela Davis disse: “Não basta não sermos racistas. Sejamos anti-racistas.” Pois hoje, do fundo da minha insignificância, ouso acrescentar: Não basta sermos anti-racistas. Sejamos anti-racistas que se informam, questionam, conversam, respeitam e agem.

-Sobre Marco Mendonça-

Marco Mendonça nasceu em Moçambique, em 1995. É licenciado em Teatro pela Escola Superior de Teatro e Cinema. Estreou-se nos The Lisbon Players. Em 2014, começou a trabalhar com a companhia Os Possessos. Estagiou, entre 2015 e 2016, no Teatro Nacional D. Maria II, onde participou em espectáculos de Tiago Rodrigues, João Pedro Vaz, Miguel Fragata e Inês Barahona, entre outros. Em 2017, trabalhou numa criação de Tonan Quito e fez o seu primeiro espectáculo com a companhia Mala Voadora.  Em 2019, estreou-se como autor e co-criador em “Parlamento Elefante”, projeto vencedor da primeira edição da Bolsa Amélia Rey Colaço. Atualmente, integra o elenco de “Sopro” e “Catarina e a beleza de matar fascistas”, de Tiago Rodrigues.

Texto de Marco Mendonça
Fotografia de Joana Correia

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