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Daniel Carapau (PI): “Políticas ativas de emprego são, muitas vezes, maneiras encapotadas de subsidiar as empresas”

No mês em que foi aprovado, no Parlamento, e em generalidade, o pacote das alterações laborais da Agenda do Trabalho Digno, retomamos uma entrevista, realizada em fevereiro, com Daniel Carapau, dirigente dos Precários Inflexíveis, associação de combate à precariedade, que também este mês assinala uma década de existência.

Texto de Flavia Brito

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São já dez anos de combate à precariedade, celebrados neste mês de julho, pelos Precários Inflexíveis, um movimento de trabalhadores precários aberto à participação de todos os que quiserem lutar contra a precariedade e a exploração laboral. Em entrevista ao Gerador, Daniel Carapau, dirigente da associação, fez uma retrospectiva do panorama de combate à precariedade no país, desde os tempos da Troika, um período “complicado”, marcado pelo movimento da “Geração à Rasca”, que levou às ruas, a 12 de março de 2011, cerca de 300 mil jovens, para gritar contra a precariedade, a instabilidade laboral e os baixos salários.

Mais de uma década depois, o dirigente considera que pouco mudou. Vê a Lei contra a Precariedade, de janeiro de 2013, como a grande conquista dos últimos anos, mas aponta falhas graves ao trabalho de fiscalização realizado pela Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT). “Deveria haver um relatório anual sobre o número de processos regularizados ao abrigo da Lei contra a Precariedade, e há vários anos que esse relatório não é publicado”, reivindica. Daniel Carapau critica ainda a incapacidade de eliminação dos vínculos precários, desde logo, no Estado e diz mesmo que muitos estágios, como os conhecemos, são para acabar.

Gerador (G.) – Participou, ainda a título individual, no Movimento da “Geração à Rasca”. Desde essa altura o que mudou?

Daniel Carapau (D.C.) – Algumas coisas pontualmente melhoraram. Aqueles anos foram mesmo negros. A única coisa que foi bastante boa, para nós, foi a lei contra a precariedade, que resultou de uma iniciativa legislativa de cidadãos que impulsionámos, com outros movimentos, na altura, e em que tivemos um papel bastante importante. Ainda é ao abrigo dessa lei, de 2013, que, hoje em dia, quem está a falsos recibos verdes – ou agora também noutro tipo de situações – pode fazer queixa à ACT. Se não for resolvido voluntariamente, [o caso] é encaminhado para tribunal. Esse mecanismo foi instituído nessa altura. A parte menos boa é que não temos dados dos últimos anos de aplicação dessa lei, em quantos casos é que isso se traduziu. Nos anos até agora, do Governo de António Costa, o número de regularizações estava a baixar, quando sabemos que não é por haver poucas pessoas nesse tipo de situações, bem pelo contrário.

Ou seja, a precariedade continua disseminada em praticamente todos os setores da economia. Em alguns casos, assume facetas mais específicas, se é mais recibos verdes, trabalho temporário ou trabalho informal. Todas essas variedades continuam muito presentes desde o tempo da Troika. Os recibos verdes, se calhar, não tão intensamente, porque agora há mais variedade de tipos de vínculos precários do que talvez houvesse há 15 anos. Mas há muita disseminação à mesma. Continuamos com uma percentagem elevadíssima de pessoas com contratos a termo. Mesmo comparado com a média europeia, a percentagem é bastante mais elevada.

Claro que é melhor ter governos que, pelo menos no discurso, dizem que querem combater a precariedade – mesmo que depois, na prática, apontemos muitas insuficiências – do que o que tínhamos, na altura da Troika, que era um governo que flexibilizava os despedimentos. Os despedimentos tornaram-se mais fáceis, mais baratos. A contratação a termo foi muito facilitada. O que apontamos aos governos dos últimos seis anos é que não têm feito, nem de perto, nem de longe, o que seria necessário para compensar, vá retificar, o que foi feito antes. E melhorar, além disso, porque também, em 2010, estávamos numa situação muito complicada. Depois surgiram novas formas [de trabalho], como as plataformas digitais, que aí abriram todo um novo espectro de relações precárias, em que as pessoas até arriscam a sua própria vida e nem têm um seguro de acidentes. Não têm proteção mesmo nenhuma.

G. – Atualmente já existe uma série de mecanismos para as pessoas fazerem queixa se tiverem um vínculo laboral ilegal ou precário. A maior parte das pessoas sente-se à vontade para denunciar? Ou prefere garantir o vínculo precário e a manutenção do posto de trabalho?

D.C. – Os números refletem isso, porque são sempre poucas as pessoas que avançam para a denúncia. Em alguns casos, claro que também é um problema das inspeções não fazerem bem o seu trabalho. Vimos agora, no caso da Casa da Música, ou da Fundação de Serralves, que, às vezes, a inspeção toma posições contra os direitos dos trabalhadores e contra o que está na lei. Porque, ou não chegam a falar diretamente com os trabalhadores, ou tomaram decisões inexplicáveis. Depois nuns casos são corrigidos, noutros não.

Mas realmente, o primeiro passo, em que tem de ser o trabalhador a fazer a denúncia, mesmo se estiver protegida a sua identidade, não é um passo fácil. As pessoas têm de ponderar, mesmo que não sejam identificadas pela inspeção. Depois vai haver tentativa, da parte da empresa onde estão, de saber quem fez a denúncia. E depois, depende. Se há poucas pessoas, ou não, na mesma situação pode ser mais, ou menos, fácil perceber quem fez a denúncia. Isso são tudo questões difíceis.

Nós aconselhamos as pessoas a denunciarem a situação. Porque a ACT, em primeiro lugar, deveria proteger e nunca revelar a identidade de quem fez a denúncia. E, se possível, fazerem uma denúncia em conjunto, com outros colegas que estejam na mesma situação. E também obterem ajuda. Nós não providenciamos apoio jurídico. Atualmente não temos capacidade, mas e conhecemos bastante bem a legislação, portanto, também podemos aconselhar as pessoas. Depois há sindicatos que podem também ajudar as pessoas dependendo do tipo de vínculo que têm e do setor onde trabalham. Mas tentamos, desde logo, que haja informação sobre a lei. Primeiro é preciso que as pessoas estejam informadas dos seus direitos, o que, muitas vezes, pode não acontecer.

G. – Muitos trabalhadores desconhecem a lei?

D.C. – Sentimos isso sim. Muitas vezes, as pessoas desconhecem [a lei]. Para já o processo [de denúncia], em si, que é um processo que não é simples. É normal que cause muitas dúvidas. Se vai sempre a tribunal, se não vai, se as pessoas vão ser indemnizadas, se a entidade empregadora, de repente, deixar de pagar salários…

G. – Já tocou no tópico da falta de fiscalização… Isso é prioritário?

D.C. – Nós publicamos um programa de combate à precariedade atualizado e, nos vários programas, temos sempre uma parte dedicada à melhoria das condições de fiscalização, porque realmente não chega a ter leis. Há muita coisa para melhorar na lei, mas, para além disso, depois há a parte da fiscalização, que, se não funcionar, também não adianta estarmos a melhorar as leis. Não é só uma questão de número de inspetores. Isso era um problema grave, especialmente no tempo da Troika. Nos últimos anos, houve uma relativa melhoria do número de inspetores, mas continuam a ser suficientes. Muitas vezes é despachado o processo, sem haver contacto, sem haver uma entrevista direta aos trabalhadores. Há umas chamadas telefónicas, se calhar, mas devia haver sempre uma visita e um contacto direto com quem se está a queixar. Portanto, achamos que há imensa coisa para melhorar ao nível da fiscalização.

Desde logo a ACT devia ser a entidade que ajuda a esclarecer muito mais os trabalhadores. Defendemos que haja campanhas de sensibilização da parte do Governo, objetivos exigentes a nível dos processos e muito mais inspeções – que não seja só em resposta a notícias. Houve inspeções, em Odemira, há uns meses, quando se conheceu a situação horrível que se passa lá, pelos telejornais, mas obviamente já devia ter havido muitas inspeções ao longo do tempo. Portanto, não podemos estar à espera que as coisas cheguem aos jornais e que sejam escandalosas para a ACT atuar. Realmente é uma lacuna grave, e a isso junta-se a falta de informação, porque nem sequer a ACT publica dados com a frequência, o que deveria fazer. Deveria haver um relatório anual sobre o número de processos regularizados ao abrigo da Lei contra a Precariedade, e há vários anos que esse relatório não é publicado. 

G. – Nesta matéria, o Estado nem sempre dá o melhor exemplo. O que isso nos diz sobre o nosso mercado laboral?

D.C. – Os governos acham que o Estado não tem de dar o exemplo, e isso dá logo um sinal péssimo para as empresas. Se o Estado não se preocupa em não ter precariedade dentro do Estado, é porque também não vai ser muito exigente com as empresas em relação a isso.

Envolvemo-nos muito na questão do programa da regularização dos precários do Estado, que ficou muito aquém do que se anunciava. Era previsto que regularizássemos as pessoas que trabalham de forma permanente para o Estado, mas depois cerca de metade, ou mais, dos requerimentos foram recusados. Conhecemos muitas pessoas que viram o seu pedido recusado com a desculpa que não estão de acordo com o que está previsto na lei. Mas isto tornou-se um processo administrativo e, portanto, houve muito pouco, ou nenhum, controlo externo das comissões que decidiram. Os sindicatos estavam presentes, mas estavam em minoria. Em alguns casos, protestaram as decisões, mas os ministérios não mudaram a sua intenção. Foi uma oportunidade que se traduziu em integrações: mais de 10 mil pessoas. Mas sabíamos que, pelo menos, 30 mil pessoas se tinham candidatado, e não é de supor que mais de metade delas estavam a pedir uma coisa que fosse descabida. Sabemos de muitos casos em que claramente as pessoas deviam ter sido integradas e não foram. Só que estas oportunidades... A última tinha sido nos anos 90. Se temos de esperar por cada 30 anos...

E têm sido contratados novos precários todos os anos pelo Estado. Há pouco tempo foi divulgado que estava no maior número dos últimos 20 anos, ou algo assim. Com a pandemia, contrataram-se muitos enfermeiros com contratos precários, muitos técnicos de saúde. Até assistentes para as escolas continuam a serem contratados a termo, quando essas pessoas depois têm de ter os seus contratos renovados, porque o Estado não consegue prescindir delas. Se [o Estado] já sabe à partida que vai ter de andar a renovar… desde logo, não está de acordo com a lei, porque estão a cumprir uma função permanente, depois, é imoral, porque passa-se a causar uma disrupção na vida dessas pessoas, que estão sempre com medo de ficar sem vínculo. Muitas depois têm interrupções nos seus contratos e nem podem pedir subsídio de desemprego – como os professores, que são contratados todos os anos. Portanto, há muitas injustiças que cabia ao Estado corrigir. Apesar de o discurso, às vezes, até ser de que se vai corrigir, é sempre uma coisa parcial. Nunca se resolve o problema de forma estável.

G. – Como olham para os programas de estágios. Vêm ajudar a resolver algum problema ou apenas criam novas formas de precariedade?

D.C. – Não é ajuda nenhuma para os estagiários dizer que têm de ganhar menos do que o salário mínimo, só porque são estagiários. Não faz sentido. Sempre fomos contra os programas de estágios. Em qualquer trabalho, se uma pessoa entra de novo e não tem experiência, tem de haver um período de formação, mas isso não quer dizer, para já, que tem de ganhar menos do que o salário mínimo ou, às vezes, nem isso – ganha-se só subsídio de refeição e transporte. Além disso, tem de estar um ano ou mais nessas condições, por isso, somos contra os programas de estágios, seja do privado, seja do público. Isso é sempre vendido como algo que vai facilitar a entrada dos jovens no mercado e [em que eles] vão ganhar experiência. Qualquer empresa que contrata um novo trabalhador vai beneficiar do trabalho dessa pessoa, portanto, devia pagar-lhe o salário, segundo as leis do trabalho, a lei geral, que é ter de cumprir pelo menos o salário mínimo. Não é por a pessoa ser mais nova, ou ter menos experiência.

Basicamente é uma ajuda às empresas. Quando os privados são financiados, através do IEFP, ou de outras maneiras, é um financiamento às empresas para contratarem jovens, porque é bom para as estatísticas. E, mesmo assim, o desemprego dos jovens continua elevadíssimo, apesar agora da recuperação. Portanto, são subsídios às empresas e até estimula a rotação dos trabalhadores jovens. É um bocado a mesma lógica que o governo da altura da Troika usou, para pôr na lei, que ser jovem à procura do primeiro emprego era razão suficiente para fazer um contrato a termo. Porque é que os jovens, que, muitas vezes já têm de se sujeitar a receber salários muito baixos para o custo de vida que têm, ainda são obrigamos a não ter direito a um contrato permanente? Têm sempre de passar por um contrato a termo, só por serem mais jovens. Não faz sentido. Felizmente, o Governo agora mudou isso. Continua a haver um período de experiência alargado, mas, pelo menos, já não serve como desculpa para se celebrar um contrato a termo, em vez de um contrato efetivo. Só que o Governo fez, para compensar essa alteração, foi alargar os períodos experimentais, incluindo para os jovens, que é uma coisa a que nós nos manifestamos contra, na altura.

Estas políticas, chamadas políticas ativas de emprego, são, muitas vezes, maneiras encapotadas de subsidiar as empresas para fazerem rotação de trabalhadores, contra o que seria desejável, que é reduzir a precariedade, usando dinheiro público para incentivar isso. O desemprego jovem continua alto. Portanto, não funciona e, depois, é injusto, porque põem pessoas que fazem o mesmo trabalho em condições diferentes, só porque, ou não têm experiência, ou estão a começar a trabalhar. Achamos que essas políticas têm de ser revistas. No caso dos estágios até eliminadas, porque o período experimental serve perfeitamente para as empresas perceberem [se os colaboradores se adaptam ou correspondem ao que é necessário].

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