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De aliado a “salvador branco”

Terminei a última semana como comecei: a falar sobre racismo para audiências maioritariamente brancas. Em…

Texto de Redação

©Alice Macedo

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Terminei a última semana como comecei: a falar sobre racismo para audiências maioritariamente brancas. Em cinco dias aconteceu fazê-lo em três ocasiões bem distintas, porém iguais no escancarar da mesma realidade: a insustentável fragilidade de alguns aliados na luta anti-racista.

Para quem não está familiarizado com o termo “aliado” – ou insiste em usá-lo de modo discricionário – recomendo uma definição bem pragmática da afroamericana Kayla Reed, pessoa negra e queer, estratega do Movimento pelas Vidas Negras, a partir do qual co-fundou o Projecto pela Justiça Eleitoral.

Letra a letra, a activista desconstrói a palavra inglesa Ally – que significa aliado –, associando quatro acções a quem ocupa essa posição.

A saber – do original para uma tradução livre:

A - always center the impacted (focar sempre naqueles que sofrem o racismo na pele);

L - listen & learn from those who live in the oppression (ouvir e aprender com aqueles que vivem sob a opressão);

L - leverage your privilege (colocar o próprio privilégio/poder ao serviço da luta);

Y - yield the floor (ceder o ‘palco’).

Metamorfose inquietante

Feito o enquadramento conceptual, passo à observação dos meus últimos dias, marcados pela metamorfose inquietante de aliados em ‘salvadores brancos’.

Partilho um episódio, na esperança de facilitar pelo menos uma das quatro acções enumeradas por Kayla Reed: a escuta, aqui presente em modo de leitura.

Imaginem o seguinte cenário: trabalham afincadamente para um objectivo, esse esforço é reconhecido e, como resultado, recebem um convite para ajudar a organizar uma festa que promete encurtar a distância até à concretização desse propósito. A proposta é animadora, mas quem vos convida explica logo que não há pagamento, ao mesmo tempo que insiste no valor da diversidade que vocês representam.

Com maior ou menor conflito, vocês aceitam colaborar pro bono, e eis então que o aliado revela estar pouco ou nada alinhado com o propósito que alegadamente vos une. Afinal, de que outra forma explicar que a festa está a acontecer graças aos vossos contributos, mas vocês não foram convidados?

Substituamos festa por projectos de combate ao racismo e observemos como os activistas negros continuam a ser “a carne mais barata do mercado”, ao estilo do que imortalizou Elza Soares. Ou seja, na hora de constituir equipas remuneradas, o valor da diversidade étnico-racial surge tão depreciado que, quando a composição exclusivamente branca dessas equipas é questionada – algo que fiz, faço e continuarei a fazer –, a discussão torna-se pessoal.

Porque no final do dia, é a pessoa branca – que até tem amigos e familiares negros e já leu Frantz Fanon – quem tem poder para incluir e excluir. E fica evidente que não hesita em fazê-lo ignorando os apelos a uma maior representatividade lançados pelas mesmas pessoas negras que fez questão ouvir antes.

A surdez selectiva, acompanhada de várias ‘provas’ de ‘não-racismo’, peca sempre pela ausência de compromisso anti-racista efectivo.

Afinal, de que vale pregar a inclusão e o combate a todas as formas de discriminação, se na hora de subir ao palco apenas há lugar para os mesmos de sempre? Custa assim tanto perceber que a criação de acessos é essencial na luta anti-racista? E entender que o foco desta intervenção tem de estar naqueles que vivem o racismo, e não em que acha que, mesmo não vivendo, sabe tanto ou mais, silenciando e deslegitimando vozes.

De igual modo, quem dos chamados aliados, perante uma proposta para ocupar um lugar de discussão sobre questões raciais, abdica desse protagonismo e recomenda alguém racializado?

Habituei-me ao silêncio produzido a partir desses e outros questionamentos, mas nunca me conformei. Porque sei que combater o racismo sem confrontar nem desmantelar práticas racistas é puramente cosmético. Tal como os aliados que não ouvem, e agem como se o alvo do racismo fossem eles próprios. Não são.

-Sobre a Paula Cardoso-

Fundadora da comunidade digital “Afrolink”, que visibiliza profissionais africanos e afrodescendentes residentes em Portugal ou com ligações ao país, é também autora da série de livros infantis “Força Africana”, projetos desenvolvidos para promover uma maior representatividade negra na sociedade portuguesa. Com o mesmo propósito, faz parte da equipa do talk-show online “O Lado Negro da Força”, e apresenta a segunda temporada do “Black Excellence Talk Series”, formato transmitido na RTP África. Integra ainda o Fórum dos Cidadãos, que visa contribuir para revigorar a democracia portuguesa, bem como o programa de mentoria HeforShe Lisboa. É natural de Moçambique, licenciou-se em Relações Internacionais e trabalhou como jornalista durante 17 anos, percurso iniciado na revista Visão. Assina a crónica “Mutuacção” no Setenta e Quatro, projecto digital de jornalismo de investigação, e pertence à equipa de produção de conteúdos do programa de televisão Jantar Indiscreto.

Texto de Paula Cardoso
Fotografia de Aline Macedo
A opinião expressa pelos cronistas é apenas da sua própria responsabilidade.

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