Ao longo dos últimos anos a União Europeia viu-se confrontada com uma nova realidade, por ocasião, não apenas mas principalmente, de dois acontecimentos: a pandemia e a guerra na Ucrânia. Estes marcos históricos, ainda muito presentes no nosso quotidiano, mudaram a forma como a Europa deve encarar o seu futuro.
A pandemia covid-19 teve características diferentes das demais crises, afetou de forma universal e sem olhar às fronteiras nacionais de todo o mundo. Os Estados-membros confrontaram-se com a necessidade de fazer frente a uma ameaça socorrendo-se dos seus meios e dos seus aliados. A necessidade pode não ter reconhecido fronteiras, mas o mundo e os lideres políticos sentiram a urgência de suprir o mais prontamente possível as carências dos seus serviços nacionais de saúde, assim como o acesso à inovação tecnológica, como foi o exemplo dos ventiladores e da vacinação. Poderia ter significado uma crise que rompia com o princípio de solidariedade da União Europeia, agudizando diferenças e prioridades nacionais dos Estados-membros. Vimos como o caminho foi o da União, desde a aquisição conjunta do plano de vacinação, à forma solidária como os Estados-membros se apoiaram mutuamente através do plano de recuperação e resiliência.
A invasão da Ucrânia pela Rússia apareceu como um efeito de surpresa que quase ninguém conseguiu prever. O recurso à guerra por parte da Federação Russa alegando a defesa da sua soberania, rapidamente revelou-se uma enorme falácia perante a resposta do Ocidente e um erro com motivações imperialistas. A verdade é que a União Europeia e a Rússia têm sido importantes aliados estratégicos, principalmente nas trocas comerciais da energia com um valor económico relevante para ambas as regiões. Seria expectável e racional que essa relação proativa fosse mantendo os seus moldes, apesar dos diversos avisos perigosos que a Rússia ia dando à União Europeia, como foi a anexação da Crimeia em 2014. Até ao momento, o conflito tem sido contido no território ucraniano e os lideres europeus têm mantido um diálogo assertivo para que não se ceda às exigências imperialistas russas.
Mas ainda não conseguimos assegurar uma estratégia eficaz no que concerne à defesa da União Europeia. É neste capitulo que devemos colocar os olhos nas soluções que encontrámos no combate à pandemia e recolher deste episódio as lições aprendidas. A União Europeia precisa de garantir a sua autonomia estratégica de defesa nas duas perspetivas essenciais: garantir no imediato o regular funcionamento da aliança NATO e reforçar as relações transatlânticas, aumentando o orçamento para a defesa de cada aliado e Estado-membro (nomeadamente para os 2% do PIB); mas principalmente, garantir a eficiência desse mesmo orçamento, pela aquisição conjunta de capacidades e desenvolvimento de uma indústria da defesa europeia capaz de produzir os mais sofisticados sistemas tecnológicos. Este último aspeto não será exequível no nível de ambição desejado nos próximos anos, pelo que devemos no imediato privilegiar o diálogo transatlântico, mas poderá desenvolver-se pelas iniciativas que a Comissão Europeia tem levado a cabo na cooperação entre os Estados-membros. Por agora, os Estados Unidos têm sido um garante securitário que não podemos dispensar, mas cujo futuro político interno é incerto e algumas posições em determinados conflitos geopolíticos distanciam-se dos Estados-membros da União Europeia.
Não devemos encarar o investimento na defesa como uma autonomia estratégica dos Estados Unidos, nem tão pouco como um investimento na militarização e empoderamento da União Europeia para a guerra. Devemos encarar o investimento na defesa pelo seu potencial disruptivo e inovador, pelo desenvolvimento de valências tecnológicas e industriais que nos podem preservar como uma União intolerante aos imperialismos e capaz de os dissuadir. A defesa da Europa constrói-se fortalecendo o aprofundamento da nossa União, no caminho pelo desenvolvimento sustentável e pela paz!
*Esta opinião foi publicada no contexto do Europa Agora, o projeto do Gerador co-financiado pela União Europeia que pretende informar sobre o papel do Parlamento Europeu no dia a dia democrático, promover a participação cívica e mobilizar o voto para as Eleições Europeias de 2024.
- Sobre o Miguel Carvalho Gomes -
Natural de Viseu. Licenciado em Ciência Política e mestre em Economia e Políticas Públicas. Atualmente na Direção do EuroDefense-Portugal e doutorando em Políticas Públicas.