fbpx

Apoia o Gerador na construção de uma sociedade mais criativa, crítica e participativa. Descobre aqui como.

Opinião de Ana Catarina Correia

Direitos não são favores, favores não são direitos

Quem me conhece sabe que adoro refletir e agir em prol da defesa dos direitos…

Apoia o Gerador na construção de uma sociedade mais criativa, crítica e participativa. Descobre aqui como.

Quem me conhece sabe que adoro refletir e agir em prol da defesa dos direitos das pessoas com deficiência ou de outras comunidades que ainda lutam diariamente para “conquistar” direitos básicos.

Estou convicta de que o ativismo e associativismo que exerço nascem daí, por força de uma profunda inquietação e crença de que as coisas têm, de facto, de mudar para melhor. As injustiças multiplicam-se e/ou mantêm-se a cada dia e a mudança é difícil de ver (e tão lenta é, que uso uma espécie de lupa analítica para a captar e é assim que a reconheço). Sei que já escrevi noutros momentos sobre estas matérias, mas certos pontos merecem ser (re)partilhados.

Portugal subscreveu em 2006 e ratificou em 2009 a Convenção da Organização das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, documento fulcral onde impera o espírito que nos devia nortear a todos/as enquanto sociedade. Contudo, a realidade é que – sem negar a sua inquestionável importância – continua a ser um documento que muitos desconhecem, que simplesmente nunca ouviram falar ou que é – apenas e só – ignorado/esquecido em tantas e tantas circunstâncias.

Acredito que estas mudanças são lentas (como todas as mudanças sociais e políticas profundas) por força da imagem e créditos que são construídos sobre a deficiência na arena pública e da ausência de preocupação no mundo da Justiça.

Pensemos na forma como, na esmagadora maioria das vezes, a comunicação social nos retrata. São às centenas os títulos de jornais e reportagens que se debruçam sobre relatos pessoais inspiradores em que aquela pessoa com deficiência é um caso de superação e que devia servir de exemplo para os “outros” sem deficiência, principalmente nos seus piores dias; são também às centenas as peças que retratam alguém como uma vítima de uma incapacidade dolorosa e que merece a mais profunda compaixão. Certamente nenhuma destas perspetivas espantará o/a leitor/a.

Honestamente, não sei qual destas visões é o maior entrave para o que me parece ser uma espécie de “caminho para os Direitos”. Falo de caminho porque apesar de nos serem reconhecidos - no âmbito legal e jurídico - um conjunto vasto de direitos, a verdade é que ainda estamos na fase de ter de os conquistar e lutar arduamente por eles. Acredito que o cansaço e desgaste que daí decorrem poderão ser uma parte da explicação para a ausência de um movimento coletivo forte e sólido (qual espécie de inércia que consigo compreender). Mas as dificuldades não se esgotam aí.

Temos em Portugal um traço cultural generalizado de que muito do que a sociedade “faz por nós” é uma espécie de favor ao qual devemos estar gratos/as. Este traço está presente nas atitudes de técnicos e dirigentes de serviços; na ausência de acessibilidades e de medidas inclusivas em diferentes esferas da vida social que, quando existem, devemos enaltecer; está latente, talvez, à total inoperância de algumas respostas fundamentais, como a atribuição de verbas para produtos de apoio, a título de exemplo. Vislumbra-se nas atitudes e expressões mais comuns que escutamos no espaço público quando nos deparamos com a impossibilidade de frequentar um lugar ou de realizar uma determinada ação (por não existirem medidas inclusivas): a célebre frase “eu ajudo/nós ajudámos”; observa-se nas campanhas de recolha de fundos para atribuição de produtos de apoio onde impera uma lógica de caridade. Não julgo quem a ela recorre, o desespero e a necessidade levam-nos a escolhas não muito agradáveis.

Sei que estas expressões e ações vêm de um lugar de bondade e solidariedade. Mas é importante frisar - e sem ferir suscetibilidades - que favores e ajuda alheia não são direitos. Não promovem a liberdade, a dignidade, a autonomia. E são um gigantesco entrave para que se reconheça, proteja e garanta - enquanto sociedade - estes mesmos direitos.

Aliada desta ausência de reconhecimento de uma matriz de Direitos está uma Justiça que pouco ou nada opera nestas matérias. Acredito que não o faça pela fraqueza do ativismo e por todas as fragilidades e desconhecimentos que já enumerei. Acredito que vai começar a operar quando for alvo de pressão nesse sentido por parte de quem quer e precisa de mudanças.

Creio que estamos a dar passos neste caminho e teremos bons aliados. Mas é premente que enquanto sociedade entendamos que favores não são direitos. E só com direitos poderemos dar verdadeiros passos em prol da inclusão e da aceitação (e celebração!) da diversidade humana.

-Sobre a Ana Catarina Correia-

Licenciada e mestre em Sociologia pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto com interesse particular na problemática da deficiência. Foi doutoranda na mesma escola e área disciplinar, num projeto de investigação que versa sobre as políticas para a deficiência em Portugal e na Europa e que dá enfoque à filosofia da Vida Independente e que ainda não foi finalizado.
Atualmente, é técnica no Centro de Apoio à Vida Independente Norte da Associação Centro de Vida Independente. Na mesma organização é dirigente e coordena a delegação do Porto. Colabora, ainda, com outras organizações representativas de pessoas com deficiência. É ainda atleta federada de Boccia pelo Sporting Clube de Espinho e membro da seleção nacional da modalidade desde 2016.
Grande motivação na vida: a crença de que a construção de sociedades justas e inclusivas depende de cada um de nós e que esse será um dos grandes sinais de desenvolvimento humano. E qual é uma das grandes bases para este desenvolvimento? A educação e uma consciência global de Direitos Humanos.

Texto de Ana Catarina Correia
Fotografia da cortesia de Ana Catarina Correia
A opinião expressa pelos cronistas é apenas da sua própria responsabilidade.

As posições expressas pelas pessoas que escrevem as colunas de opinião são apenas da sua própria responsabilidade.

Publicidade

Se este artigo te interessou vale a pena espreitares estes também

25 Junho 2025

Gaza Perante a História

18 Junho 2025

Segurança Humana, um pouco de esperança

11 Junho 2025

Genocídio televisionado

4 Junho 2025

Já não basta cantar o Grândola

28 Maio 2025

Às Indiferentes

21 Maio 2025

A saúde mental sob o peso da ordem neoliberal

14 Maio 2025

O grande fantasma do género

7 Maio 2025

Chimamanda p’ra branco ver…mas não ler! 

23 Abril 2025

É por isto que dançamos

16 Abril 2025

Quem define o que é terrorismo?

Academia: cursos originais com especialistas de referência

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Viver, trabalhar e investir no interior

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Iniciação ao vídeo – filma, corta e edita [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Fundos Europeus para as Artes e Cultura I – da Ideia ao Projeto [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Escrita para intérpretes e criadores [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Introdução à Produção Musical para Audiovisuais [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Jornalismo Literário: Do poder dos factos à beleza narrativa [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Desarrumar a escrita: oficina prática [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Artes Performativas: Estratégias de venda e comunicação de um projeto [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Gestão de livrarias independentes e produção de eventos literários [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Comunicação Cultural [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Jornalismo e Crítica Musical [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Patrimónios Contestados [online]

Duração: 15h

Formato: Online

Investigações: conhece as nossas principais reportagens, feitas de jornalismo lento

02 JUNHO 2025

15 anos de casamento igualitário

Em 2010, em Portugal, o casamento perdeu a conotação heteronormativa. A Assembleia da República votou positivamente a proposta de lei que reconheceu as uniões LGBTQI+ como legítimas. O casamento entre pessoas do mesmo género tornou-se legal. A legitimidade trazida pela união civil contribuiu para desmistificar preconceitos e combater a homofobia. Para muitos casais, ainda é uma afirmação política necessária. A luta não está concluída, dizem, já que a discriminação ainda não desapareceu.

12 MAIO 2025

Ativismo climático sob julgamento: repressão legal desafia protestos na Europa e em Portugal

Nos últimos anos, observa-se na Europa uma tendência crescente de criminalização do ativismo climático, com autoridades a recorrerem a novas leis e processos judiciais para travar protestos ambientais​. Portugal não está imune a este fenómeno: de ações simbólicas nas ruas de Lisboa a bloqueios de infraestruturas, vários ativistas climáticos portugueses enfrentaram detenções e acusações formais – incluindo multas pesadas – por exercerem o direito à manifestação.

Shopping cart0
There are no products in the cart!
Continue shopping
0