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Dora Luís: “O trabalho de um figurinista é olhar para as pessoas e ver o que são”

Iniciou-se no audiovisual há mais de duas décadas e, nos últimos 16 anos, trabalha como figurinista na SP Televisão. Tem vindo a dedicar-se, sobretudo, às novelas televisivas e está, neste momento, a desenvolver o projeto “Flor sem Tempo”. Em entrevista ao Gerador, Dora Luís fala sobre os desafios do trabalho em produções televisivas, a valorização artística das novelas e a importância do guarda-roupa para a composição da identidade das personagens.

Texto de Débora Cruz

Fotografia cortesia de Dora Luís

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O interesse pelo têxtil chegou cedo, mesmo que de forma inconsciente. “A minha mãe ensinou-me tudo: ela costurava, bordava e eu gostava, [o interesse] sempre ficou comigo”, admite. Dora Luís estudou Arquitetura na Escola Universitária das Artes de Coimbra (ARCA-EUAC), mas decidiu depois enveredar pela área da modelagem industrial e, em 1998, terminou o curso no Centro de Formação Profissional da Indústria de Vestuário e Confeção, em Lisboa. 

O primeiro contacto com a indústria da televisão foi como assistente de guarda-roupa numa produção da Endemol Portugal, empresa de radiodifusão e produção audiovisual. Apesar de ter gostado da experiência, Dora Luís tinha “algum receio” de se lançar numa área que considerava “muito instável” e continuou a desempenhar pequenos trabalhos na área da publicidade e eventos comerciais. “Era mesmo um mundo muito distante para mim, mas depois fui conhecendo pessoas e foi isso que me lançou neste meio”, conta.

Em 2007, a SP Televisão, uma produtora audiovisual independente, é fundada, e Dora Luís recebeu uma proposta para o que considerou ser um “desafio irrecusável”: foi convidada a integrar a equipa e estreou-se como figurinista. “Sempre achei que ser figurinista, especialmente, de produtos de televisão, requer alguma maturidade”, defende, “talvez até então pensasse que ainda não estava à altura, mas, naquele momento, achei que era altura de aceitar e não estou arrependida”. Desde então, contabiliza trabalhos em múltiplas produções, entre as quais, Vila Faia, Perfeito Coração, Mar Salgado e Amor Maior.

Em entrevista ao Gerador, através de videochamada, Dora Luís explicou o que faz uma figurinista de produções televisivas e qual a importância do guarda-roupa para a composição das personagens. “[Um figurinista] faz tudo o que está relacionado com a roupa que todos os atores usam em todos os momentos, mas, no fundo, é muito mais que isto, porque é uma identidade”, sustenta.

A figurinista da SP Televisão falou-nos também sobre a desvalorização do trabalho artístico das novelas, descrevendo-as como o “parente pobre” da indústria televisiva. “Há muita qualidade artística no trabalho de televisão que não é reconhecido”, argumenta. Dora Luís explica que as novelas são, muitas das vezes, vistas como uma forma de viabilizar outros projetos, mas garante que não é esse o seu caso pessoal. “Aprendi a gostar muito deste formato”, admite.

Dora Luís falou ainda sobre a sua relação com os atores e explicou quais são os principais desafios que sente no trabalho em televisão. “Ter uma consciência ambiental é difícil nestes projetos”, confessa. Ainda assim, a figurinista acredita que a indústria está a dar os primeiros passos em direção à sustentabilidade.

Estudou modelagem industrial no Centro de Formação Profissional da Indústria de Vestuário e Confeção, em Lisboa…

Sim, acabei o curso em 1998. Inicialmente, andei numa escola de artes em Coimbra, a ARCA, e o meu plano era seguir arquitetura, só que eu fazia todas as cadeiras de artes e nunca fazia de projeto. Como sempre fiz muitas coisas de costura e sempre achei muita graça, pensei: 'Se calhar, preciso de uma formação mais técnica' e fui por aí. Acabei esse curso em 98 e foi aí que comecei a trabalhar. 

O interesse pela indústria têxtil sempre esteve presente?

Não era bem pela indústria, era aquelas coisas mais infantis, de menina clássica. Gosto de costura, gosto de bordar, coisas que ninguém ligava nenhuma, agora sim, mas na altura nem sequer era assim tão bem visto... Os meus pais eram muito tradicionais e a minha mãe ensinou-me tudo, ela costurava e bordava, e eu gostava e sempre ficou comigo. Na escola, fazia desfiles de moda que os meus pais patrocinavam e reproduzia as coisas das revistas, ou seja, não era uma coisa consciente, mas sempre foi um chamamento forte [risos]. 

Em entrevista à SP Televisão, disse que quando entrou no mercado de trabalho percebeu que trocaria a indústria têxtil pelo têxtil na indústria da televisão. O que suscitou a mudança? 

Quando acabei de estudar, estava muito orientada para a indústria e para o têxtil. Acho que também, na época, houve falta de informação minha: não era sequer uma possibilidade trabalhar em televisão. Era um mundo completamente distante de mim, porque eu vivi alguns anos fora de Lisboa: fiz o liceu em Vilar Formoso, [no distrito da Guarda], nos anos de 1980, ou seja, não era assim uma coisa que eu aspirasse conscientemente. Depois, fiz o curso de modelagem, porque gostava muito e pensei que ia trabalhar na indústria e que ia continuar a estudar, talvez estudasse estilismo, porque o curso já tinha uma componente de estilismo, mas muito pequena. Só que tinha um amigo que fazia teatro de rua e começou a convidar-me para fazer alguns projetos e as coisas foram acontecendo, não foi assim um grande plano que tracei. Depois, comecei mesmo a gostar e as coisas até correram bem e fui continuando. Foi mais nesse sentido, não foi um percurso super planeado. 

Foi um acidente... 

Foi um acidente, sim, que acho que fui aproveitando. 

Deu os primeiros passos na televisão, numa produção da Endemol, há mais de 20 anos. Essa experiência acabou por ter um impacto significativo na sua carreira? 

Sim, foi o primeiro grande contacto com a indústria, digamos, porque eu fazia coisas pequenas, coisas de publicidade. Lembro-me de fazer inaugurações de espaços, aqueles eventos mais comerciais. Esse foi o meu primeiro grande contacto com produções de televisão e correu muito bem, gostei muito. Ainda assim, não fiz tudo seguido, porque fazia tudo em regime freelance e estava a começar a viver sozinha, tinha algum receio de me mandar para uma área que era muito instável, então ia fazendo umas coisas, mas continuava com um part time numa loja. Era muito receosa de abraçar [a área]… Era mesmo um mundo muito distante para mim, mas depois fui conhecendo pessoas e foi isso que me lançou, digamos, neste meio. 

E quando é que decidiu abraçar, de facto, a indústria? 

Fui sempre fazendo alguns trabalhos, mas voltei a estudar: estudei Comunicação Aplicada, [porque] gosto de estar a fazer coisas diferentes. Depois, quando a SP Televisão arrancou, em 2007, a Patrícia Sequeira convidou-me para ir para a SP e aí sim, ficou, de facto, sério e a tempo inteiro e já estou lá há 16 anos. Ficou muito sério [risos]. 

Disse que considerou o convite um "desafio irrecusável". O que é a fez aceitar esse desafio?  

Porque [o trabalho] era como figurinista e, até aí, tinha sido sempre assistente e as coisas que fazia em nome próprio eram mais pequenas, [mas] achei que já tinha maturidade suficiente para aceitar o desafio. Sempre achei que ser figurinista, especialmente, de produtos de televisão, requer alguma maturidade, porque é muito grande o desafio e não é só um desafio criativo, envolve muita gente e é necessária uma gestão emocional. Talvez até aí eu pensasse que ainda não estava à altura, mas, naquele momento, achei que sim. Agora percebo a diferença que faz e, tantos anos passados, ainda percebo mais a importância que tem o crescimento pessoal. Achei que era altura de aceitar e não estou arrependida. 

Deve ter sido um desafio um pouco assustador no início... 

É sempre, porque realmente é uma grande empreitada: temos pouco tempo, é preciso conciliar muitas coisas e nem sempre há essa consciência, não paramos para pensar. Não é tudo super planeado e eu era uma pessoa mais ponderada, que gostava de tudo muito organizado e, de repente, essa organização é uma coisa mais espontânea, não é assim tão formatada como na minha cabeça eu achava que devia ser. Isso obrigou-me a tornar-me mais flexível e, claro, com a idade e a experiência, isso vai-se ganhando: essa flexibilidade e agilidade de pensamento que, olhando para trás, percebo que não tinha assim tanto, mas faz parte. 

Essa gestão emocional, como disse há pouco, foi ainda mais difícil do que o próprio desafio criativo?

Estiveram par a par. Hoje em dia faço isto melhor, sinto-me mais serena, porque a experiência traz isso, mas o desafio criativo também é grande, claro. Agora, nem tudo depende de nós: há atores envolvidos, há realizadores envolvidos, há muitas circunstâncias, há tempo, há mecanismos de produção. Conciliar isto tudo, para mim, será sempre o grande desafio, mais do que o criativo, mais do que o emocional: conciliar estes timings todos e estas vontades é sempre um grande desafio, e também acho que é o que mais me atrai, na verdade. 

E, na prática, o que faz uma figurinista? 

Neste caso da televisão e, especialmente, das telenovelas — que é aquilo que tenho feito mais ultimamente — é muito específico, mas faz tudo o que está relacionado com a roupa que todos os atores usam em todos os momentos. Mas, no fundo, é muito mais que roupa, porque é uma identidade. No início, estudamos com o guionista e com o realizador, portanto, com a autoria, o que é que vão ser aquelas pessoas? O que é vão usar? Como é que se vão comportar? Eu absorvo as ideias deles e tento transcrever isso para uma roupa, para uma identidade, e depois tenho que replicar isso mil vezes num ano ou durante nove ou dez meses, que é, normalmente, o tempo de produção. Depois, ainda tenho de adequar isto às situações mais variáveis: hoje [a personagem] foi às compras, amanhã vai trabalhar, agora vai à piscina. Portanto, tudo o que implique tudo o que vestimos: é isso que nós fazemos, claro que tenho uma equipa, não faço isto sozinha. 

Em entrevista à revista digital Delas, em 2016, a atriz Inês Castel-Branco falou sobre a novela Amor Maior, na qual a Dora foi figurinista, e falava precisamente que o guarda-roupa foi uma “ajuda preciosa” para a composição da sua personagem. De que forma é que o guarda-roupa influencia a identidade da personagem? 

Acho que o impacto depende sempre do ator, mas acho que, em geral, todos dirão que isto tem importância, porque todos nos vestimos consoante quem somos, mesmo que seja a disfarçar quem somos, [o guarda-roupa] serve sempre uma função. Às vezes, o ator já tem uma ideia e eu consigo chegar junto da ideia que o ator tem e construir sobre isso. Outras vezes, é o contrário: o ator ainda não tem nada construído e essa ajuda do guarda-roupa também o faz sentir o caminho dessa personagem: se é rico, se é pobre, se anda na escola ou não, se é rural ou urbano. Estas coisas que vão desde o nível mais básico até aos pequenos pormenores que, às vezes, podem passar despercebidos a qualquer pessoa, mas que para um ator — sei por experiência — tem importância. Pode construir-se uma história a partir daí, por exemplo, um fio que era da mãe, uma pulseira que o seu amor lhe ofereceu, tudo isso contribui para contar uma história para além das palavras. 

Referiu que tem trabalhado mais em novelas, mas também já trabalhou em curtas-metragens e peças de teatro… 

Sim, já fiz algumas coisas, não de caráter tão extenso ou tão sério, mas sim. 

Os processos de trabalho são muito distintos, tendo em conta a extensão dos projetos? 

Acho que são... [Mas] para mim, a maior empreitada é uma novela: tem muita gente, muitas personagens e dura muito tempo. Todos os outros projetos vão sempre durar menos tempo, portanto, à partida, são coisas mais pequenas e os processos também são diferentes consoante quem os dirige e acho que temos de nos adaptar sempre a quem nos está a dirigir. Fazer uma fotografia de moda não é a mesma coisa que fazer uma curta-metragem, com toda uma história, ou mesmo uma série ou uma novela têm processos diferentes, especialmente de timings e de construção. A novela, para mim, será sempre a grande empreitada, e aquela que é, muitas vezes, vista como o parente menor. Acho que é a mais trabalhosa, porque tem mais quantidade e sei que a quantidade não é sinónimo de qualidade, mas o que nós tentamos é que haja sempre uma qualidade que o produto merece. Portanto, para mim será sempre o desafio maior, os outros são giros, é divertido, mas não se comparam a isto, porque já estou nesta indústria há muito tempo e percebo a escala, e a escala aqui tem muita importância. 

Porque razão considera que as novelas são o parente pobre na indústria?

Os prémios, por exemplo, não são noticiados, porque, claramente, há o cinema... Eu também entendo o cinema como uma arte maior, não estou a querer diminuir nada, mas há muita qualidade artística no trabalho de televisão que não é reconhecido, porque é feito de outra maneira: é feito mais rápido e não há tanto tempo para ponderar. Ainda assim, acho que existe um trabalho artístico envolvido. Não posso assegurar que seja assim que é visto por toda a gente, mas é a sensação que tenho, embora, acho que, como todos os atores portugueses trabalham em televisão, em teatro e em cinema — o nosso mercado não é assim tão grande — acho que conseguem perceber as diferenças e apreciar esta amplitude de meios e não quer dizer que não o respeitem. No entanto, as novelas são sempre vistas um bocadinho como: 'Vou aqui fazer isto para depois conseguir fazer outras coisas'. Esse não é o meu caso, eu faço novelas, ponto final: não estou a fazer isto para viabilizar outros projetos. Aprendi a gostar muito deste formato, que as camadas mais novas também já não ligam muito, portanto, também não sei qual será o futuro da indústria, mas gostava que continuasse. Se calhar, a melhorar, porque temos de nos adaptar aos novos tempos, mas é mais neste sentido, não é com desprimor. 

Aprendi a gostar muito deste formato [novela], que as camadas mais novas também já não ligam muito, portanto, também não sei qual será o futuro da indústria, mas gostava que continuasse.

Dora Luís

A novela acaba por ser o formato de produção com que mais se identifica? 

Não, não necessariamente. Ultimamente, como trabalho na SP e a produção maior da SP são novelas, acabo por estar sempre a fazer novelas, mas não ia virar as costas a uma série ou a outra oportunidade. Acho que estou disponível para qualquer formato, mas realmente a maior parte das coisas que fiz foi em formato novela. Simplesmente, não sou freelancer, trabalho na SP e faço os projetos deles e, portanto, são estes que tenho feito, mas se aparecerem outros... 

Disse que a fase de pesquisa para os projetos que desenvolve dura cerca de duas a três semanas, mas confessou que está sempre a pesquisar para “encontrar as melhores ideias”. Considera-se perfecionista? É "difícil" trabalhar consigo? 

Não, acho que já foi mais, mas tem de perguntar às pessoas que trabalham comigo [risos]. Mas dizendo exatamente aquilo que acho e, correndo o risco de perguntar a outra pessoa e a resposta não ser a mesma, acho que é mais fácil hoje em dia trabalhar comigo, porque larguei um bocadinho do perfecionismo e porque entendo que não há mundos ideais, especialmente neste ritmo, lá está, por ser uma novela. Aqui é sempre pedido algum perfecionismo, claro que primamos pela qualidade, mas, inevitavelmente, fazer um trabalho que, se calhar, demora uma semana, num dia, vamos ter que perder alguma coisa… Acho que já perdi essa ilusão da perfeição, mas tive-a durante muito tempo. Não é que não queira fazer o melhor possível, mas há sempre melhor possível. Portanto, tem que haver um ponto em que temos de parar e reconhecer que, para aquele momento, para aquelas condições, está perfeito. Não significa que não haja melhor, [mas] isso dá-me alguma tranquilidade. 

O nome Arlete Rodrigues diz-lhe alguma coisa? 

Sim, trabalho muitas vezes com ela. Ela tem um atelier e quando acabei o curso fazia moldes para o atelier dela, foi assim que a conheci. Era um dos meus trabalhos também. 

No seu perfil do LinkedIn, a Arlete Rodrigues escreveu uma recomendação em que diz que a senhora é “a pessoa mais positiva e mais bem disposta a trabalhar” que conhece. É assim que se descreve também? 

Eu não diria tanto, mas ela é muito querida [risos]. Acho que, regra geral, sou bem disposta, mas posso recomendar um ou dois nomes que não diriam exatamente isso [risos]. 

Já comentou que cada novo projeto traz o desafio de uma nova história, de um novo ambiente e de um novo elenco. Existem desafios específicos que são transversais a todos os trabalhos, para além da questão da organização que mencionou há pouco? 

Há sempre os desafios específicos de serem pessoas novas, com abordagens novas, ou até as mesmas pessoas, mas que estão num momento diferente da vida. Esse desafio existe sempre, de ir ao encontro das ideias dos outros e, às vezes, tentar pacificar ideias, porque, como é muita gente, é muito difícil chegar a um consenso e tentar juntar tudo isto... Esse desafio mantém-se, é sempre transversal e é sempre o maior desafio. 

Há algum tipo de personagem, ambiente ou tipo de história que prefira trabalhar?

De preferência, gostava de mudar o mais possível para sentir a diferença. Nem sempre é possível e estamos a trabalhar os mesmos ambientes durante anos, o que também não é mau, porque estamos a melhorar recursos e formas de fazer as coisas. Às vezes, sinto falta de uma coisa radicalmente diferente ou plasticamente diferente, porque, ultimamente, por exemplo, trabalhamos ambientes mais naturalistas e eu gosto de coisas assim muito pop e intensas e de cores fortes. Isso é uma coisa que não tenho tido oportunidade de fazer, mas, lá está, depende do tipo de projetos. Não podemos forçar o projeto àquilo que nós queremos fazer, acho que tem que ser o contrário: temos que servir um projeto e, portanto, não posso forçar uma linguagem que não existe em lado nenhum. 

Às vezes, sinto falta de uma coisa radicalmente diferente ou plasticamente diferente, porque, ultimamente, por exemplo, trabalhamos ambientes mais naturalistas e eu gosto de coisas assim muito pop e intensas e de cores fortes.

Dora Luís

É difícil não imprimir muito do seu cunho pessoal nos trabalhos que desenvolve? 

Não, porque imprimo sempre, é inevitavel, nós não nos dissociamos de nós. Há universos que trabalho melhor, porque os entendo melhor, e há universos que não trabalho tão bem, mas o que me fascina nisto e a diferença entre isto e moda, é que isto não é um desfile de tendências. Quando me perguntam o que é que está mais na moda, não sei muito bem, porque, muitas vezes, nem sequer estou ligada... Gosto e claro que vou vendo, mas eu acho que o trabalho de um figurinista não é ver o que é a última moda, é olhar para as pessoas e ver o que são, e se eles usarem a última moda, então temos que ir estudar a última moda. Mas não é sempre isso, é muito mais uma questão de identidade, que tanto pode ser um pescador como a rapariga ou rapaz que usa a última moda, portanto, é sempre muito elástico. Não tenho assim nenhum universo que diga: 'Ai, eu adorava fazer'. Não, eu gosto mesmo desta mistura e de ter vários elementos conjugados, porque num projeto há sempre o núcleo dos pobres, e dos ricos, e gosto de trabalhar esses universos e até gosto quando se cruzam, há pano para mangas [risos]. Não prefiro um em detrimento de outro, porque acho que a riqueza é mesmo essa. A diversidade, para mim, é mais interessante do que trabalhar só uma coisa. 

Em retrospetiva, o que é que tem sido mais gratificante e desafiante no trabalho que tem desenvolvido? 

Eu gosto muitos dos atores e é muito gratificante trabalhar e perceber que se pode ajudar alguém a construir uma coisa. Eu gosto muito dessa relação e acho que me esforço para a manter. Para mim, isso é muito gratificante, mesmo do ponto de vista técnico: ter uma equipa com quem trabalho, que me ajuda imenso e que torce por mim e que contribui com tudo, isso é sempre o melhor de tudo. Depois, a nível pessoal, ver-me crescer no sentido de atingir um equilíbrio, de não sentir que isto é sempre uma angústia, uma corrida contra o tempo, que é, mas viver bem com isso ajuda-me. Como desafio, diria ter uma consciência ambiental que é difícil nestes projetos, porque gastamos muito com coisas que hoje em dia... Vou dar um exemplo básico: eu não uso peles, pessoalmente, mas não posso fazer isso num projeto. Há que distinguir entre quem somos e as nossas crenças, daquilo que serve um projeto. Essa parte para mim é desafiante: gastar menos, conseguir reciclar mais. A parte negativa é esta, ainda não consegui contornar estas questões, mas acho que faz parte de manter o equilíbrio. Não conseguimos mudar o mundo de um dia para o outro e nem temos condições, nem é possível com os tempos que temos, mas tenho tido algum cuidado com isso, na medida do possível. 

Eu não uso peles, pessoalmente, mas não posso fazer isso num projeto. Há que distinguir entre quem somos e as nossas crenças, daquilo que serve um projeto: essa parte para mim é desafiante.

Dora Luís

Mas nota que as próprias produções têm tido cada vez mais essa consciência? 

Penso que estamos a dar os primeiros passos, não é um tema muito abordado. Nós lidamos com muitas dificuldades e, portanto, é o caso da pirâmide das necessidades. Ainda assim, estamos a dar os primeiros passos e há uma consciência disso, [mas] há menos dinheiro, inevitavelmente, há sempre menos dinheiro: os projetos são sempre feitos, se calhar, até com o mesmo dinheiro, mas as coisas estão mais caras, portanto vai dar ao mesmo. É muito difícil conciliar essas coisas com estas preocupações: acho que se tenta, pode ser que haja um caminho melhor, mas ainda está para durar. Por exemplo, saindo um bocadinho da minha área e pensando nos cenários: o que é que se faz a todo este material [após o fim de uma produção]? Nós reciclamos imenso e a SP Televisão tem uma política de reciclagem e de reutilização de meios, mas isto faz muito desperdício. Há um longo caminho a percorrer e acho que temos de estar preparados para isso e enfrentar novos desafios. 

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