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Opinião de Selma Uamusse

E o Nobel da Paz vai para…

Entre o ano lectivo de 2000/2001 e 2005/ 2006 estudei no Instituto Superior Técnico, em…

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Entre o ano lectivo de 2000/2001 e 2005/ 2006 estudei no Instituto Superior Técnico, em Lisboa, essa grande instituição da Engenharia em Portugal. Tinha ingressado, no ano anterior, em Engenharia Civil, mas optei por enveredar antes por um outro curso com o estranho nome de “Engenharia do Território”. O meu objectivo era estudar urbanismo e ordenamento do Território e, apesar de na altura o nome da licenciatura não ser muito popular e de parecer o irmão pobre dos cursos do Departamento de Civil e Arquitectura, sinto que tomei a melhor decisão… Era realmente um dos cursos mais esquisitos do Técnico, com apenas uma ou duas turmas por ano, não havia tradições académicas muito enraizadas, havia tantas raparigas quanto rapazes (e giras, sem bigode) , estávamos longe de ser um curso de nerds e havia as mais distintas "loucas e interessantes aberrantes personalidades” a frequentar o mesmo. Uma das coisas de que mais gostava era o facto do contacto com os alunos mais velhos ser muito promovido e era possível sermos amigos dos alunos de anos mais avançados ou mesmo dos assistentes que nos davam aulas práticas. Fazíamos muitas viagens de grupo, tínhamos um núcleo de estudantes de território em que veteranos, caloiros e professores se juntavam para estreitar relacionamentos e desenvolver actividades como conferências, viagens de estudo, jantares e afins.

Foi o que aconteceu com o Pedro Matos. O Pedro devia ser uns cinco anos mais velho que eu, mas enquanto membro do NET (Núcleo de Estudos dos Estudantes de Território) eu fazia parte da comitiva que organizava conferências na nossa área e o Pedro era um frequente convidado, até porque ele foi um membro fundador deste núcleo. Na altura, ele era um dos oradores mais frequentes que falava sobre Sistemas de Informação Geográfica aka SIG’S. O Pedro já tinha passado por uma série de posições de destaque, mas lembro-me de ficar muito impressionada com o facto de quando o conheci ele trabalhar na ESA, a Agência Espacial Europeia. Com um currículo estudantil invejável, sempre envolvido na “Escola”, o Pedro, além de bem falante e bem disposto, sempre se mostrou muito acessível, não só para beber uns copos e dar umas boas gargalhadas, mas para conversar sobre assuntos que me interessavam — música, cinema, talvez artes em geral e sobre pessoas, as pessoas no seu contexto territorial em várias partes do mundo e não sei se ouvi este palavrão pela primeira vez da boca dele mas poderia ter sido, sobre as vulnerabilidades territoriais e sociais que cada vez mais nos assombravam.

Nunca fomos colegas, mas entre festas, o festival FMM em Sines, e conversas comuns, fomo-nos tornando amigos e era clara para mim a sua paixão pelo continente africano. Com um gosto particular por fotografia fui acompanhando o trabalho do Pedro pelo mundo, quase sempre associado a refugiados no Sudão, Kenya, Uganda, Mali, Yemen e apercebendo de que muitas vezes corria risco de vida, mas nunca falando muito sobre isso, afinal os missionários não se queixam. E foi no final de uma missão que, em Dezembro de 2018, o Pedro passou por Moçambique e convidámo-lo para a festa de casamento moçambicano que íamos fazer na belíssima Estação de Caminhos de Ferro em Maputo. Lembro-me com bastante clareza de estarmos sentados à mesa e de ele dizer que há muito que não tinha uma missão tão tranquila e que estar em Moçambique era uma espécie de descanso de tantas situações gravíssimas de fome associadas a guerras e conflitos interétnicos que tinha tido de gerir anteriormente enquanto coordenador de Emergência do Programa Alimentar Mundial (PAM), mais conhecido por World Food Programme . Não levou muito tempo para toda essa calmaria mudar. Em Março de 2019, infelizmente, e muito devido às alterações climáticas, o norte de Moçambique nas províncias da Beira e Cabo Delgado foi fustigado pelos ciclones Kenneth e Idai que levaram a fortes cheias, inundações e deslocamentos de terras que levaram à morte e à deslocação de milhares de moçambicanos que ficaram sem casa, sem saúde, com fome, e o Pedro coordenou a primeira resposta humanitária a este terrível desastre.

E o Prémio Nobel da Paz de 2020 foi atribuído ao World Food Programme e, naturalmente, o Pedro enquanto colaborador é um dos visados com esta atribuição, que alegria!

Quando liguei ao Pedro, actualmente no Sudão, a dar os parabéns pelo galardão recebido pela organização que ele ajuda a coordenar a resposta dele foi muito simples: “Claro que ficámos surpreendidos e felizes com este reconhecimento, mas num ano com tantos potenciais vencedores nunca imaginaríamos. Agora é continuar a trabalhar e esperar que esta visibilidade nos ajude a trabalhar mais e melhor… muito inspirador para mim ouvir estas palavras de alegria, mas de muita humildade de quem todos os dias acorda para arregaçar as mangas para combater a fome no mundo, por isso, roubo-lhe aqui as palavras porque me parecem muito certeiras e as mais importantes de reter de tudo isto…

"Nós alimentamos 100 milhões de pessoas todos os dias, somos muito grandes, mas a maior parte das pessoas não tem noção do trabalho que desenvolvemos e muitas nem têm noção de que existimos. Gostávamos muito mais que o mundo pusesse mais foco nas razões que levam as pessoas ao conflito e à fome. Problemas como as alterações climáticas que levam as pessoas a serem empurradas para as migrações, a criminalidade, o extremismo ou para as guerras interétnicas.”

Com todo o carinho e admiração que lhe tenho, o que este herói dos nossos tempos me faz acreditar é que a a caminhada para um mundo melhor está nas mãos e ao alcance de todos nós e como diria o David Bowie : “We can be heroes, Just for one Day” sendo a voz, o alimento, o socorro daqueles não a têm com pequenosm mas grandes gestos também. Que os nossos olhos se possam voltar para os milhões de pessoas que sofrem ou enfrentam a ameaça da fome, hoje e sempre!

*Texto escrito de acordo com o antigo Acordo Ortográfico 

-Sobre Selma Uamusse- 

De origem e nacionalidade moçambicana, residente em Lisboa, formada em Engenheira do Território pelo Instituto Superior Técnico, ex-aluna da escola de Jazz do Hot Club, mãe, esposa, missionária e activista social,  Selma Uamusse é cantora desde 1999. Lançou a sua carreira a solo em 2014, através da sua música transversal a vários estilos mas que bebe muito das sonoridades, poli-ritmias e polifonias do seu país natal, tendo apresentado, em 2018, o seu primeiro álbum a solo, Mati.  A carreira de Selma Uamusse ficou, nos últimos anos, marcada pelas colaborações com os mais variados músicos e artistas portugueses, nomeadamente Rodrigo Leão,  Wraygunn, Throes+The Shine, Moullinex, Medeiros/Lucas, Samuel Úria, Joana Barra Vaz,  Octa Push etc. pisando também, os palcos do teatro e cinema.

Texto de Selma Uamusse
Fotografia de Rafael Berezinski

As posições expressas pelas pessoas que escrevem as colunas de opinião são apenas da sua própria responsabilidade.

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