Sentir-mo-nos deslocados em festas é capaz de ser uma característica obrigatória das mesmas. As razões podem variar, seja pela qualidade da música ou a disposição pessoal para lá estar. Se existisse um Manual Universal das Festas, a primeira regra seria a obrigatoriedade da existência de momentos constrangedores, embora estas situações efémeras sejam esquecidas e a vida siga o seu curso normal. Contudo, neste caso é diferente. No dia 10 de Março fui a uma festa para a qual tinha sido convidada. Para ser honesta, fui ao “pré” no dia 3 de Março, onde havia pouca confusão e, entre a entrada e a saída da mesma, se contabilizaram cerca de 5 escassos minutos. No entanto, a espera era grande para a grande festa do dia 10.
Deparei-me com um problema inesperado. No dia 10 de Março senti-me como uma intrusa numa festa para a qual, percebi mais tarde, não queria sequer ter sido convidada. A festa teve mais convidados do que era esperado e teve que se aumentar o espaço à última da hora. Numa sala à parte, onde iam entrando a pouco e pouco os convidados VIP, os Vastos Importantes Políticos, estava um bolo com 50 velas que ardiam intensamente. Uma vela por cada ano de liberdade conquistado após o fim da ditadura em Portugal. No fim da noite percebi que, ironicamente, quem se aproximava do bolo que eu observava tão atentamente eram 50 pessoas que pareciam querer - mais do que apagar as velas - destruir o bolo que lhes servia de alicerce. Uma outra festa ocorreu dia 25 de Abril, para mim mais alegre que aquela do dia 10 de Março, que se demonstrou amarga no seu final. O que o dia 10 de Março antevia era que teríamos que acrescentar uma nova regra ao nosso Manual Universal das Festas: a de que as festas afinal também podem ter convidados que acabam por aparecer contrariados e cuja vontade genuína é a de cancelar a festa. As danças, os cantos e a poesia habituais mantiveram-se, mesmo que sob o olhar atento de 50 pessoas pessoas que nos olhavam lá do outro canto da festa. A um dado momento, estas acabam mesmo por a abandonar, tentando enfraquecer o momento em que se cantou Grândola, Vila Morena a plenos pulmões.
Não é só em Portugal que estas pessoas existem. Na verdade, Portugal foi dos últimos países europeus onde elas se manifestaram eleitoralmente. O grupo político europeu do qual o Chega faz parte desde Junho de 2023 - o Identidade e Democracia (ID) - é um pouco isto e muito mais. As suas políticas e discursos intensificam-se e amenizam-se para que se possa abranger o maior número de eleitores, sendo assim o seu populismo flexível e sofisticado, procurando alargar o potencial eleitorado. Esta família europeia é daquelas mesmo complicadas, com um enredo bastante difícil de acompanhar. Engane-se quem pensar que, por serem de países diferentes, as suas ideias são bem diferentes. Na verdade, os partidos de extrema-direita internacionais estão todos em sintonia, tentando acolher em si o eleitorado descontente com as políticas comunitárias.
As sondagens das tendências de voto nas próximas eleições europeias, que decorrerão entre 6 e 9 de Junho, indicam que a composição do próximo Parlamento Europeu poderá ter a maior representação desta ideologia da História. Efetivamente, segundo um novo estudo do European Council of Foreign Relations (ECFR), baseado em diversas sondagens de opinião de todos os estados-membros da UE e análise dos escrutínios de 2009, 2014 e 2019, prevê-se uma “viragem acentuada à direita”. Assim, nas próximas eleições para o Parlamento Europeu, o grupo Identidade e Democracia (ID), onde prefiguram os partidos de extrema-direita, deverá ter avanços significativos em termos de representatividade. O objetivo destes partidos parece ser a sua eleição para se poderem sentar no seio da Europa para que a possam combater por dentro. Quase como se fosse um Cavalo de Tróia, mas talvez de vidro, visto que sabemos bem a meta a atingir.
A festa da Identidade e Democracia é sempre uma festa onde se refila com o sistema, mesmo que estas 50 pessoas sejam o reflexo do pior que o sistema tem. Os “antis” todos juntos, desde o anti-vacinas ao anti-UE, passando pelo anti-imigração e o anti-ambientalista. Mas como nem só de um lado se vive a vida, também eles são “pró” muita coisa, quer pró-vida, quer pró-teorias da conspiração e, o favorito e sempre presente, pró-sóentranomeupaísquemeuquero. Como Portugal não vive isolado, também aqui chegou esta festa pautada pela hostilidade para com a Democracia. Se por um lado a memória da Revolução de Abril ainda perdura e talvez tenha sido a responsável pela chegada tardia deste movimento a Portugal, o facto de muitas das promessas de Abril terem ficado por cumprir, também leva a que a extrema-direita tenha terreno de sobra para explorar. A extrema-direita traz uma visão do mundo que nunca abandonou a cabeça de muitas pessoas e, quando ligada à desvalorização do trabalho que os cidadãos sentem, traduz-se rapidamente no descrédito das instituições democráticas.
Nestes 50 anos que marcam a Revolução de Abril, chegaram 50 novos convidados à festa que se sentaram nas cadeiras lá no lado extremo direito do hemiciclo. Sugiro que se averigue se está tudo bem com aquelas cadeiras, uma vez que todos os seus deputados se levantaram em riste quando escutaram uma música que não só representa o desprendimento com o antigo regime ditatorial, como o respeito para com todos aqueles que foram perseguidos, torturados e mortos nas mãos de uma ditadura repressiva. A melhor forma de honrar a liberdade que nos foi entregue é através do voto. Assim, votar nas Eleições Europeias não só fará com que este projeto unitário se torne mais democrático, como que se oiça a voz de cada cidadão de cada Estado-membro que o compõe.
- Sobre a Mariana Matias dos Santos -
Natural de Nelas, Beira Alta. Licenciada em Relações Internacionais pela Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra. Atualmente no Mestrado de Comunicação Pública e Política no Sciences Po Bordeaux e em Sociologia na Universidade de Coimbra. À esquerda. Um dia saberá exatamente o que quer.