Que fique claro, para início de conversa, que defendo o direito à resistência armada perante a ocupação externa ou a implantação (interna e/ou externa) de um regime opressivo e ditatorial. Como defendo, no quotidiano, a necessidade de não assistirmos passivamente à exploração, à micro-violência (doméstica, homofóbica, transfóbica), à humilhação ou ao apagamento social e simbólico. Quem tem recursos para o fazer deve defender-se e proteger os outros. A vida é feita de conflito entre quem quer e pode impor-se e os demais. Nada em mim apela à comiseração, ao miserabilismo disfarçado de apatia ou indiferença, à cumplicidade com a ordem.
Mas não aceito a retórica belicista que, em doses progressivas, para estranharmos mas entranharmos, nos acena com a inevitabilidade do estado de guerra. É claro que, de certa forma, essa guerra é permanente e infinita, pois nada pode travar a incessante acumulação capitalista (daí a guerra contra as pessoas – as que resistem à exploração e à opressão, as que são improdutivas, as descartáveis, as não normativas), contra as espécies não-humanas, contra a natureza ou contra os saberes não domesticáveis. Nada impede essa guerra ubíqua e dissimulada, a não ser o colapso do próprio capitalismo ou a eliminação do que o sistema considera como resíduo ou obstáculo (o planeta, no final da cadeia de eliminação).
Sou da primeira geração que usufruiu da liberdade de não “ir à tropa”. Muitos dirão que foi uma “experiência porreira”, de sociabilidade intensa e com estórias para contar. Que estranha narrativa, de armas na mão, numa sociedade de homens, rituais jactantes, hinos e bandeiras. Que perda de tempo e que violência para tantos, sem nunca esquecer os que ainda combateram na guerra colonial.
Bem sei que dá jeito unir pela pátria, esquecendo as divisões internas (e as injustiças, os abusos, as desigualdades). Os generais e especialistas de pacotilha já substituem o “militar” pelo “cívico” ou “de cidadania”. O militarismo foi sempre uma alienação das classes trabalhadoras, fazendo-as lutar com os seus irmãos de classe do outro lado da fronteira. Pode ser, ainda, um último recurso da ameaçada masculinidade hegemónica (vigente, no seu modelo, mesmo que se recrutem mulheres). Que atraso seria, que traição a abril, nestes 50 anos, 50 cravos por semear, em favor da paz.
Pela paz se pega em armas, dizia o desertor do poeta e cantor francês Boris Vian, desafiando o Presidente da República que o convocou para a guerra (poema que José Mário Branco traduziu para português e que cantou vezes sem conta durante a guerra colonial):
“diga aos seus generais
que eu não faço essa guerra
porque eu não vim à Terra
pra matar meus iguais”
Fica o aviso às novas brigadas do reumático.
-Sobre João Teixeira Lopes-
Licenciado em Sociologia pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto (1992), é Mestre em ciências sociais pelo Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (1995) com a Dissertação Tristes Escolas – Um Estudo sobre Práticas Culturais Estudantis no Espaço Escolar Urbano (Porto, Edições Afrontamento,1997). É também doutorado em Sociologia da Cultura e da Educação (1999) com a Dissertação (A Cidade e a Cultura – Um Estudo sobre Práticas Culturais Urbanas (Porto, Edições Afrontamento, 2000). Foi programador de Porto Capital Europeia da Cultura 2001, enquanto responsável pela área do envolvimento da população e membro da equipa inicial que redigiu o projeto de candidatura apresentado ao Conselho da Europa. Tem 23 livros publicados (sozinho ou em co-autoria) nos domínios da sociologia da cultura, cidade, juventude e educação, bem como museologia e estudos territoriais. Foi distinguido, a 29 de maio de 2014, com o galardão “Chevalier des Palmes Académiques” pelo Governo francês. Coordena, desde maio de 2020, o Instituto de Sociologia da Universidade do Porto.