VLADIMIR: E então, o que é que fazemos?
ESTRAGON: Deixa estar. O melhor é não fazermos nada. É mais seguro.
VLADIMIR: Vamos esperar para ver o que é que ele diz.
[...]
VLADIMIR: Então? Vamos embora?
ESTRAGON: Vamos.
(Não se mexem.)
À espera de Godot, Samuel Beckett
A espera pode ser a pausa necessária para reconhecer sentidos e dar tempo para as coisas serem. Mas quando extrapolamos a elasticidade do tempo, facilmente a vemos converter-se numa Espera por Godot, afinal as esperas também se escolhem. É neste plano de inação e constante adiamento que me foco, hoje, salientando as decisões que não podem esperar.
Quantas vezes nos nutrimos do eterno projeto, no conforto de algo bom por vir, sem nunca dar espaço ao desconforto de o arriscar concretizar? Em nós, temos todos os sonhos do mundo, mas onde fica o espaço para os realizar? À espera de quantos Godots, que nunca encontram o caminho até nós, desperdiçamos o nosso tempo? Em quantas discussões, jogos de culpas, iras e desdéns tentamos iludir o ponteiro do relógio que não espera? Quantas intenções temos guardadas na gaveta? Qualquer dia servirá para as materializar, menos hoje. Conquistar a rotina de corporizar o micro, mudará o macro. Há que ganhar o hábito da ação consciente.
Talvez em Portugal o nosso Godot se chame Sebastião, o rei que esperamos reemergir da neblina. Aquele que nos vem salvar de todos os desequilíbrios e desafios sociais. O mito assente na esperança por cumprir. Uma espera inativa, na qual não existem encontros, apenas frustrações decorrentes do curso de um tabuleiro de xadrez desconcertado. Esta espera política, que se estende, lembra-me das eleições presidenciais que estão à espreita. Segundo dados da PORDATA, em 2019, a percentagem de eleitores, a viver em Portugal ou fora, que se abstiveram nas eleições legislativas foi de 51,4%. No mesmo ano, a Lusa avançou que a taxa de abstenção nas eleições legislativas tem vindo a registar um aumento ao longo dos anos e que, nas últimas legislativas, se verificou a maior taxa de abstenção em democracia. No que diz respeito às presidenciais de 2016, segundo a PORDATA, verificou-se uma taxa total de abstenção de 51,3%, o que, segundo o Jornal de Negócios, corresponde à segunda maior taxa de abstenção desde o 25 de Abril. Será ainda importante relembrar que a faixa etária mais jovem é que a regista maiores valores de abstenção.
O argumento comum, assente na desilusão ou desinteresse, para justificar a abstenção não pode mais encontrar lugar nas nossas vidas. A melhor forma de mostrar descontentamento perante o funcionamento do nosso sistema político não pode passar pela decisão de não participação na vida pública, porque, independentemente do distanciamento inicial, as decisões que advêm destes momentos eleitorais implicam qualquer cidadão. No momento de viver com as consequências, não existem abstenções. Até ao dia das eleições presidenciais, 24 de janeiro de 2021, podemos inteirar-nos do programa de cada candidatura, inclusive através de entrevistas aos candidatos e debates entre os mesmos. Faltam 34 dias para o contributo que a todos cabe, por isso, informemo-nos. A cruz que traçamos no dia 24 de janeiro é um dos rabiscos mais importantes que faremos, principalmente depois do ano atípico de 2020, marcado por uma série de desigualdades e precariedade que terá tendência a ganhar maior expressão nos meses por vir.
D. Sebastião não vai chegar. Godot também não. Só nos podemos valer das nossas escolhas ativas, e quanto aos próximos anos e condições em que viveremos, o primeiro passo é dado em janeiro com a ida às urnas para traçar uma cruz informada no boletim de voto. O futuro de Portugal precisa da escolha e participação de todos, nomeadamente dos jovens que, por vezes, se encontram mais alheados da vida política. Mas é o seu futuro que está a ser decidido. Por isso, da próxima vez que VLADIMIR perguntar se vamos embora, respondamos que sim. Mas um sim que seja acompanhado pela ação de nos levantarmos do chão e seguirmos caminho para além da paixoneta pelo projeto. A quebra com a inebriante espera começa na mais simples ação das nossas vidas e, neste caso, basta corresponder ao direito de voto, que constitui também um dever cívico, e que terá consequência na forma como viveremos o nosso dia a dia. O lugar de decisão ganha, hoje, um peso acrescido perante todo o contexto internacional e nacional a que temos vindo a assistir. Não abdiquem do direito de escolher o curso da vossa vida.
-Sobre Andreia Monteiro-
Cresceu na terra que um dia alguém caracterizou como o “sítio onde são feitos os sonhos” e lá permanece, quer em residência, quer na constante busca por essa utopia. É licenciada em Comunicação Social e Cultural, na vertente de Jornalismo, pela Universidade Católica Portuguesa, e mestre em Ciências da Comunicação, na vertente de Jornalismo, pela mesma entidade. É, desde maio de 2019, a diretora editorial do Gerador, Associação Cultural a que se juntou no final da sua licenciatura. Apaixonada pelo mundo artístico, é uma leitora insaciável, a companheira constante de um lápis e papel, uma curiosa de pincel na mão, uma amante de teatro e cinema e está completamente comprometida com a beleza da música que tem vindo a descobrir. É, desde 2019, aluna na escola de jazz do Hot Clube de Portugal. Acima de tudo, é uma criatura com pouco mais de metro e meio cujo desassossego não deixa muito espaço para tempos mortos.