“Sempre fui uma observadora e rapidamente passava da observação para a ação”, diz-nos Filipa Belo, explicando como é que as suas capacidades inerentes a levaram a descobrir um novo mundo para além daquele a que se tinha proposto a seguir. Sendo “uma entusiasta do empreendedorismo, do consumo sustentável e da economia de partilha”, Filipa fundou a Portugal Manual. Segundo a própria, o projeto é uma “rede de promoção dos novos artesãos portugueses”. O Gerador quis desvendar o percurso que Filipa tem traçado com este projeto e, acima de tudo, o futuro de um pedaço importante da cultura portuguesa, o artesanato.
Apesar da sua “fugaz” passagem pela sociologia, Filipa contou-nos que “o marketing esteve sempre presente como algo inato”. De algum modo, os caminhos profissionais que tomava, acabariam sempre por levá-la ao marketing. “Trabalhei na Organii, uma empresa de cosmética orgânica, e passei por diversas funções até que, sem perceber bem como, já estava a desenvolver estratégias e novas formas de reposicionar a marca. Nessa altura, em 2012 ou 2013, verifiquei que a procura por produtos biológicos, sustentáveis, longe das produções em série, estava a implementar-se em Portugal e em 2016, organizei a primeira edição do Organii ECO MARKET em Lisboa. Nesse evento, conheci alguns dos artesãos que integrariam, dois anos mais tarde, a Portugal Manual.”
Foi “por amor” que Filipa se mudou para Brasília, mas nem a distância a impediu de seguir os seus objetivos. Atualmente, “estou em fase de rescaldo dos primeiros seis meses da Portugal Manual, o projeto foi muito bem aceite no Brasil e esses ecos ressoaram em Portugal, o que me deixou surpreendida, na mesma medida que me deixou feliz.”
Portugal Manual pela lente de ©Mónica Ramalho
Mas em que consiste esta rede que junta novos artesãos portugueses? Filipa explica-nos que o projeto Portugal Manual, que se estende às mais diversas categorias do artesanato, desde a serigrafia e ilustração à moda, passando pela joalharia, o infantil e o design, é composto “com base em três pilares: o pilar cultural, em que promovemos e reposicionamos o novo artesanato português fora de Portugal, através da exposição O Artesanato em transformação. O pilar comercial, possibilitando a estas marcas estarem presentes em feiras internacionais, o que de forma individual seria difícil. E ainda o pilar do turismo criativo, investindo na promoção de experiências em Portugal, através de workshops que promovem o aprender a fazer, distribuídos um pouco por todo o país”.
Mas os objetivos são imensos. Através de cada pilar, o projeto mostra-se ambicioso, tal como explica Filipa: “é um projeto multidisciplinar e que tem vários objetivos, nunca esquecendo do eixo comum a todos eles: a promoção dos novos artesãos portugueses através da projeção de um futuro com olhos no passado e mãos no presente”.
Com a exposição O artesanato em transformação, o projeto pretende “elevar o trabalho do novo artesão” a vários países, “através do reposicionamento do artesanato contemporâneo português, agregar-lhe valor através das histórias que contam. Queremos dar voz e visibilidade a essas pessoas e rescrever outras histórias que estão perdidas”.
Enquanto a vertente comercial joga um papel fundamental “em viabilizar a presença destas marcas em feiras internacionais que impulsionariam a internacionalização dos projetos ao mesmo tempo que posicionariam Portugal como um dos players no setor do artesanato contemporâneo”, no início de 2020, o projeto Portugal Manual pretende lançar itinerários inseridos na vertente de turismo criativo. “Queremos levar as pessoas para dentro das oficinas e dos ateliês. Queremos promover o contacto direto com quem faz. Convidar a ouvir as histórias na primeira pessoa. Divulgar as experiências Portugal Manual, porque acreditamos que é no quotidiano de uma oficina que se sente o pulsar renovado da criação. Queremos colmatar lacunas entre as gerações, oferendo lugares de encontro, discussão e aprendizagem”.
Exposição O artesanato em transformação pela lente de ©Mónica Ramalho
Filipa realça ainda que “uma das dificuldades é conseguir promover estas marcas, fora de Portugal, sem qualquer tipo de apoios financeiros”. Muitos dos dias da empreendedora portuguesa “são passados a trabalhar para conseguir levar estas marcas mais além com o mínimo de custos possíveis”. O projeto é autofinanciado e trabalha com “microprojetos que precisam de ser impulsionados e, nesse sentido, procuramos constantemente parceiros que viabilizem as ações que promovemos. Acredito no poder coletivo e que é na união das entidades privadas com os agentes culturais que conseguimos a projeção de um país moderno e cosmopolita”.
Apesar das dificuldades que o projeto tem enfrentado, supera-os com “pessoas que acreditam e reconhecem a importância de um projeto como a Portugal Manual para a promoção de uma cultura e identidade portuguesa, o que tem resultado em apoios muito importantes que permitiram uma série de ações que já levamos a cabo durante estes primeiros seis meses de trabalho”.
Contrariamente às profecias de há uns anos a propósito do artesanato português, Filipa diz que “assistimos a um crescimento de interesse pelo produto feito manualmente na sociedade contemporânea. Porque ele tem um cariz sustentável, temática em crescimento nos últimos anos, e também uma aura de pertença”.
Contudo, os tempos são outros, assim como os mercados. “Contrariando os movimentos criados pelo fast fashion, há um nicho que procura por produtos com alma. Questionando menos o preço e questionando mais a história. Tenho observado junto das novas gerações de compradores, que nasceram numa era plenamente digital e que, por essa falta de identidade e sentimento de pertença, exigem produtos diferenciados e que tenham um sentido cultural acrescido. Acredito que a procura de produtos feitos à mão muito mais do que uma tendência, é um estilo de vida”, afirma Filipa.
Mas ainda assim, os mercados inseridos nestas lógicas veem-se confrontados com uma certa resistência. “As maiores dificuldades passam pelo reconhecimento de que as indústrias criativas trazem grandes contribuições para a economia portuguesa. Estabelecer diálogos entre o setor privado e os agentes culturais é um bom ponto de partida. O artesanato é um dos setores criativos que se enquadraria facilmente numa série de ações de políticas públicas, mas também em ações de cariz privado, promovendo novas parcerias”.
Para Filipa, “economias criativas podem e devem ser estimuladas, valorizadas e reconhecidas, pois refletem a imagem de um país com intelectual humano e refletem a capacidade de criação e proatividade de uma nova geração.”