João Pedro Vaz trabalhou inicialmente como ator e encenador, sobretudo de teatro. Saiu há cerca de dez anos de Lisboa e assentou em Guimarães. Entrou em 2016 n’A Oficina: primeiro no teatro e, mais tarde, foi convidado para assumir a direção artística geral, onde se mantém até agora. Hoje, A Oficina gere vários espaços artísticos da cidade e, para cada área, existem programadores que dirigem as programações e que trabalham em rede.
Foi em 1989 que nasceu esta associação cultural. A Oficina tem esta capacidade de ter equipamentos muito diferentes, mas, ao mesmo tempo, consegue ter uma visão artística integrada. Não uma visão única, porque a ideia é ser plural”.
Gerador (G.) – O que é A Oficina?
João Pedro Vaz (J.P.V.) – A Oficina é um instrumento de desenvolvimento cultural do seu território. Temos desde a arte contemporânea até o artesanato vimaranense. Há aqui um círculo que é uma nova centralidade cultural e que mostra este projeto de Guimarães de modo unido. Não somos uma promotora de eventos que monta e desmonta e passa para a próxima cidade. Aqui, é um trabalho substrato. É uma ferramenta de desenvolvimento cultural próxima do território e em contacto com o mundo. Para muitas pessoas, a ideia de trabalhar o território parece incompatível com a ideia de internacionalização. Estamos interessados neste movimento de vir cá um artista internacional que pode motivar o encontro com pessoas e artistas locais.
G. – A Oficina nasceu em 1989. Havia alguma organização que fomentasse a cultura em Guimarães antes da sua criação?
J.P.V. – Há vários grupos de teatro amador anteriores à A Oficina, mas este instrumento foi criado pela câmara municipal para organizar o artesanato. Cinco anos depois, aparece o teatro e apercebeu-se de que esta estrutura estava a profissionalizar-se e que conseguia tomar conta de mais projetos. Começou a ficar com o Guimarães Jazz, as festas da cidade… e foi crescendo.
G. – O projeto foi criado pela câmara municipal. Ainda hoje, o apoio público da câmara para a cultura é suficiente no município?
J.P.V. – A câmara municipal tem um investimento em cultura que é ímpar no país, vai perto dos 9 % do orçamento geral. Não se pode dizer que a contribuição seja insuficiente, porque a câmara já está a fazer muito pela A Oficina. Estes equipamentos são um novo desafio e não houve um crescimento em termos de financiamento que correspondesse a estes novos equipamentos, mas estamos a trabalhar neste sentido. O que está a faltar é o investimento do Estado Central. Guimarães foi Capital Europeia da Cultura em 2012 e é a única Capital Europeia da Cultura portuguesa que, depois, não teve nenhum projeto financiado de modo sustentado. Estamos aqui em frente a um projeto que nasceu da Capital Europeia da Cultura [CIAJG – Centro Internacional das Artes José Guimarães] e que do Estado recebeu zero euros. Poderia um dos maiores centros de arte contemporânea da Europa e não consegue dar o salto porque não tem um orçamento equivalente. Isso acontece com todos os espaços que não estejam no Porto ou em Lisboa.
G. – A Oficina gere a programação cultural de vários espaços da cidade, e esses espaços exigem programações diferentes. Como é que se coordena tudo?
J.P.V. – Os programadores trabalham todos em conjunto, o que é algo recente n’A Oficina, uma vez que antes trabalhávamos todos mais divididos. Vamos lançando ideias e rapidamente as coisas se conjugam.
G. – Com tantos espaços e diferentes programações, conseguem agradar a todos os públicos?
J.P.V. – Não sei se a nossa função é agradar aos públicos. Nós estamos a observar muito a realidade de Guimarães fora das nossas portas e estamos a esforçar-nos muito para não fazermos concorrência a ninguém. A nossa ideia é criar a diferença e complementar a programação. Noutros locais podem ver coisas mais comerciais, mas n’A Oficina veem propostas de serviço educativo que são diferenciadores e que estimulam a criatividade.
G. – Qual é o balanço que faz dos últimos anos em relação à evolução d’A Oficina?
J.P.V. – A Oficina faz este ano 30 anos e houve um crescimento enorme, uma espécie de explosão na relação de Guimarães com o mundo. Ao mesmo tempo, há também todo um trabalho que está sempre a recomeçar. Eu sinto sempre que há pessoas que nunca entraram aqui e, nesse sentido, A Oficina tem, todos os dias, de recomeçar a sua relação com alguém. Há muito público em Guimarães para muitas coisas, e isso evoca a seguinte questão: estamos a investir na quantidade ou na qualidade? Estamos a criar dispersão ou circulação? Todas as coisas podem ter um lado bom ou lado mau, e nós temos de olhar para os fenómenos e jogar com eles. Em Guimarães, eu consigo fazer uma rotina artística e cultural que acho que seria impossível de pensar há umas décadas. Neste momento, estamos a explodir para muitos lados e precisamos de refletir sobre o que está a acontecer.
G. – Em termos culturais, de que é que Guimarães continua a precisar e não tem?
J.P.V. – Documentação e estudo, mas isso é uma coisa na qual nós vamos trabalhar. Talvez a única necessidade que eu tenha aqui é de ter mais livros de arte, de teatro ou vídeos. Mas esta não é uma necessidade apenas de Guimarães. A cidade precisa de descer em profundidade, porque já tem muitos eventos, muitos festivais, e o próximo passo é discutir as coisas e a profundar.
G. – Sente que Guimarães está a destacar-se culturalmente no país ou ainda tem um longo caminho pela frente?
J.P.V. – Guimarães é, sem dúvida alguma, a terceira maior cidade a nível cultural e só não é mais por razões orçamentais. E depois as pessoas dão sempre feedback, seja bom, mau, mais ou menos… Nós ouvimos toda a gente.
G. – A descentralização da cultura é uma preocupação d’A Oficina?
J.P.V. – Em Guimarães, estamos para lá da descentralização. Há um conceito em Portugal mais ou menos recente que vem de França que é a nova centralidade. Na descentralização, há um modelo, pegamos nesse modelo presente no centro e descentralizámo-lo. A nova centralidade rege-se por coisas que nascem naquele sítio e são completamente diferentes daquilo que se faz no centro. Nós somos uma nova centralidade. Há territórios que já mereciam ser o centro, não são segundas vias de nada. É preciso que haja uma visão do território e o Estado Central não tem essa visão.
G. – Que futuro prevê para A Oficina?
J.P.V. – Nós estamos aqui num grande desafio com os museus, queremos pô-los no próximo ano na ordem do dia como locais onde se entra de modo muito descontraído. Para 2020, esse será o nosso maior desafio.
G. – Considera que a cultura pode ser um motor de desenvolvimento de um país?
J.P.V. – Completamente. Aquilo que distingue um país com a nossa escala é a criatividade e a nossa arte relativamente a outros países. É curioso, sempre que há workshops internacionais, gostam sempre dos atores portugueses. Dizem que são sempre os mais diferentes uns dos outros. Apesar de todo o desinvestimento e problemas orçamentais, a dinâmica cultural em Portugal é inacreditável. No nosso país, há uma capacidade muito grande de criação artística.
G. – Os espaços funcionam bem em rede?
J.P.V. – Não. Nada funciona bem em rede em Portugal. E tenho dúvidas sobre a questão das redes neste momento no sentido da diversidade. Acho que as redes de trabalho entre teatro e equipamentos devem servir para fazer projetos melhores, mas também mais diversos.
Entrevista por Gabriel Ribeiro
Fotografia de Os Fredericos
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